12 - Desenterrando
— Srta. Hermione Granger, pode entrar. - a moça de cabelos num tom de loiro bem claro, preso em um coque sofisticado orientou Hermione -
A castanha piscou, copiosamente. Estava ansiosa. Um pouco de nervosismo também circulava sua corrente sanguínea e podia-se confessar também que um certo tremor embalava o corpo da mulher. Esperou tanto por isso!
Por mais que o Ministério estivesse em turbulência, ela precisou pedir algumas horas à Kingsley para que pudesse ver a mulher e enfim enfrentasse o que quer que aquilo poderia ser. Entendeu; de nada adiantava retardar.
Foram quase oito dias inteiros idealizando aquele encontro com a Dra. Mendes e especulando respostas para tudo o que estava sentindo, que quando aconteceu ela sentiu-se um tanto perdida. Não sabendo ao certo que rumo tomar ou que direção seguir. Como uma bússola quebrada e sem utilidade. Largada em suas curiosidades, solta na possibilidade de ter uma resposta. Alguma coisa, além do nada que lhe deixava angustiada.
Não era nada fácil encarar seus próprios demônios, por assim dizer. Tinha medo do que a aguardava, porque tinha cada vez mais certeza de que não era coincidência, ou apenas acaso, e estava mais do que disposta a enfrentar todo aquele mar de monstros perdidos que a afogava quando ela pensava que tudo estava bem. Enquanto sua mente mantinha-se ocupada levantando e montando tudo o que ela deveria falar, suas pernas se moveram para dentro da sala que ela tinha visitado por várias outras vezes, alguns anos antes quando precisou se reerguer dos horrores de uma guerra sangrenta, que levou vidas de pessoas que ele jurava que iriam viver até quase a eternidade - como Fred e Remus.
Saudades dos velhos amigos. Dos tempos perdidos, que não voltam mais.
Deixou sua mente reconhecer aquela sala. As poltronas em tons pastéis, a cor da tinta calma da parede contrastando com os móveis lustrosos de carvalho. As imensas janelas de vidro que davam visão à cidade sempre em sua movimentação. E, girando um pouco mais o corpo ela a viu.
E lá estava ela, os cabelos castanhos claros, um pouco mais esbranquiçados do que Hermione se lembrava, com seus olhos amarelados transbordando toda a segurança que um paciente iria querer e aquele quase sorriso que exalava a pessoa confiável que ela era. Dra. Mendes.
Instantaneamente, Hermione sentiu vontade de conversar.
— Hermione, querida! - Aynan saudou a Granger com um sorriso afetuoso e caminhou até ela, pegando sua mão -
— Dra. Mendes - Hermione retribuiu o afeto e colocou sua mão em cima da dela - Confesso não estava em meus planos voltar aqui, mas agora sinto que fiz o certo.
— Gosto de como você é sincera, Hermione. - disse a mulher sorrindo e seus olhos já buscando por sinais - Aproveitando a deixa, confesso que fiquei surpresa com sua ligação.
— Não pense que seu trabalho não é maravilhoso, é exatamente por isso que estou aqui, novamente.. - ela encolheu os ombros e suspirou - Preciso de ajuda..
Mendes sorriu docemente e então indicou a Hermione uma das poltronas a se sentar. Ela escolheu a da direita, que era em um tom areia e que podia reclinar.
— Me conte como foi esse tempo desde a última terapia… - pediu a psicóloga quando se sentou próximo à Herms. -
— Ow, muita coisa aconteceu, por onde devo ir? - perguntou Hermione. Ela estava realmente empolgada, ainda que soubesse que teria pelo menos três ou quatro sessões até a Dra. chegar ao atual. -
— Por onde quiser… - encorajou -
(...)
Ela estava deitada agora, suas pernas apoiadas na parte da poltrona que se levantava e suas mãos gesticulando muito. Não olhava nos olhos da psicóloga, olhava para cima, para o teto de gesso trabalhado com seus relevos e curvas. Estava contando sobre um relacionamento m*l sucedido pelo qual insistiu durante cinco meses.
— Bem, quer dizer, ele era um homem maravilhoso! - defendeu ela -
— Mas ele queria te pôr uma rédea e você não conseguiu lidar com isso… - pontuou ela, enquanto anotava algo no arquivo de Hermione. -
— Exatamente! - ela concordou olhando para Aynan - Todas as mulheres do Ministério vieram perguntar qual era o meu problema… - ela balançou a cabeça em negação - Eu é que deveria perguntar isso a elas! Quem aceita ser submissa neste século?
— Você é uma mulher independente, querida. - a dra comentou olhando para ela por cima do arquivo que tinha em mãos.
De fato, depois de tudo o que viveu, viu, e aprendeu, precisou ser.
Concordou com a cabeça.
Havia desviado consideravelmente do que pretendia quando marcou aquela consulta, mas não podia se culpar, Mendes sabia fazê-la contar até mesmo por qual motivo ela tinha colocado o nome de uma pedra preciosa em sua gata, mesmo que ela não fizesse ideia do porque.. Pensar em pérola a fez lembrar da pérola, aquela que tinha ganhado de Malfoy no sonho. Então, sentando-se e mirando atentamente para mulher sentada a sua frente ela suspirou.
— Algo r**m sobre esse relacionamento? - perguntou a mulher olhando para ela avaliativa -
— Não. - ela respondeu baixinho e olhou para os próprios sapatos -
— Então… - instigou -
— O que você acha que sonhos tem a ver com desejos do inconsciente?
Mendes riu abertamente e apoiou os papéis em sua perna para dedicar a Hermione sua atenção. Nesse instante Hermione se sentiu patética.
Aynan coçou a garganta.
— Muito. - a simplicidade com que aquela palavra fora proferida deixou Hermione incrédula -
— Sério? - seus olhos com certeza estavam arregalados, pensou Hermione. -
— Oh, sim! Posso saber o motivo pelo qual pergunta?
— Bem, tenho tido alguns sonhos que estão me deixando louca! - confessou - Parecem tão reais, tão verdadeiros… Você tem alguma explicação lógica para isso, não tem? - a ansiedade existente no tom de voz de Hermione era quase palpável. -
— Podem não ser sonhos… - observou Aynan
A Granger sentiu tudo ao seu redor se mover muito devagar, enquanto isso, Mendes dava sua explicação “lógica”.
— Existem pessoas que passam por experiências tão traumáticas, que bloqueiam memórias e lembranças. Por vezes obtém êxito completo, esquecendo-as completamente, em outras, ficam tendo flashes dessas recordações. - a mulher tirou os óculos que usava - É um processo complicado para desfazer. Porque foi você mesmo quem escondeu aquilo… É quase irreversível, e o resultado é a longo prazo.
— Você acha que é o meu caso? - perguntou Hermione temerosa quando percebeu, alguns minutos depois, que a Dra. parara de falar -
— É cedo para um diagnóstico, ainda mais porque não me contou o contexto destes ditos sonhos… Até então, são apenas sonhos. - piscou cúmplice para a morena no intuito de reconfortá-la -
E se não forem?, pensou Hermione.
Seu coração, diante daquela possibilidade, pareceu estar sendo espremido, e tudo o que ela sentiu foi vontade de chorar. E ela odiava chorar sem motivos.
Ainda em seu universo paralelo, Hermione manteve-se quieta e pensativa naqueles minutos que sucederam as palavras da sua psicóloga. E, como o tempo é sempre precioso, aquela sessão infelizmente teve seu fim.
— Bem, Hermione, espero pela sua próxima sessão, talvez encontremos alguma resposta, hein?! - ela disse num tom entusiasmado que fez Hermione querer sorrir -
(...)
Ela atravessou as portas duplas do Ministério com um imensa vontade de dar meia volta e ir para casa, dormir, ler um livro de romance - ou quem sabe suspense -, e brincar com sua gata. Qualquer outra coisa, menos estar ali, naquele fogo cruzado, quando sua cabeça estava mais devastada que seus planos de pegar aquela quadrilha logo. Teve de se repreender pelo pensamento tão “otimista” e pela comparação macabra que usara. Apenas tinha de se concentrar e tudo voltaria ao normal.
Adentrou o elevador, sem muita vontade, desejando que o dia já tivesse em seu fim, mas lembrou-se que teria que ficar até um pouco mais tarde, para cobrir as horas que esteve fora. Revirou os olhos, desgostosa. Rapidamente, chegou ao seu nível.
Ela arrastou seu corpo para sua sala. E, quando adentrou a mesma havia uma pequena pilha em cima de sua mesa.
— Hora de trabalhar, Granger. - encorajou a si mesma e rodeou a mesa até estar sentada em sua cadeira confortável, mas que parecia fazer suas costas doerem.
… … …
Draco estava parado perto da sala da copa, escorado à parede, quando ela se aproximou, calmamente. Ele tinha em mãos uma enorme caneca de café e bebia tranquilamente…
Instintivamente, ela quis dar meia volta. Ainda não tinha falado com ele, tentado explicar as coisas, ou, tentando pedir a ele para lhe fazer entender as coisas, mas, com o nariz empinado e a postura de uma mulher que tinha coisas realmente importantes para se preocupar, apenas passou por ele e pegou sua xícara. Procurou por seu chá, um de hortelã, de gosto doce e ar refrescante, e, quem sabe assim, conseguir terminar aquele dia. Ainda tinha algumas horas até estar liberada, precisava beber alguma coisa. E, observou que provavelmente Draco também estava fazendo hora extra, já que estava perto do fim do expediente, e ele gostava de organizar seus casos para o próximo dia antes de ir.
Começou a preparar o chá, de costas para ele, o ignorando.
Sentia o olhar dele em si. Era como uma pequena descarga elétrica fazendo o sangue dela correr demasiado. Agitando seu corpo e deixando seu coração uma completa bagunça. Teve vontade de virar para ele, de encarar aqueles cinzas dele, e perguntar um bem grande e sonoro “porque”. Porquê voltara, porque a olhava daquela forma que remetia a ela algo quase como preocupação, e porquê agia como um completo e******o sempre que podia!
Um pouco alterada por conta da irritação e do estresse, ela acabou por derrubar a sua xícara, já que sua mão tremulara enquanto sua cabeça trabalhava nos insultos, fazendo-a quebrar-se em diversos pedaços e seu chá lhe molhar os sapatos, quase queimando seus dedos do pé. Bateu na bancada com raiva, respirando profundamente.
— Que merda! - chiou, passando a mão pelos cabelos e fechando os olhos forte. - Droga. - murmurou e massageou as têmporas que repentinamente, começaram a saltar. -
— Parece que alguém está tendo um dia r**m… - ela ouviu a voz dele reverberar e virou apenas o suficiente para que pudesse vê-lo. Estava do mesmo jeito que quando ela entrou, escorado a parede, a caneca na mão, e os olhos vidrados para a frente. Frio. Duro.
Sequer a olhava nos olhos e ainda tinha a audácia de falar com ela.
Dane-se ele, pensou.
Virou-se em rompante para a direção de Draco, conectou seus olhos nele, olhando profundamente, praticamente gritando por ele conseguir fazê-la perder a cabeça, por, mesmo quando estava calado, invadir seus pensamentos fazendo-a ter acessos a histeria. Havia algo insano por trás daquele gesto dela. Alguma coisa que incitava a capacidade dela de pensar coerentemente, de deixar as bobagens para lá. Queria se controlar, se recompor, voltar a ser aquela mulher que adentrou aquela copa, impassível. Mas ele era tão irritante!
O loiro pareceu perceber a intensidade do olhar dela, e a encarou, com aqueles seus olhos frios brilhando como auroras boreais num céu escuro de algum lugar esquecido.
Por um instante, ela sentiu o semblante dele vacilar, sentiu o corpo dele endurecer, e ela jurou ver a sombra de algo além daquele gelo que ele mostrava, no entanto, assim como ela, ele sustentou o olhar. Ergueu aquela película de vidro sobre as respostas esvaídas de seus olhos, fazendo que aquilo parecesse à ela um mergulho num lago frio. Como ele sempre se mostrou ser. Então, atalhando e invadindo sua mente de repente, ela se lembrou das palavras de Ron sobre o passado dele, e imaginou ele, em algum lugar do castelo, escondido, suspeitava que algumas lágrimas poderiam ter caído naquelas noites pesadas quando ele fugia para tentar lidar com uma marca tatuada no braço e o peso dela arrebentando o coração.
O seu coração pareceu se compadecer do que sua imaginação havia criado, e se acelerou fazendo ela sentir vontade de abraçá-lo, de dizer que ele não estava sozinho dessa vez, vontade de oferecer a ele seu colo. Mesmo que naquele momento ela tivesse com vontade de lhe dar uns tapas. Era algo inexplicável e incoerente como cada pequena sensação que acompanhava o Sonserino.
Ela notou ele ponderar em ir até ela e lhe ajudar com os cacos da xícara, e quando observou os pés dele se moverem cuidadosamente, como se estivesse evitando pisar em terreno minado, ela ergueu a mão com um gesto para refreá-lo.
Largando o ar observando que ele manteve-se onde estava, suspirou.
Quebrou o contato visual lançando seu olhar para os cacos de sua xícara espalhados pelo chão.
— Reparo. - murmurou mexendo a varinha e em segundos havia uma nova xícara no lugar do que antes eram cacos. Abaixou-se para apanhá-la, ciente de que fazia tudo sob o olhar incessante e tão intenso dele. Culpa sua, por inconsequentemente ter tido aquela insana ideia de encará-lo. Depositou-a em cima da bancada com mais cuidado e então caminhou para fora dali.
Ela pode ouvir a voz dele murmurar alguma coisa quando passou por ele. Talvez um xingamento, uma desculpa, ou apenas algum sarcasmo. Mas não esperou para saber. Preferiu sair, ou, como sua mente a acusava incessantemente; fugir. Antes que tivesse ainda mais respostas a buscar. E mais sensação para interpretar.
Já na sua sala, fechou a porta e se encostou na mesma quase que dramaticamente. Pôs as mãos no peito para sentir seu coração bater irregular. Lhe dando ainda mais indícios de que, ou estava ficando louca, ou alguma coisa estava mesmo acontecendo.
Balançou a cabeça em negação.
Observou que metade da pilha que havia em sua mesa quando chegou ainda estava lá, então, respirando fundo ela decidiu continuar o que pretendia antes de ter tido a ideia de beber a droga de um chá.
(...)
— Você não deveria estar chorando por aquele babaca, Granger. - ergueu os olhos, cessando as lágrimas apenas para verificar quem era e se deparou com algo cinza, como o céu aquela tarde. - Não seja tão i****a quanto já é. - completou seriamente. -
Normalmente ele não mantinha os olhos nela por tanto tempo, sempre que compartilhavam o mesmo espaço e seus olhos se cruzavam ele tratava de desviá-los mais que rapidamente. Certa vez ela o ouviu dizer àqueles seus amigos patéticos que até mesmo contatos visuais eram repugnantes quando se tratavam de sangues-ruins. Porém, ele estava olhando-a fixamente desde que falara com ela e obviamente isso lhe causou estranhamento. Ela juntou as sobrancelhas e soltou um soluço enquanto limpava os olhos rapidamente. Não porque sentia vergonha de chorar na frente dele, mas porque estava intrigada demais por ele saber porque culpa de quem ela chorava.
— Eu já tenho problemas suficientes para ainda ter que aturar você... - a voz dela ainda estava embargada, seus olhos estavam miúdos e vermelhos, levantou-se cuidadosamente, querendo sair daquele lugar.
Ele soltou uma risada de deboche, seus olhos pareciam demoníacos, sua feição estava diferente. Malfoy balançou a cabeça e revirou os olhos.
— Como esperado, fugindo para continuar chorando. Patética. - observou, mexendo agora na sua gravata verde e prata, não mais olhando nos olhos dela - Tem certeza que é Griffana?
— Vá se danar, Malfoy! - rosnou já perto das escadas, virando para encará-lo por apenas alguns segundos. - Qual é o seu problema? - perguntou retoricamente. Não entendia essa aparente necessidade que ele tinha em sempre tentar rebaixá-la. -
— Talvez seja melhor do que ver você se lamentar por aquele pobretão. - sorriu para ela de forma insolente, piscando um olhos cinza, conseguindo irritar a castanha - Olha, mundo espera mais de você, Granger. - informou ele -
— E eu espero que quando você for descer, escorregue e quebre o pescoço. - desejou, maldosa pressionando os lábios em uma linha tensa -
— Boa noite pra você também, Granger. - cantarolou enquanto ela descia as escadas, furiosa. -
Acordou num susto, suada mais uma vez. O coração disparado, batendo de uma forma quase que intolerável. Insuportável. Insustentável. Doendo. Sangrando. Gritando.
"O que tá acontecendo comigo?"
As perguntas nunca mais tinham parado de vir. Assim como as tais das lembranças que ressurgiam a cada pequena vez que ela fechava os olhos, que tocava nele. Já quase não dormia mais. Tinha medo de tudo o que via quando viajava para o mundo desconhecido das lembranças. Apertou os olhos forte, e olhou para cima. Ainda estava deitada na sua cama, com a roupas de trabalho que sequer havia trocado, o sutiã lhe sufocava, parecendo apertar bem mais do que os s***s ou sua pele. Apertava seu coração. Esmagava tudo.
Toda aquela investigação estava fazendo-a ficar exausta, esgotada demais. Recordou-se de quando saía em suas aventuras para salvar o mundo ao lado de Harry e Ron, naquela época, não planejavam nada, e embora isso fosse imprudente e arriscado no final sempre dava certo.
Agora não, agora era diferente. Tinha que calcular, pensar, repensar e organizar tudo. Montar um plano como o inimigo montaria, ver os olhos do m*l. Isso com certeza dava muito mais trabalho. Bufou e se levantou da cama, olhando para o despertador pousado em seu criado mudo. Eram 02:46am.
Empurrou as cobertas para o lado, fazendo-as caírem no chão em um baque surdo, quase inaudível, porém Pérola que encontrava-se enrolada em sua caminha mexeu as pequenas orelhas com os ruídos produzidos pela castanha.
Hermione se arrastou para o seu banheiro sonolenta, seu corpo todo parecendo pesar três vezes mais do que o normal. Retirou suas roupas e jogou-as no cesto de roupas sujas, ficando apenas de peças íntimas. Parou em frente a pia e lavou o rosto para ver se tirava um pouco daquela sensação de sujeira, se sentiria mais leve para que tentasse dormir outra vez. Ergueu os olhos se deparando com seu reflexo no espelho, observando sua imagem sobrecarregada lhe encarar de volta...
Nunca pensou que se veria assim novamente, prestes a explodir de tanta angústia, de tanto estar no escuro, vendada. A última vez que estivera daquela forma foi antes da guerra estourar, quando ela, Harry e Ron viajavam de país em país, a procura das Horcruxes. Tempos difíceis e lembranças pesadas. Aquela sensação de impotência se formando em seu coração, dando um nó no estômago, mexendo com sua cabeça. Seu reflexo era como uma penseira daquele tempo, dos dias em que ela teve que manter-se firme, mesmo que por dentro estivesse completamente estilhaçada. Os olhos âmbar que lhe encaravam tinham um quê de melancolia. Ela definitivamente não estava se sentindo bem e odiava isso, mais do que qualquer outra coisa.
Suspirou e deixou o banheiro, apanhando seu Hobby de cetim marrom e vestindo-o. Todo o sono havia evaporado, tudo que tinha restado era o cansaço. E as perguntas. Tantas. Cada vez mais. Sem respostas. Sem explicação.
Livros? Há tempos que não conseguia se concentrar nas suas leituras, não conseguia mais fugir para seu refúgio de páginas, pois sempre se deixava levar para suas próprias lembranças, aquela história aleatória que há pouco ela vinha "re-lendo".
Vagou até sua sala, seguindo para perto de suas cortinas, afastou-as e ficou olhando a cidade. Imaginou; quantas outras pessoas pelo mundo também estavam sem sono, acordadas com mil problemas pra resolver e a droga de um cara que por tempos detestou em sua mente. Insatisfação era a palavra perfeita para descrever a bruxa naquele momento.
Londres era sempre tão barulhenta durante o dia, eventualmente, durante a noite era silenciosa, quieta e, Hermione em toda a sua melancolia chegava a dizer que era solitária. Exatamente como ela estava se sentindo naquela madrugada fria.
"Mione", A voz de Harry se fez ser ouvida e a castanha deu um pulo no lugar pelo susto, e virou o corpo na direção do som. A cabeça de Harry se formava em chamas na sua lareira, olhando para ela se desculpando.
— Harry, que susto... - ela disse, e aproximou-se da lareira, sentando no sofá mais próximo. - Que houve?
"Problemas, Mione. Isso que houve." ele respondeu e encolheu os ombros envergonhado e visivelmente cansado. "Estou precisando de você, Hermione. Todos os outros já estão aqui."
— Eu estou ficando preocupada, Harry! Ao menos pode me dizer o que houve? - seu coração se acelerou um pouco e a adrenalina e o nervosismo começaram a correr seu sangue como numa maratona, agitando ainda mais a castanha. -
"Não temos tempo, Hermione. Vem logo.".
— Tudo bem! - rendeu-se - Ei, espera. Você esqueceu de dizer onde estão.
"Na sala de reuniões do Ministro. A lareira 21 está liberada." pontuou. "E por favor, traga os relatórios que você levou, vamos precisar deles.". E dizendo isso, sua cabeça desapareceu da lareira e Hermione viu-se novamente sozinha no apartamento.
Suspirou sobrecarregada e cansada e rumou para seu quarto, a fim de se arrumar e organizar os arquivos que teria de levar.
Resolveu tomar um banho para retirar tudo o que nela estava pesando ou quem sabe, se despertar de vez.
Terminado, ela vestiu uma calça bem grossa de lã e seu suéter marrom alaranjado, por conta do frio que fazia lá fora. Ainda não nevava, mas faltava tão pouco para isso.
Estava prestes a adentrar a lareira quando se lembrou que Harry lhe pediu os arquivos. Um tanto quanto irritada, ela encaminhou-se a sala para procurar. Abriu as gavetas da estante da sala, procurou nas prateleiras, em cima do sofá, na mesa da cozinha, nada.
Foi ao quarto para procurar, vasculhou sua escrivaninha, o guarda roupas e até mesmo o criado-mudo. Novamente, não encontrou. Suspirou com insatisfação, porque era realmente inexplicável como tinha perdido aqueles malditos relatórios dentro da sua própria casa. Sentou-se na cama, apoiando uma perna em cima da outra, e colocou a cabeça entre as mesmas. Que droga!
Precisava encontrar aqueles papéis e voar até o ministério, Harry e todos os outros precisavam dela. Buscou em sua cabeça - atualmente atolada - onde raios havia enfiado os arquivos. Olhou ao redor, enquanto tentava se relembrar onde tinha os deixado, e vagando os olhos pelo cômodo observou a sua gata ainda dormindo tranquilamente. Sorriu serenamente quando ela mexeu involuntariamente uma de suas orelhas felpudas e então eis que sua mente pereceu se acender.
Recordou que colocara os ditos papéis em cima do guarda roupas, caso pérola tivesse um acesso ou um surto de animação e destruísse aquelas informações tão preciosas. Levantou da cama em um só movimento, puxando a cadeira de sua escrivaninha e arrastando até seu guarda roupas. Ela se equilibrou em cima da cadeira enquanto sua mão se esticava ao máximo para pegar as pastas que agora se mostravam visíveis à ela. No entanto, Hermione era uma mulher de estatura pequena e acabou por desequilibrar-se e dessa forma balançar todo o guarda roupas, fazendo várias de suas coisas caírem no chão, acordando pérola com o estrondo e tornando o quarto uma bagunça só. Desceu da cadeira possessa, seus olhos quase negros de raiva e lembrou-se de que era uma bruxa e deveria ter usado sua magia a seu favor. Pescou os relatórios com um Áccio, e virou para ir embora, tentando ignorar aquela montanha de tralhas e coisas espalhadas pelo chão. Porém, saindo do quarto ela viu que algo que caíra atrás do móvel brilhava demais e impedia que prosseguisse. Revirou os olhos por ser incapaz de ignorar sua curiosidade e caminhou até o brilho misterioso, mesmo que sua mente gritasse fervorosamente que ela tinha coisas mais sérias a fazer. Abaixou-se minimamente para puxar o que quer que fosse e quando o teve em suas mãos simplesmente estremeceu. Tudo o que viu com sua visão turvada pelo choque foi uma Pérola.
O passado não pode permanecer enterrado para sempre.