As crianças já haviam tomado banho e assistiam TV na sala, eu mesma estava dentro da banheira, com minha taça de vinho tinto, quando ouvi o carro: James havia chegado. Maldita hora que eu disse para ele fazer o que achasse melhor. Tratei de sair do banho o mais rápido possível e me vestir.
- Querida - ouvi ele dizendo enquanto subia as escadas.
- Oi - eu digo abrindo a porta do quarto.
- Está cheirosa - ele sorri e tenta abraçar-me, mas eu desvio.
- Trouxe o jantar? - pergunto.
- Sim - ele responde - peguei pizza, as crianças estão colocando a mesa...- ele se aproxima - eu sinto tanto, querida, eu não queria ter falado daquele jeito com você, eu só...
- ... estava tentando esconder a identidade do seu mais novo caso extraconjugal - eu respondo sorrindo.
- Não - ele sorri - ela apenas é uma colega de trabalho, combinamos de correr juntos e...
- Chega - eu digo ríspida - não estou afim de ouvir as suas desculpas.
- Vamos encontrar uma solução - ele diz - não quero ficar brigando com você.
- Eu não encontro solução para isso - eu respondo.
- Acha mesmo que eu estou tendo um caso com ela? - ele pergunta.
- Acho - respondo.
- Ela é filha do meu sócio, Mel - ele diz em tom de indignação.
- Não me lembro de você ter algum impeditivo - eu dou ombros.
- Que tipo de homem você pensa que eu sou? - ele diz irritado.
- O tipo que não liga se é filha do chefe, namorado do amigo... Eu conheço você - digo acusando-o.
Não falei mais nada, apenas deixei James no quarto, pensando no que estava fazendo. Eu queria sair pela porta e não voltar mais, ao menos não enquanto ele estivesse em casa e o único lugar que eu pensava em ir, era para aquela cabana no meio da floresta com Dom, a única coisa que parecia fazer sentido em minha mente perturbada era sair correndo atrás do erro que eu queria cometer.
- Me desculpa - foi tudo o que ele me disse quando encontrou-me na cozinha - acho que eu não sei mais o que eu estou fazendo da minha vida.
- O que é realmente importante para você? - pergunto enquanto abro uma garrafa de vinho.
- Minha família - ele diz de imediato.
- Não - eu respondo - se desse valor à sua família, não faria isso.
- Querida, não pode me culpar, você sabe que as coisas não são mais as mesmas... - ele iniciava um discurso que eu conhecia bem: ele me reduzia a quase nada, reclamava que eu estava sempre cansada e que eu nunca tinha tempo para ele ou para me cuidar.
- Eu não estou com cabeça para o seu discurso, James - eu disse e sai em direção à sala de jantar.
Jantamos em paz, as crianças deram detalhes sobre a rotina escolar e James pareceu interessado - a ponto de olhar os cadernos deles, o que era algo inédito. Eu lavei a louça, organizei a cozinha e a sala, coloquei as roupas para lavar e quando finalmente cheguei em meu quarto, James já estava dormindo - o que era de se esperar.
Na manhã seguinte, ele demorou-se e fez questão de levar os pequenos na escola, deixando-me sozinha desde cedo, mas prometendo voltar perto das dez. De fato o fez e chegou com copos de café:
- Certo - ele diz - o que podemos fazer?
- Sobre o que? - pergunto.
- O que você quer, Mel? Eu te dou tudo... - ele começa seu drama - trabalho como um condenado...
- James - eu suspiro - eu não preciso de tudo o que você quer me dar.
- E o que você precisa? - ele me olha em tom de súplica.
- Do meu marido - eu grito - do homem que eu me apaixonei, que queria estar do meu lado, que me incentivada - eu estou perdendo o controle - é só o que eu preciso. Se para isso, eu preciso reduzir custos, vender meu carro, eu não me importo.
James apenas encarou-me um pouco perplexo. Acho que ele nunca imaginou que eu alteraria o meu tom de voz, nunca imaginou que eu não queria toda aquela m***a que ele julgava ser a vida perfeita, aproveitei e continuei:
- Se o preço de ter a vida boa e cara é ser constantemente traída e humilhada, é alto demais para mim.
Não falamos mais nada. Apenas nos encaramos por longos minutos. James murmurou algo sobre precisar voltar ao trabalho, e convidou-me para almoçar com ele na cidade, dizendo ser uma oferta de paz. Eu neguei o convite alegando ter muito o que fazer em casa - e eu não estava mentindo - e ele disse que compreendia e que estaria em casa à noite. Apenas concordei com a cabeça e esperei ele sair para afundar-me no sofá da sala com uma garrafa de vinho, antes mesmo do meio dia.
As tarefas da casa dividiram-se com meu vinho, cigarros e longas crises de choro. Acho que qualquer um dos meus vizinhos saberia que eu estava com problemas e talvez isso tenha me motivado a parar às três da tarde, para tomar um banho e me arrumar para buscar as crianças.
Meu marido voltou para casa à noite, estava calmo, falando baixo... Dedicou muito tempo às crianças e eu me permiti acreditar que as coisas ficariam bem. Ele mesmo as colocou para dormir e foi para o quarto.
- Querida - ele disse baixinho - está acordada?
- Sim James - respondo.
- Certo - ele diz sério - eu pensei muito sobre nossa conversa mais cedo.
- Uhm - eu encaro ele.
- Acho que você está sendo mimada e m*l agradecida... - ele diz sem rodeios.
- Eu vou fingir que... - mas ele me interrompe.
- ... sim, eu faço tudo por você e pela nossa família e você quer me crucificar por um ou outro deslize - ele conclui.
- Deslize? - eu digo rindo alto - Tudo bem. Se eu fizer o mesmo, você perdoaria o meu deslize?
- Do que você está falando? - ele muda o tom rapidamente - Você está me traindo, Mel?
- Não - eu respondo - não tenho nem tempo para tal proeza... Mas se eu estivesse? Me perdoaria?
- Claro que não - ele grita - como pode pensar nisso? O que está te faltando?
- Carinho, atenção, cuidado... - eu suspiro - alguém que transe comigo quando eu quero, e não quando não conseguiu comer ninguém fora... - dou ombros - tenho minhas necessidades também.
James não falou mais nada. Apenas encarou-me sério e me deu um t**a no rosto, tão forte que eu senti um zumbido em meu ouvido: ele nunca tinha levantado a mão para mim, e agora, estava visivelmente transtornado:
- Sai da minha cama - eu digo calmamente.
- Querida, eu sinto muito - ele parecia um pouco desconcertado.
- Sai da minha cama - eu falo mais alto - sai do meu quarto, sai da minha casa...
- Não grita, meu amor - ele implora - por favor, vamos resolver...
- James - eu volto a falar baixo - sai daqui.
Ele não foi embora: apenas saiu do quarto e foi para o quarto de hóspedes no térreo. Eu ainda não tinha conseguido absorver aquilo, nunca, em toda a minha vida eu havia me sentido tão humilhada. Chorei por muito, muito tempo até conseguir pegar no sono e sonhei com meu pai, ele dizendo para mim que nunca homem nenhum no mundo seria bom o suficiente para a princesa dela... Quando foi que eu deixei de ser a princesa dele e aceitar menos do que o mínimo que eu merecia?