Enquanto você dormia

1639 Words
              Acordei com minha cabeça girando e a última coisa da qual eu me lembrava era de estar sentada no sofá, com as pernas esticadas sobre o colo de Dom, com uma taça de Gim e Apperol, lembrando de coisas que haviam acontecido tantos anos atrás, que pareciam ter sido em outra vida, mas ao contrário de outras tantas coisas, aquela era uma das que eu não estava disposta a deixar para trás. Olhei ao redor: ainda estava no sofá da sala, mas o Sol invadia o ambiente todo. Eu podia ver o pátio, uma camada fina e branca de neve refletindo à luz de sol: quando havia nevado? Olhei para mim mesma, eu vestia as roupas que eu havia saído na noite anterior, o que eu tinha feito? A taça ainda estava no chão, e a outra, sobre a mesa de centro, e um bilhete! Ah, havia um bilhete: “Bom dia, flor do dia...                 Espero que sua cabeça não esteja doendo como a minha doeu em nosso primeiro porre, mas em todo o caso, tem analgésicos na bancada da cozinha. Não surta, não fizemos nada, você apagou, eu cobri você e fui embora, só isso. Passo aí para te ver depois.”                 Eu ri, o “não surta” era bem o tipo do Dom, que mesmo ausente tentava, como sempre, deixar as coisas em ordem, nesse caso, especificamente, tentava deixar a minha mente em ordem – como se isso fosse realmente possível. Levantei com dificuldade, e recolhi as taças e garrafas vazias, levando tudo para a cozinha.                 Conforme estava escrito no bilhete, haviam analgésicos na bancada. Tomei um comprimido e liguei a cafeteira, precisava encontrar meu telefone... Na cozinha não, na sala... Na bolsa? Sim, na bolsa, eu havia simplesmente largado a bolsa sobre o aparador quando voltara do pub. Peguei, haviam apenas duas mensagens: 1: “Espero que esteja bem. Sinto muito pela noite passada... Tentei ligar, mas acho que deve estar descansando. Ligo para você essa noite, sem falta. Por favor, atenda. Amo você”                 Okay, essa a mensagem do meu marido, que depois de me bater e levar meus filhos de casa, achou que mandar mensagens dizendo sinto muito seria uma boa solução. 2: “Já acordou, Bela Adormecida? Pensei em almoçarmos juntos... Me responde, nos encontramos no lugar de sempre. P.S. Apaga a mensagem”                 Com essa eu ri, e ri bastante... Quando éramos mais novos, Dom sempre me chamava de Bela Adormecida, dormir era o meu passatempo favorito desde sempre, e quase todas as vezes em que ele chegava em minha casa, eu estava dormindo, descansando ou cochilando. Respondi: “Bom dia, sim, acordei. Vou tomar um banho... Que horas?”                 Terminei de recolher as coisas da sala, lavei os copos e coloquei roupas para lavar e outras para secar. Havia um pequeno acumulado de tarefas domésticas e embrulhos de presentes espalhados pelo chão da sala. Recolhi e tirei os lixos. - Bom dia, querida – Sarah Delaney gritou assim que sai pela porta dos fundos. - Bom dia, Sarah – eu respondo sorrindo.                 Confiro o meu celular: Dom apenas enviou “11:00” e eu olhei para o relógio, e eram quase dez. Corri para tomar um banho, parecia que estava transpirando álcool. Escolhi um jeans bem justo, coturnos e um casado de lã batida, era pesado e quentinho. Por baixo, apenas uma blusa de cashmere preto com gola rolê e corte mais alongado. Deixei os cabelos presos e sai quase sem nenhuma maquiagem. Dirigi apressada ao estacionamento do shopping e assim que parei, ouvi o ronco da motocicleta de Dom, e meu coração disparou, parecendo que saltaria do meu peito a qualquer momento. - Oi – ele disse sorrindo, erguendo a viseira de seu capacete e entregando-me o outro. - Olá – respondo enfiando o capacete e logo montando na motocicleta, ele puxa-me pelas pernas, deixando meu corpo colado ao dele e aquela parece uma das melhores sensações do mundo.                 Em silêncio como em todas as outras vezes, seguimos em direção à Cabana na Floresta, e assim que paramos em frente à ela, eu tive uma das mais lindas visões: a camada de neve fina, da cidade, parecia maior lá e aquela cabana, com pontos cobertos de neve e luzes de Natal acesas, parecia a coisa mais linda que eu já havia visto na minha vida. - Isso ficou incrível – eu disse assim que desci da moto, tirando o capacete e entregando de volta à ele. - Sim – ele riu – eu sei que ficou... – ele me puxa pela mão – vem, ou vamos congelar.                 Entramos e eu pude perceber que ele estava preparando o almoço, logo estávamos na cozinha e decidimos que mesmo com todo o álcool da noite anterior, poderíamos beber ao menos uma taça de vinho. Almoçamos e passamos metade da tarde sentados no sofá da sala, encarando o sol cada vez mais fraco. - Obrigada – eu digo de repente. - Pelo que? - ele pergunta. - Por ter cuidado de mim ontem à noite – eu respondo. - Não cuidei de você – ele ri. - Okay, obrigada pro não me deixar fazer besteiras – eu digo rindo. - Era o que eu mais queria – ele suspira – mas infelizmente, eu não sou essa pessoa – ele suspira – eu não seria capaz de fazer qualquer coisa que pudesse em algum momento te prejudicar. - Obrigada por isso também – digo num suspiro. - Vai ter um momento, Mel, onde você vai ter que decidir – ele sorri e pega minha mão – eu espero, do fundo do meu coração, que consiga tomar a decisão certa. - Eu também espero – suspiro: sei exatamente do que Dom está falando, sei que em algum momento eu vou precisar decidir sobre minha vida, vou precisar pensar em meu futuro, vou precisar pedir separação de James para o meu bem, para o bem dos meus filhos.                 Acabamos por mudar o rumo da conversa, antes que falássemos algo do qual pudéssemos nos arrepender: era uma coisa que fazíamos sem nem mesmo perceber, mudávamos de assunto para não deixar o constrangimento ou mesmo algum arrependimento nos forçar a tomar alguma decisão errada – o que era engraçado, por que nós dois parecíamos querer tomar as piores decisões possíveis e isso era tão claro quanto á luz do dia.                 Quando começou a nevar novamente, Dom me levou de volta mas, ao invés de ir para casa, resolvi caminhar pelo Shopping, precisava me distrair, encontrar alguma coisa para fazer... Peguei alguns livros e aproveitei a promoção de meias para os pequenos em uma loja de departamentos - era um mistério o que acontecia com as meias das crianças naquela casa.                 O telefone tocou e meu corpo todo arrepiou-se: eu sabia exatamente quem era. - Oi – atendo James assim que pego o telefone. - Oi querida – ele diz parecendo estar calmo – tudo bem? - Tudo – respondo – e com você? - Estou bem – ele responde – liguei em casa e você não atendeu... - Eu estou no Shopping – respondo – vim trocar a camisa do Ben e agora aproveitei para dar uma olhada, pegar algumas coisas que eles sempre precisam. - Claro – ele responde – tudo bem. Quer que eu te ligue mais tarde? - Não – respondo – podemos conversar agora. - Certo – ele diz – já escolheu sua roupa para a festa de Ano Novo? - James, eu não sei se devemos sair e fingir que as coisas estão bem... – eu digo. - Eu acho que sim – ele responde – já disse que eu sinto muito, precisa entender que eu perdi o controle e que não vai mais acontecer. - James, eu não sei se... – tento argumentar, mas ele me interrompe. - Por favor, Mel – ele diz em tom de súplica – pelos nossos filhos, precisamos acertar as coisas. - E acha que festa de ano novo é a melhor opção? – pergunto – James, você nem mesmo me consultou sobre levar os nossos filhos de casa! - Sim – ele suspira – e lamento, mas eu tive essa ideia enquanto você dormia e pensei que te dar uma folga dos pequenos podia te ajudar a colocar a cabeça em ordem. - Não preciso colocar a cabeça em ordem, James – respondo – preciso apenas ser respeitada como sua esposa, por você, não tente culpar as crianças por erros que não são deles. - Está dificultando as coisas, Mel, não entende que em algum momento você vai ter que ceder? – ele pergunta. - E vou fazer isso como, James? Aceitando que você sai com outras mulheres e que eu, assim como os seus filhos, sou uma parte totalmente separada da sua vida? – eu questiono. - Você está sendo injusta, sabe que não é assim – ele diz – mas acho que não podemos falar sobre isso por telefone – ele completa. - Nisso concordamos – respondo. - Você vem para a cidade amanhã no fim da tarde, ai podemos conversar com calma sobre isso, sobre tudo... – ele suspira. - Está certo – eu concordo. - Eu espero por você amanhã – ele diz – eu preciso que me perdoe, Mel, amo você... E você e nossos pequenos são a coisa mais preciosa da minha vida. - Certo, James, amanhã estarei aí – respondo em tom seco.                 Assim que desligo o telefone, decido voltar para casa: perdi totalmente a vontade de continuar a andar pelo shopping, a melhor opção era voltar para casa e tentar organizar meus pensamentos e preparar um roteiro para a conversa do outro dia, pois James era a pessoa que costumava ir com um roteiro pronto, e assim, acabava por vencer em toda a e qualquer discussão que tivéssemos.  
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