Topa?

1215 Words
— O Uber chegou. — Falei empurrando a cadeira até o carro com cuidado e bem devagar. Fiquei prestando atenção para ver se Letícia sentiria algo por andar de carro, mas acredito que de alguma forma, ela não lembra do acidente. O que era um enorme alivio. Imagina reviver aquele acidente h******l toda vez que entrasse em um carro. O caminho para casa foi silencioso, não sei se Letícia estava com raiva ou apreensiva de estar em um carro depois daquilo tudo, mas por sorte, o hospital não era longe do nosso apartamento. Chegamos bem rápido. Agradeci a deus por ter escolhido um prédio com elevador. Quando subimos, levei Letícia direto para seu quarto. Passando ela com cuidado da cadeira para a sua cama. Quando notei que estava confortável, me afastei da cama, mas finalmente o silêncio foi quebrado. — Eu não tenho inveja do Heitor. Sabe o que é acreditar em alguém? Eu sabia que nada de r**m poderia acontecer comigo enquanto ele estivesse comigo. Meu pai nunca me machucaria, se Heitor estivesse lá. Ele era a única pessoa que eu sabia que sempre irei me proteger. Eu acreditava nisso. Sabe como em senti quando ele foi embora e me deixou naquele lugar? Vivendo tudo aquilo? Cada dia era um pesadelo. No início, fingir que estava dormindo resolvia, mas depois foi piorando. Virei assim como a mamãe, uma válvula de escape para meu pai despejar toda raiva, desgosto e até tédio. Sabe o que é ter o seu próprio pai como o vilão da sua vida? Como é se sentir assim? E o único herói que eu tinha ter ido embora e me deixado para morrer naquela casa? Você não vai entender. Nunca deve ter passado nada de r**m na sua vida inteira — Letícia explodiu. Será que estava pensando até agora sobre isso? Sobre nossa conversa? Pensar no que Letícia disse me fez rir um pouco. Me pergunto se ela era cega para tudo que acontecia ao seu redor e só conseguia enxergar a vida dela. Nada de r**m aconteceu na minha vida? Eu posso contar nos dedos as coisas boas que aconteceram, isso sim. — Pai ser vilão? Qual dos dois, o biológico ou o adotivo? O que me abandonou primeiro em uma caixa na frente de uma mansão? Ou o segundo que me tratou como um troféu, quando soube da existência de Mel, nos colocou para fora de casa sem qualquer piedade? Também posso falar sobre as mães maravilhosas que eu tive. E da família que eu não tenho. Cada um tem as suas próprias batalhas, Letícia. O seu irmão era uma criança quando saiu de casa por não conseguir lidar mais. Não deveria despejar a sua dor nele, mas no verdadeiro vilão, seu pai. O seu irmão é tão vítima da situação como você. Alguma vez você já pensou como foi para ele viver sozinho, em um país distante e sem apoio nenhum da sua família? Tendo que ser responsável por si mesmo? Ele era uma criança que teve que se afastar de tudo que conhecia. — Não queria mesmo me meter, mas já estava metida o suficiente, querendo ou não. Como um furacão puxando tudo que estava ao seu redor. Letícia me olhou surpresa, como se eu tivesse dito um segredo que ela desconhecia totalmente. Será que realmente nunca pensou em como o seu irmão estava? Não faz sentido. Bom, ao menos agora talvez eles consigam ter uma relação melhor. No fundo, quem sabe o grande problema deles era a falta de comunicação. — Caroline, você está apaixonada por ele? Sério? Eu pensei que tinha imunidade. Depois de tanto tempo, mas vendo a forma que defende Heitor com tanta garra, não tem como negar. Você gosta dele. Mulher, tu sabe que ele não presta. Pode até tratar a Mel bem, mas sabe que meu irmão não é o tipo de homem que merece confiança. — Letícia me olhava surpresa. Tive uma crise de riso com a reação dela. Realmente pensei por um segundo que ela tinha compreendido. — Desisto de você. Deite e descanse. Talvez o seu cérebro volte a funcionar se ficar em repouso. Se quiser comer alguma coisa, me chame. Vou aproveitar que Mel não está em casa e organizar algumas coisas da plataforma. Também tenho que fazer ligações. Não suporto mais o médico da Mel. Preciso encontrar alguém que possa me ajudar. Não confio em nada naquele homem. — Minha cabeça parecia que explodiria a qualquer momento. Não tinha conseguido dormir, estava preocupada com Marieta, com Mel e também com a conta bancária. — Desculpa, não posso te ajudar. Sou um pouco inútil. Te acompanhei até hoje para ajudar com a Mel e a casa. Com essa desculpa, moro com você e ainda recebo um salário. Talvez você esteja certa. Eu sou medrosa. Por isso, sempre estou me protegendo atrás de alguém e não consigo correr atrás dos meus sonhos. — Letícia talvez não fosse um caso tão perdido, apenas estivesse com muito o que pensar. — Eu não sei o que são sonhos a muito tempo. Apenas corro atrás de dinheiro para pagar os boletos. A realidade me mostrou que sonho, são apenas sonhos. Ou acha que desde pequena minha meta de vida era viver vendendo fotos sexys minhas nas mídias sociais? A gente faz o que é preciso para sobreviver. Talvez você apenas precise de dar conta que a vida não é fácil ou simples. E no final, deve saber que você fez o seu melhor. — Não posso negar que a ajuda de Letícia foi fundamental para conseguir equilibrar tudo. — Se exija menos e ouse mais. Você é mais forte do que pensa. Só precisa ter coragem de ir atrás. E o jantar vai ser miojo, porque eu não tenho forças para ir para cozinha. Deixei Letícia com os seus pensamentos do lado de fora. A tarde passou voando enquando resolvia tudo que estava pendente. Com algumas pesquisas consegui o número de três médicos especializados na cirugia que Mel precisa fazer. Dois deles moram no Brasil, mas um é de fora. Mandei mensagem para os três. — Você está ocupada? — Heitor perguntou entrando no meu quarto com uma garrafa de vinho e duas taças. Eu não havia me dado conta até aquele momento que já havia anoitecido. Pude ver pela janela que a noite já havia caído. — Que tal um pouco de vinho para aliviar o estresse do dia de hoje? — E a Mel? — Perguntei preocupada. Heitor cuidava muito bem de Melissa, mas acredito que nunca vou deixar de me sentir apreensiva quando ela está longe de mim. Como apenas eu soubesse cuidar dela. — Minha filha já está na cama e jantou muito bem. Ela adormeceu no caminho para cá. Coloquei ela direto na cama quando chegamos. Ela não acordou, consegui gastar todas as energias dela. Agora só amanhã de manhã. E então, o que acha? Será que posso dormir por aqui hoje? — Heitor perguntou sentando na cama servindo um pouco de vinho na taça e me entregando — Não se preocupe. Eu irei para a sala antes de amanhecer. Não deixarei que ninguém descubra nosso segredinho. Topa? Acho que você precisa mais do que eu dessa taça de vinho. Parece um vulcão prestes a explodir.
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