Felipe
A Júlia tem cara de boa menina, mas ela já provou que sabe como resolver os problemas, bem do jeito que eu gosto.
Eu jurei não mexer mais nessas coisas, pela minha filha e pela Gaby, mas não podia derrubar o cara e deixar o ponto de trono vazio. O certinho do Ricky não quis saber disso. Ele ficou um tempo com raiva de mim por ter feito o que fiz, mas ele não tem uma filha… sua namorada já foi sequestrada e mesmo assim ele teve dificuldade pra entender como eu me senti e porque fiz aquilo. Mas tudo bem. Agora estamos tranquilos.
Tô tentando tirar esses moleques dessa vida. Eu posso parecer um maluco, mas desde que fui para fora, mudei as minhas perspectivas e tomei outro rumo. Se eu, que era o mais perdido, consegui tomar prumo, porque esses moleques novos também não conseguem?
Tem muito moleque talentoso na minha nova quebrada. Eles só não têm fé que um dia podem chegar aonde sonham.
Espero que a Júlia consiga manter a minha ideia. Ela quer grata para tirar os pais da cadeias e se ela fizer tudo direitinho, eu vou dar o que ela quer.
Entramos no meu carro e eu diriji para a minha área.
— Se liga. Eu tô com umas ideia assim, de mostrar outras opções pros moleque…
— Como? — ela me encarou desorientada.
— Os cara de lá não são como os da quebrada do Ruivo. Tá ligado? E tem umas parada que dá mais grana que ficar mexendo com droga.
— Armas?
Ela pensa pesado.
— Não.
— Então o que?
— Eu não quero que tu se suje com esses bagulho. Tá ligado? Preparei outro trampo pra você.
— Dá muito dinheiro? — ficou preocupada.
Ela realmente sabe o que quer.
— Se souber fazer direito, claro.
— Eu só quero tirar os meus pais da cadeia. Não me importa como. — ela continuou decidida.
Esse é o primeiro passo para conseguir as coisas. Mas eu tenho medo de quando ela diz que "não importa como".
— Tu só precisa fazer tudo o que eu falar. Nada de contramão. O teu pai não vai ficar fizer se tu for presa também.
— Eu não sou tão burra, muito menos ingênua. — ela mexia no celular, toda cheia de si.
— Não precisa posar de durona pra cima de mim. — pedi, concentrado na direção. Ela riu e eu também. — Você acha que eu sou durão o tempo inteiro?
— Não sei. Me diz você. — ela cruzou os braços.
— Deixa você me ver um dia com a sua filha.
Ela me desmonta todinho. A minha filha trouxe o sentimento mais puro e forte para dentro de mim.
— Ei, falando em família… Você não tem nenhuma fiel que vai querer me matar nesse morro aí não né? — ela levantou o braço e me mostrou uma cicatriz. — Já tô cansada de m*l entendidos.
Tadinha. Eu queria não rir, mas foi mais forte que eu.
— Pode ficar tranquila. Eu quem sou o fiel da minha mina.
— Ótimo. — ela se tranquilizou.
— Agora tu, toma cuidado e me avisa se algum maluco tentar alguma coisa com você.
— Eu sei me defender.
— Não se garanta tanto. — estacionei o carro na rua.
— Você não tem fé em mim. — ela tirou o cinto, assim como eu.
— Se eu não tivesse, não teria te trazido pra cá. — sai do carro.
Assim que ela saiu, já apareceu um monte de Maria Fifi de olho na gente.
Ignorei e olhei para ela. — Bora?
— Bora. — colocou óculos de sol. Dei aquele suspiro e segui caminho. Não tem jeito, ela é patricinha.
Na primeira rua, já encontrei meus parceiros e fui cumprimenta-los.
— Eai, moleque?
— Qual foi, tio? Que é a mina? — um deles perguntou, encarando a Júlia, que estava ao meu lado, de braços cruzados.
Antes que eu respondesse, cumprimentei outro cara que já veio com o papo. — É a tua dama?
— Não. Quê isso? Essa aqui é nova patroa. — segurei no braço da Júlia.
— Patroa? — eles ficaram sorrindo, como se eu estivesse brincando. Eu entendo que eles achem que ela é muito patricinha para fazer isso, mas eu não faço nada às cegas.
— Qual foi? — ela perguntou, abaixando o óculos para ele. — Me acha incapaz?
— Não. Que isso. — Paulinho deu um passo para trás, com as mãos na defensiva. — É que, na moral... — cruzou os braços de novo. — Tu é mó gata, hein!
Ela arrumou o óculos no rosto, de um jeito bem esnobe. — Conta uma novidade.
Por isso que eu gosto dessa garota.
— Aí. — me pronunciei, mesmo achando a situação engraçada. — Nada de ousadia com essa mina aqui. Falô? Se não o bicho vai pegar.
— Falô, Patrão! — eles ficaram rindo.
Idiotas.
— Bora. — coloquei a Júlia para fazer a frente no beco. — Aqui agora tá tudo de boa. Mas os moleque contaram que na mão do Ruivo, era boca quente. Muito viciado e muito gambé de olho.
— Humm. Que bom. — guardou as mãos nos bolsos do casaco. Esse casaco grande com essa minissaia... Por isso que os retardados ficaram babando.
— Aí... deixa eu te passar a visão. Os cara aqui tira uma onda com mina bonita. Vê se bate o pé e bota moral, se ligô?
— Você acha que eu sou tão ingênua a ponto de não me impor?
— Eu sei que tô é braba e tal... mas, esses cara se a minha riu, já acha que tá com maldade.
Ela parou e virou pra mim. — Do jeito que eu ajo, você ousaria tentar alguma coisa comigo?
— Eu tenho mulher. Não ando olhano as mina dos outro.
— Hipoteticamente, Felipe! — tirou o óculos e cruzou os braços.
Analisando assim, de cima a baixo. — Claro... — cheguei o olhar para o seu rosto e percebi a cara de braba que ela tava fazendo. — Não me compare com esses pé de chulé. Acho que eles vão ficar com medo de você. Com essa careta aí. — apertei seu nariz e segui caminho.
Eu não tenho medo de mulher.
— Eu ainda não sei porque eles te respeitam. Você é um babaca. — ela me acompanhou.
Parei de andar de imediato, depois de ouvir essa conversa. — Tu me respeita, que eu tô quebrando o galho porque fui com a cara do teu pai e com a tua. — balancei o indicador pra ela. Ela riu. Nem tem mais medo de mim. — Não ama tua vida não?
Ela deu de ombros e seguiu o caminho.
Só pude discordar com a cabeça, porque falar com ela não adianta.
— Tu tem que ser como eu. Tá ligada? — andei do teu lado.
— Como?
— Antes, quando eu tomava conta de outra quebrada, pra ter respeito eu tocava o terror. Mas depois de viver fora do meu beco, eu aprendi que aquela galera não me respeitava. Eles tinham medo de mim. Respeito se conquista. Tendeu?
— Isso eu já sei.
— Então seja gentil com o pessoal. Dê bom dia, pergunte como é que o pessoal tá... A galera aqui gosta de mim. Tirano um grupinho que apoiava o empeneirado. Mas esses daí tem medo, então eles me respeita pelo medo.
Ela ficou rindo de mim.
— Que foi?
— Parece que você é coach de quebrada.
Acertei um tebefe de leve na nuca dela. — Você inventa muito.
Ela continuou rindo.
— Lipe... — uma voz feminina soou distante. Olhei ao nosso redor, até enxergar de quem poderia ser. Um trio de garotas, numa esquina.
Essas mina me rodeia desde que eu pintei nesse canto.
— Eai?
— Por onde andava? — ela veio até nós. — A gente sentiu a sua falta.
— E ainda diz que tem mulher e não olha pra as outras... — Júlia falou baixinho e voltou a caminhar.
Vixi...
— Tava resolvendo umas parada longe daqui. Qual foi?
— Quando que o seu canto vai abrir?
— Logo. Só tô resolvendo uns últimos detalhes. Vocês vão aparecer por lá?
Elas têm jeito de maria-fuzil. Só não vem pro meu fuzil. A Gabi é revoltada. Ela pode não bater em ninguém, mas é capaz de me dar um toco de 10 anos e pra ganhar o perdão dela... é uma penitência e tanto.
Eu não ouso arriscar.
— Claro. O dono vai tá por lá?
— É de lei. — fiz reverência como um soldado e voltei a andar. — Leva as mina mina tudo, falô?
— Claro. — a mais ousada pisco o olho.
É... todo canto tem as suas...
Acompanhei a Júlia e ela abaixou o óculos e me olhou com um certo nojo. — Vou ter uma conversa com a Gabi.
— Ei, nem vem com ameacinha. Tenho nada com essas mina não. Tu não tá doida de espalhar caô!
Como sempre, ela ficou rindo da minha cara.
Eu tenho medo do que essa garota seja capaz de fazer.
— Quando chegaremos nesse lugar, hein? — começou a reclamação. — Nossa, que longe!
— Da próxima vem de moto, ué.
— Vai ser todo dia assim? — me olhou preguiçosa.
— Ser chefe não tem que ter só o pulso firme não. Entra na academia, que cê tá muito magricela. Não aguenta caminhar 100 metros. — olhei para trás de nós, fazendo uma base do que já andamos desde o carro.
— Tu ainda tá de botinha. Imagine se tivesse de salto, como as dondocas gostam de andar...
— Eu não sou dondoca e isso se chama conturno. Da próxima eu venho de moto.
— Ótimo. Por hora, não reclama. Vamo chegar na Beta. — adiantei os passos.
— Beta é o que?
— A irmã do Ricky.
— E quem é Ricky?
— O antigo dono dessa p***a. — procurei a Beta ao nosso redor. Eu lembro de ter combinado com ela perto da padaria. Aposto que ela se enfiou no videogame e esqueceu. É tão difícil ser o Ricky...
— Cadê ela, hein? — parou no meio da rua, toda apressada.
— Se você fizer mais uma pergunta ou reclamação, eu vou amarrar sua boca e te jogar no meu ombro, pra agilizar essa caminhada. — ameacei.
— Se quiser me carregar no ombro, eu fico caladinha. — abriu um sorriso animado.
— Nem vem. — saí na frente e ela veio quase correndo pra me acompanhar.
— Lipe! — Beta gritou, balançando o braço, na calçada de uma rua.
— Finalmente, margarida! — mudei o caminho e fui ao encontro dela. A Beta é tipo minha secretária. Ela tem um telescópio que dá pra ver a minha área todinha e eu p**o uma grana pra ela me contar tudo o que tá rolando na quebrada.
Ela também tá me ajudando a arrumar o meu canto.
— Eai? — a cumprimentei com um abraço. Eu sempre ignoro a cara de tarada que ela faz quando me vê. O Ricky disse que ela me achou muito bonito e que agora tem um crush por mim.
A Gabi odiou saber disso. Mas eu não tenho interesse nenhum na irmã do Ricky e também, eu sei que ela faz isso tudo na zueira.
— Você é a patroa? — ela foi cumprimentar a Júlia, toda animada.
— Eu esqueci de te falar. — me lembrei. — O pessoal aqui vai te chamar de patroa. Pra o seu nome não ficar rolando por aí.
— Ah, sim. — ela assentiu e cumprimentou a Beta.
— Você vai amar o canto.
— Eu tô é morrendo de curiosidade pra saber o que é isso, porque esse babaca não diz.
— Eu vou cortar a sua língua, aí você não vai poder trocar mais saliva com aquele nerd. — ameacei e ela me olhou feio.
Tão pouco tempo para a gente estar com essas intimidades... Mas a peste, quando quer, sabe ser enjoada.
— Então é surpresa. — Beta saiu agarrada no braço dela, na direção do canto e eu fui atrás.
O canto nada mais é que um espaço grande pra c*****o, que antes era onde o Ricky fazia as festinhas bagunçadas dele e agora eu dei uma reformada, digna de playboy milionário que é chegado a umas paradas.
— Legal. — Júlia ficou impressionada, quando entramos no local.
Colocamos mais camarotes e pontos de bebida espalhados por todo o lugar.
— O plano é tu gerenciar esse lugar. Os moleque vende os bagulho e nós ganha encima, aí tem uns joguinho de azar ali, que nós vamo lucrar com as perdas e tem a grana dos pleyba que vem pro camarote e tu vai pegar também.
Ela só fica por fora. Sem sujar as mãos. Nenhuma polícia vai entrar aqui.
— 3 negócios em 1? — ela analisou. — Gostei. — balançou a cabeça em aprovação. — Agora só tem um problema...