Por mais que tentasse – e eu tentei muito – esquecer a conversa e a proposta de Dom, aquilo não saia da minha cabeça, de um jeito ou de outro, em algum momento, a voz dele ecoava em minha mente “não vai se arrepender” e uma parte de mim, tinha certeza de que eu não iria, mas os dias passavam lentos e o calor do verão ia saindo de cena aos poucos, e as noites cada vez mais frias de um outono que se aproximava, faziam com que eu me lembrasse de algumas coisas sobre Dom que eu preferia esquecer.
Em uma dessas noites, mas precisamente, na véspera da volta às aulas das crianças, depois de falar com um James que estava tão assoberbado de trabalho que não poderia acompanhar os pequenos em seu primeiro dia, eu lembro de deitar em minha cama e não conseguir dormir novamente e então, eu fiz uma coisa que há muito tempo eu não fazia: liguei para a minha mãe.
- Alô? – a voz dela não parecia sonolenta.
- Mãe – eu digo rapidamente.
- Mel, querida – ela diz aliviada – aconteceu alguma coisa?
- Não – eu respondo – sinto muito te assustar...
- Não querida – minha mãe diz – não se desculpe... Tudo bem com você?
- Tudo bem sim – eu respondo, mesmo sabendo que é mentira – e por ai? Como estão as coisas?
- Bem – minha mãe responde – a sua tia e eu estamos indo bem no nosso negócio – elas tinham inaugurado um pequeno café na cidade onde haviam nascido.
- Que bom – eu respondo – eu fico muito feliz.
- E a casa? Como está tudo por aí? E as crianças? – ela pergunta.
- A casa está ficando ótima, não tinha muito o que fazer, mas a pintura ficou pronta e eu estou terminando a decoração – digo empolgada – e as crianças estão ótimas, amanhã começam na escola nova, acredita, a Sra. Mainsfield ainda é a diretora...
- Ela era ótima – diz a minha mãe – de um jeito ou de outro, acabou voltando para a sua antiga vida.
- Não – eu suspiro – tem coisas que deixei para trás que eu nunca vou conseguir recuperar.
- Porque eu acho que estamos falando de alguém, especificamente? – minha mãe, apesar de nosso distanciamento, sempre fora a pessoa que me conhecia melhor do que todo mundo, melhor até mesmo que Dom.
- Porque sabe que eu o perdi... – eu respondo.
- Não – minha mãe suspira – James nunca foi seu de verdade, querida – ela sabia todos os problemas que eu vinha tendo com o meu marido.
- Eu não estou falando do James – eu digo constrangida.
- DomDel? – minha mãe ri.
- O próprio – eu suspiro – sabe que eu o perdi, nem mesmo sei quando que foi, mas eu nunca vou conseguir me perdoar por isso.
- E poque está dizendo isso agora, querida? – minha mãe era uma pessoa que precisava de explicações.
- Ele me escreveu cartas – respondo chorando – por anos, mamãe, e as guardou... Ele escreveu outra, há uns dias atrás.
- Dom? – minha mãe parecia não acreditar – escrevendo cartas? O que foi que eu perdi?
- Não sei – eu respondo – mas ele escreveu... E eu as li, uma por uma, como eu o deixei para trás?
- Deixamos muitas coisas para trás, minha filha, as coisas no fim das contas, acontecem da maneira que têm que acontecer...
- Não é justo – eu resmungo.
- Claro que não é – ela concorda – mas os caminhos de vocês voltaram a se cruzar, deve haver um motivo.
- Não – eu suspiro – não é bem assim, eu voltei...
- E ele poderia ter ido embora... Poderia ter sei lá, se casado com a Jenny, descoberto que era gay...
- Gregor casou-se com Jenny – eu conto.
- Improvável – ela diz – mas aconteceu... Quem sabe você e Dom...
- Ainda estou casada – respondo.
- Sim – minha mãe concorda – por quanto tempo?
- Não sei – eu digo – as coisas estão estranhas.
Conversei com minha mãe por mais um tempo. Era como se as vezes, as coisas entre nós nunca houvessem mudado, mas uma parte de mim guardava mágoas da forma com que ela havia lidado com a morte do papai e da forma com que ela havia me deixado de lado depois disso, tão facilmente, imersa em meus dramas e sem ter com quem contar – mentira, porque eu tinha o Dom.
Parecia muito claro em minha mente, todas as coisas que minha mãe deveria e poderia ter feito por mim: ela tinha que ter me alertado sobre garotos como o Gregor, porque ela devia saber que esse tipo de coisa, de fingir gostar de alguém apenas para conseguir o que queria... Ela deveria ter dito para mim, que minha relação com o Dom, acabaria causando problemas para os meus relacionamentos, e principalmente, ela deveria ter ficado do meu lado quando nós duas perdemos o papai, ao invés de perder-se totalmente, fingindo estar bem.
Eu não a culpava pelo desfecho trágico que minha vida se encontrava, apenas por não ter facilitado as coisas para mim com algum apoio ou conselho: por muitos anos eu vivera pensando que havia feito alguma coisa de errado e que ela não me amava, apenas por que ela não conseguiu me dizer “eu sinto muito, mas não sei como lidar com isso” e esse era um erro que eu não queria cometer, eu não queria que meus filhos crescem sentindo-se culpados por coisas que eram de minha inteira responsabilidade e para isso, eu precisaria, em um momento ou outro, tomar uma importante decisão em minha vida.
Quando o dia amanheceu e os meu pequenos saíram de seus quartos, alegres e ansiosos pelo primeiro dia de escola, eu senti que uma coisa na minha vida eu tinha feito certo: eu tinha meus bebês, a melhor parte de mim, e por eles eu estava disposta a qualquer coisa, pela felicidade deles, eu faria qualquer situação, assim como no menor sinal de desconforto ou infelicidade deles, eu tomaria as rédeas e faria as mudanças necessárias, sem nem mesmo pensar nas consequências disso, e sim, eu sabia que Ben já tinha apresentado esses sinais.
- Preparados para o grande dia? – eu pergunto enquanto sirvo as tigelas de cereal de cada um deles.
- Sim – responde Elle – será que a escola nova é boa?
- Sim – começa Ben – você viu como ela é enorme...
- É ótima – digo encerrando a conversa, sei que se eles começam e se empolgam, o café da manhã leva horas para terminar e isso nos atrasaria totalmente – agora comam que ainda temos muito o que fazer antes de sair.
A rotina com três pequenos era muito agitada: lanches, almoços, mochilas... Conferir se todos escovaram os dentes, se todos estão com seus uniformes e por fim, carregar todo mundo e conferir que todas as mochilas estavam carregadas e todos os cintos de segurança colocados: éramos um time e precisávamos de um pouco de organização, então, pela manhã, eu era como um treinador – no ponto de vista de Ben, porque ele dizia que eu dava ordens sem parar, e aquilo me fazia rir alto enquanto dirigia com meu pequeno time em direção à minha antiga escola.