Quatro horas da manhã: pensei ter ouvido o telefone tocar, mas havia parado... Suspirei e encarei o relógio: deve ter sido um sonho, ou um pesadelo, ultimamente ligações telefônicas não eram lá muito boas de atender. Viro para o lado, tentando voltar à dormir, novamente o telefone toca:
- Alô? - digo sonolenta.
- Mel? - uma voz feminina um pouco ofegante pergunta.
- Sim - respondo já acendendo a luz do abajur - quem está falando?
- Sou eu, a Jenny - ela diz, e percebo que não parece bem.
- Jenny, nossa - eu bocejo - o que aconteceu?
- Acho que eu preciso de ajuda - ela diz - parece que são as minhas contrações, e o Gregor, ele levou meus pais ao velório da minha tia avó, no Kansas - ela revira os olhos - maldita tia Sally...
- Tudo bem - eu digo imediatamente - me dá uns cinco minutos, e eu estou indo aí buscar você, respira, vai dar tudo certo...
- Obrigada - ela responde.
Eram quatro horas da manhã, eu nem imaginava porque é que Jenny me ligava... Apenas vesti a primeira coisa que encontrei e sabia que precisaria acordar Sarah, para que ela reparasse as crianças que dormiam. Bati na porta três vezes, até ela aparecer com seu chambre rosado:
- Querida, boa noite - ela diz preocupada - aconteceu alguma coisa?
- Sim, Sarah - eu digo rapidamente - sinto muito incomodar, mas acabei de receber uma ligação, Jenny, que casou-se com o Gregor...
- Sim - ela diz - me lembro...
- Aparentemente vai ganhar os gêmeos e a família está fora... Sei que é abusar de sua boa vontade... - amacio a minha adorada vizinha antes de pedir o favor.
- Nem precisa pedir - ela diz sorrindo - vá logo e fique tranquila, eu cuido dos pequenos. Mantenha-me informada.
- Obrigada, Sarah - digo já correndo em direção ao carro.
Eu sabia vagamente onde Jenny e Gregor moravam - primeiro por minha conversa com ele e segundo, por que Dom havia comentado, agora eu dirigia devagar, procurando por uma casa azul com cercas brancas, no fim da rua. Lá estava ela. Desci e encontrei Jenny no sofá da sala, quase imóvel.
- Oi - ela diz num tremendo esforço - sinto muito...
- Não - eu sorrio e abaixo para tocar sua barriga - está tudo bem, Jen, só me diz onde eu pego as coisas que você precisa e eu vou te levar para o hospital.
Ela indicou-me onde estavam as bolsas e malas cuidadosamente preparadas para a chegada dos pequenos e logo estávamos no carro, eu dirigia rapidamente e ela se mantinha em silêncio e concentrada. Chegamos e ela logo foi atendida, iniciei o protocolo de assinatura de documentos, precisava telefonar para a família, os médicos caminhavam apressados de um lado para o outro, parecia que nem tudo corria bem, eu estava preocupada.
- Mel - ouvi Dom no corredor - mamãe me ligou, eu vim assim que eu pude...
- Sim - eu respondo - preciso que ligue para o Gregor, eu não tenho o número, nem dos pais dela.
- Tudo bem - ele diz e segura minha mão - eu resolvo isso.
Mais de duas horas e meia haviam se passado quando o médico me chamou: os pequenos haviam nascido, prematuros, com oito meses. Jenny e eles estavam bem e estáveis, e ela estava dormindo. Foi sugerido que eu fosse descansar, e foi exatamente o que fiz. Dom encarregou-se de ficar por lá caso precisassem de alguma coisa, ao menos até Gregor chegar de viagem.
Já em casa, eu tomei banho, preparei as crianças para a escola e os levei. Passei no centro, comprei presentes para os bebês de Jenny e voltei ao hospital: Dom não estava mais lá, mas Gregor e toda a família haviam chegado:
- Mel - Gregor correu para abraçar-me - obrigada - ele diz - muito obrigada por cuidar da Jenny, por trazer ela, nem sei como eu posso te agradecer.
- Não agradeça - eu sorri - tenho certeza de que fariam o mesmo por mim...
Cumprimentei os pais dela, e pude ver ela e os pequenos por alguns minutos, suficientes para saber que o numero do meu telefone fixo estava no número dois da discagem rápida desde que Gregor contara que eu estava de volta. Aquilo era bom, era bom saber que Jenny ainda me considerava uma amiga, porque até poucos dias atrás, eu estava certa de que eu era uma pessoa que não tinha mais amigos. Quando voltei para casa, Dom estava fumando no jardim em frente à casa de sua mãe:
- Como estão os bebês? - ele pergunta.
- Estão bem - respondo - vão ficar alguns dias na incubadora, mas em breve terão alta.
- E a Jenny? - ele salta por cima da cerva aproximando-se de mim.
- Está bem - suspiro - poderá voltar para casa amanhã, provavelmente.
- Bom saber - ele diz sorrindo.
- Obrigada por ter ido até lá - eu digo.
- Agradeça mesmo - ele riu - fiz por você. A Jenny nunca gostou de mim e o Gregor é um cuzão, eu só achei que você ficaria mais tranquila se eu ficasse lá, e bem, eu sabia que não tinha o telefone dele.
- Obrigada novamente - eu digo sorrindo.
- Vai descansar - ele pisca o olho - nos vemos por ai.
Olhei no relógio: uma da tarde. Podia realmente dormir por algumas horas até buscar as crianças, mas eu não queria. Estava pilhada, acabei voltando ao escritório, pegando as cartas que havia guardado no cofre e relendo, uma por uma... No fim, guardei todas - até mesmo as mais recentes - na caixinha e deixei closet, junto com minha jaqueta de couro, como um lembrete de para onde deveriam ir aquelas cartas todas.
James telefonou diversas vezes no fim do dia e eu não atendi. Eu não queria nem mesmo ouvir a voz dele. Encontrei um pouco de conforto para minha dor nas fotos que Jenny enviou dos gêmeos, nas mensagens bonitas que a família dela enviou para mim, agradecendo por estar com ela, no sorriso de Sarah acenando de sua própria sacada, tarde da noite, com uma xícara de chá... De uma fora ou de outra, eu estava em casa, e parecia que se eu ficasse lá, nada de m*l aconteceria.