Pisando em ovos

1407 Words
                Quase não consegui dormir: a iminência de uma conversa com James, com o intuito de resolver as coisas me parecia uma mistura intensa de alívio e pânico e eu não fazia a menor ideia do que esperar, eu não fazia a menor ideia do que exatamente ele estava pretendendo com aquilo, então, uma parte de mim, pensava que talvez tudo pudesse ser resolvido, ao mesmo tempo que outra parte, morria de medo das reações que ele poderia ter com aquela conversa ou mesmo com minha reação à conversa. Sentia-me literalmente, pisando em ovos.                 Preparei uma pequena mala para ir para a cidade: sabia que ficaria com James no flat, então preparei minha necessárie, roupas de dormir e um vestido, caso decidíssemos sair para jantar – o que eu duvidava muito, tendo em vista a intenção que eu tinha com aquela viagem e a nossa conversa.                 Dirigi lentamente, como quem tentava ainda que em vão, procrastinar aquele momento... Cheguei em frente ao prédio, encarei as janelas iluminadas no início da noite, o movimento pulsante de Chicago: eu conhecia tão bem aquele lugar que me sentia estranha por ficar tanto tempo afastada. Aquele edifício onde James alugava o flat, era parecido com o local onde eu havia comprado o meu primeiro imóvel, e ficava há apenas dois quarteirões do lugar onde eu alugara durante meus tempos de estudante universitária naquela cidade.                 Lembras daquilo, de alguma forma, me fez lembrar de todas as escolhas e consequentemente, de todas as coisas que eu havia deixado para trás: a casa, os subúrbios e DomDel, em busca dos meus sonhos e depois, minha mãe, e depois, minha carreira e agora, bem, eu estava disposta a deixar meu marido e voltar para buscar uma coisa que havia deixado lá atrás. - Obrigada por ter vindo – James diz assim que abre a porta, abraçando-me em seguida – fez boa viagem? - Sim – respondo – fiz sim, havia pouco movimento e quase nenhuma neve, então, consegui vir tranquilamente. - Lamento te fazer dirigir – ele suspira – sei que não gosta de dirigir na neve. - Sim – suspiro – mas a missão foi cumprida. - Realmente – ele sorri, parece outra pessoa sorrindo – você tem esse dom – ele pega minha mão – sempre consegue dar o seu jeito e resolver as coisas. - Sim – respondo, penso em dizer que estou cansada e me sinto sobrecarregada, mas ele não parece disposto a me deixar falar. - Lamento muito pelo que houve na outra noite – ele diz – sabe, eu não tinha intenção, Mel, apenas perdi o controle. - Sim – eu o encaro – e se perder o controle novamente? - Do que você está falando? – ele me encara confuso. - James, eu estou falando exatamente disso: você perde o controle novamente e acontece de novo... – eu o encaro – sabe que eu não vou aceitar isso, sabe que seu pedido de desculpas, não resolve as coisas, James. - Você se casou comigo – ele tenta me convencer – uma parte de você confia em mim. - Aparentemente uma parte meio boba, não? – eu não consigo disfarçar a ironia – James, você me trai, me desrespeita e agora me agride – eu tentava ao máximo ser racional. - Não vai se repetir – ele tem os olhos marejados – eu acho que eu não sei lidar com o fato de que você se vira tão bem sem mim – ele confessa – quis deixar você em Napperville sozinha com as crianças, para que você percebesse que não conseguia ficar longe, que era difícil sem mim, e ai, Mel, você tirou de letra! O que te impede, hoje, de me deixar? Você é incrível e sempre foi – ele suspira – e eu havia ficado sabendo sobre a sua entrevista de emprego, e fiquei com raiva, pensei que estava me escondendo as coisas... - Eu nunca sei como você vai reagir – interrompo – e agora tenho mais medo ainda, e se perder o controle... - Não vai se repetir – ele ajoelha-se em minha frente – precisa acreditar em mim, Mel, eu não casei com você para te fazer sofrer, para te fazer passar por isso.                 Uma parte de mim, acredito que metade de mim, queria gritar que não me importava. Uma parte de mim, queria simplesmente mandar ele me deixar em paz, queria pedir o divórcio e se possível, nunca mais ver ele, correr para Napperville e viver lá apenas com os meus filhos. Porém, a outra parte de mim, ela gritava, ela me lembrava que ele ainda era o meu marido, o homem que eu supostamente amava e tinha escolhido para passar o resto da vida ao meu lado, o pai dos meus filhos, o homem que estava provendo o sustento de nossa família e então, eu cedi. - Tudo bem – foi tudo o que eu lhe disse antes de abraça-lo – vai ficar tudo bem, James – eu disse tentando, de verdade, acreditar em minhas palavras, tal como eu esperava que ele mesmo acreditasse. - Você me perdoa? – ele me encara chorando. - Sim – respondo – eu te perdoo. - Vamos ficar bem, não vamos? – ele pergunta, parece um menino assustado. - Sim, nós vamos ficar bem...                 Saímos para jantar, saímos para passear... De repente, éramos como dois recém casados, em lua de mel, sorrindo e aproveitando o nosso tempo junto e longe das crianças – eu quase acreditei que eu era uma pessoa diferente com as crianças, sempre “estressada e preocupada”, conforme o meu marido.                 Voltei para Napperville na manhã seguinte... Iria para a cidade novamente apenas na véspera de Ano Novo, mas James iria para casa durante a semana em alguns dias e eu sabia. Cheguei resolvendo tarefas básicas, aproveitei para fazer algumas compras no supermercado e perto das onze horas, recebi uma ligação: Dominic. - Oi Mel – ele diz empolgado – tudo bem aí? - Oi Dom – respondo – tudo bem sim, e com você? - Tudo certo – ele suspira – passei por aí ontem à noite... - Sério? – pergunto – Eu acabei indo... - Para a cidade, com o seu marido, eu imagino – ele riu sem jeito – tudo bem... Se acertaram? - Ah, bem – eu enrolo – eu não sei - não queria dizer para Dom que eu o havia perdoado, por que ele nem mesmo entenderia, não sabia tudo o que tinha acontecido – talvez. - Certo – ele suspira – eu vou fazer uma viagem – ele diz – na verdade, eu vou ficar uns quatro dias fora, depois do ano novo – ele ri – tenho uma viagem com as crianças da escola. - Ah – eu não entendo direito a informação – tudo bem, espero que se divirta. - Provavelmente – ele riu – mas precisava de um favor. - Claro – respondo – pode pedir. - Você poderia vir até a cabana e alimentar a Kitty? – ele referia-se à uma gata preta, enorme, com olhos azuis brilhantes que normalmente escondia-se assim que eu chegava – não precisa muita coisa, é só colocar mais ração no pote e trocar a água... - Mas é claro – eu respondo – com toda a certeza, eu posso sim. - Obrigada – ele responde – mamãe até ficaria com ela, mas o meu pai, ele não tolera, você sabe... E ela não dirige, então não tem como vir até aqui. - Sem problemas, Dom, eu dou um jeito na pequena Kitty na sua ausência – digo com propriedade. - Obrigada Mel, você é incrível – ele diz.                 Desliguei o telefone e continuei distraída caminhando pelos corredores do supermercado. Voltei para casa, lavei roupas, organizei o restante da casa e comecei a ler um livro novo, presente de Sarah Delaney, ela sempre me presenteava com bons livros.                 O resto daquela semana pareceu o mais normal possível: eu não tinha crianças em casa, então tinha tempo de sobra para ler, fazer as unhas, hidratar o cabelo, falar ao telefone por horas com minha mãe, com minha sogra e com Jenny. James passou duas noites em casa, pedimos comida, assistimos filmes e transamos como há tempos não transávamos, como se toda a nossa “sintonia do início da relação” tivesse voltado ao normal, agora estávamos bem, ficaríamos bem e felizes para sempre, como mandava o figurino.    
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