Acordei no domingo sentindo uma ansiedade diferente: por pior que pudesse parecer receber James em casa, meus filhos estariam de volta depois de um período - que eu julguei muito longo - longe de mim. Comecei a preparar o almoço assim que saí da cama, arrumei o quarto das crianças e coloquei um bolo de carne no forno.
- Mãe - ouvi a voz de Benjamin logo que ele passou pela porta - mãe...
- Benjamin - gritei em resposta, correndo para abraça-lo - como passou?
- Bem - ele diz aninhando-se em meu abraço - estava com saudades.
- Eu também estava - respondo e logo sou literalmente, atropelada por Ellie e Jimmy que já estão dentro de casa também.
Em meio à abraços e beijos e diversos "mãe", "mamãe" e "má" como dizia o pequeno Jimmy, eu quase me esqueci que James estava em casa:
- Oi querida - ele diz se aproximando-se.
- Oi - respondo e logo dou-lhe as costas, voltando minha atenção total aos pequenos.
Foi um fim de semana peculiar: era como se nada de errado estivesse acontecendo entre James e eu, as crianças não estavam recebendo nenhum tipo de respingo da agressividade, da crueldade e da indiferença do meu marido. Ben, por ser o mais velho e o mais chegado à mim, apenas parecia confuso, como se não esperasse nos ver tão bem.
- Acho que vamos superar isso - James disse me encarando sorridente, como se "isso" fosse uma discussão sobre discordar da cor das novas cortinas.
Não consegui responder... E o que é que eu responderia? Se eu dissesse à James qualquer coisa diferente do que ele pretendia ouvir, ele possivelmente perderia o controle novamente, e eu sabia muito bem até aonde ele poderia ir caso isso acontecesse. Aceitei o convite para jogar um jogo bobo com as crianças para distrair minha cabeça e assim, quando eu percebi, o fim de semana estava terminando e James, perto das sete horas da noite disse que voltaria para a cidade, o que gerou uma enorme sensação de alivio.
Telefonei para a minha mãe assim que ele saiu. Contei que os pequenos estavam de volta e ela falou que estava pensando em nos visitar - também não sabia se eu queria encontrar com ela, porque eu também tinha meus problemas com ela e principalmente, com ela e a maneira com que ela encarou a vida depois de perder o papai, aquilo me incomodava bastante ainda.
Preparei uma roupa para o meu primeiro dia de trabalho, e as crianças pareciam empolgadas quando contei que começaria em um emprego e mesmo assim, teria tempo para ficar com eles.
- Vai ficar tudo bem? - perguntou Ben quando fui em seu quarto para lhe dar boa noite.
- Claro que vai, bebê - eu respondo.
- Com o papai também? - ele pergunta.
- Não entendi sua pergunta, pequeno... - eu o encaro tentando fingir confusão.
- Vocês estão brigando, ele está sendo c***l e rude - ele diz nervoso - ele vai parar?
- Vai sim - eu o beijo na testa, eu sabia que aquilo aconteceria, ele perceberia, eu não precisava falar, meu filho mesmo veria como o pai estava se comportando.
- Você tem certeza? - ele pergunta.
- Tenho sim...
- A Ellie está com medo dele - Ben disse rapidamente.
- Como assim? - eu pergunto.
- Quando estávamos voltando - Ben suspira - ele gritou com ela, e ela voltou chorando, durante todo o vôo - ele disse.
- E por que é que eu só estou sabendo disso agora? - pergunto.
- Papai pediu que não contasse - ele responde sem jeito - mas achei errado, achei que precisava saber.
- Sim, bebê, eu precisava, obrigada - respondo.
- Eu amo você - ele diz e me abraça.
- E eu também amo você.
Sinto o meu sangue ferver: como ele pode? Agora caminho vagarosamente para o quarto da minha filha, sei que Ellie está acordada ainda:
- Oi pequena - eu digo
- Oi mamãe - ela responde, sentando-se na cama.
- Está tudo bem? - pergunto.
- Sim - ela responde - está sim, e com você?
- Eu estou bem - suspiro e beijo seu rosto - como estava na casa da vovó?
- Bem legal - ela responde - o vovô me ensinou a descascar laranjas.
- Ah, isso é bem legal e importante - digo sorrindo.
- Sim - ela responde orgulhosa - o Jimmy também queria, mas a vovó falou que ele ainda é muito pequeno para isso.
- Sim, é verdade - digo rindo - e na volta? Deu tudo certo?
- Mais ou menos - ela diz envergonhada.
- Uhm, não me convenceu....
- Não posso falar sobre isso - ela diz rapidamente.
- E por que não? - pergunto.
- Papai pediu para não falarmos sobre isso... - ela parece envergonhada.
- Mas eu sou a mamãe - digo séria - sabe que sempre pode me contar as coisas, qualquer coisa...
- Eu sei - ela suspira - mas não foi nada demais.
- Tudo bem - digo - mas o que foi?
- Papai gritou comigo - ela diz chorosa - no aeroporto... Eu lembrei que havia deixado a Sally na casa da vovó, e ele gritou comigo, dizendo que eu não sabia cuidar das minhas coisas, mas eu esqueci.
- Tudo bem - eu respondo - vamos poder resolver isso, vou pedir para a vovó que envie Sally pelo correio para cá, o que acha?
- Em uma caixa? - pergunta Ellie.
- Sim - respondo - em uma caixa, por via expressa, assim ela chega rápido e não fica com medo.
- Pode ser - ela boceja - preciso dormir, boa noite, mamãe.
- Boa noite, querida.
Volto para a sala, minha vontade era de telefonar para James e gritar com ele, até ele voltar para casa e pedir perdão à nossa pequena Ellie, já não bastava à ela ter esquecido o seu coelhinho de pelúcia, ainda precisava ouvir os gritos de um pai descontrolado? Mas me contive, e me ative a resolver o problema, telefonando para a minha sogra que, muito solícita, disse que enviaria o bichinho na manhã seguinte para a nossa casa e lamentou não ter percebido o esquecimento da neta em tempo.
Consegui concluir o dia com sucesso: tudo em ordem, sem surtar e cedo, em tempo de descansar para o meu primeiro dia de trabalho, eu estava inegavelmente orgulhosa de mim, a retomada da minha vida profissional era umca coisa que tinha muita importância naquele momento.