5- Babá

2596 Words
As aulas voltaram e isso fazia com que Luan tivesse que voltar a sair de casa. O que foi bom, porque ele voltou a se arrumar e não passava mais dia algum sem escovar os dentes. Ele chegou a sair com os amigos um dia, foram a um bar. Bebeu um pouco, voltou de uber, Chorou a noite toda, porque a bebida aflorou a tristeza que estava ali o tempo todo. Mesmo sendo praticamente um fantasma, a presença de Luan ainda incomodava Adriano de uma forma estranha, e sempre que quando tinha tempo, refletia sobre como fazê-lo ir embora. E foi nesse período que as coisas se complicaram. Cida entrou de férias, usaria o período para fazer uma cirurgia para retirada de varizes. E Adriano não sabia o que fazer. Ele m*l conhecia a mulher que fazia a limpeza, por isso  pensou em contratar uma babá nessas empresas que terceirizam o serviço, mas morria de medo. Fora que não tinha tempo hábil. De qualquer forma, marcou de entrevistar duas candidatas na empresa. Mas Cida já tinha ido e ele não tinha o que fazer com a irmã. E foi quando o desespero bateu, que ele bateu na porta de Luan. — Oi. — Luan atendeu estranhando, assustado. — Eu preciso de um favor seu. — o homem não fez rodeios. — Claro... — Luan se prontificou mesmo sem saber do que se tratava. Sempre que estava perto dele sentia aquele frio na barriga. Não só porque Adriano era um homem bonito, mas por toda a situação, pelo próprio jeito dele, que era naturalmente autoritário, ainda que não tivesse a intenção de ser. — A Cida entrou de férias ontem, hoje eu levei a Ana pro trabalho comigo, mas eu não posso levar todo dia, nem posso deixar de ir. Ela não pode faltar um mês na escola, então, mesmo que eu não goste, eu queria saber se você pode olhar ela pra mim, só até eu arrumar alguém pra ficar no lugar da Cida. — despejou de uma vez. — Claro. Posso, sim. — Luan falou com o coração acelerado diante daquele trovão à sua frente. A presença de Adriano era desconfortável para ele, que ficava sempre aflito. — Obrigado. Vão ser só uns dias. — Adriano disse e se virou para ir embora. — Tudo bem. Sem problema. — Luan disse, com um sorriso nos lábios, vendo-o se virar. — Adriano! — Luan o chamou pelo nome, pela primeira vez, sentindo o coração pulsar mais forte de nervosismo. E o homem se virou devagar. — Você pode colocar câmeras... são bem fáceis de instalar e você pode ver pelo celular. — Luan sugeriu, já que ele tinha tanto medo. Adriano deu um meio sorriso e aquilo para ele era uma grande expressão de sentimento. — Você não se importa? — ele perguntou, como se aquela fosse a ideia mais genial já surgida. — De forma alguma. Assim você se sente mais tranquilo. — disse o garoto. — Vou fazer isso, então. Obrigado, Luan. — agradeceu, ficando ali parado mais tempo do que precisava, pensando em como a ideia era ótima, mas sem verbalizar.  Pegou a irmã e o carro e foi no mesmo instante comprar câmeras. Comprou em uma loja de eletrônicos no shopping. Comprou oito. E o vendedor ensinou como instalar. Passou o resto da noite fazendo isso, com a ajuda da irmã, que se divertia vendo o irmão colocar os aparelhos, sem compreender direito suas motivações. Para ela era apenas uma noite divertida ao lado de Adriano. — Então já sabe, se você passar caca de nariz no sofá eu vou ver de longe.— ele brincou com ela. — Credo! Nojento! Eu não faço isso! — ela ria gostosamente. Ele explicou que as câmeras eram temporárias e só para a proteção deles. Colocou duas na cozinha e três na sala. Guardou as outras, porque não tinha motivo de ele ir até o andar de cima. Configurou o aplicativo, levando algumas horas para isso, mas conseguiu. Poderia vigiar a casa e a irmã. Estava parcialmente aliviado. Foi mais uma vez, tarde da noite, até o quarto de Luan e disse que já tinha instalado as câmeras.  — Se você puder ficar só entre o quarto e a cozinha... — não queria ter que dizer aquelas coisas, mas precisava. Luan o olhou com seus brilhantes olhos verdes, feliz por poder ser útil. — Sem problema. — Luan respondeu, prestativo. Adriano pediu o número do celular dele, para alguma eventualidade. Trocaram números e foram dormir.  No dia seguinte, perto da hora de Ana chegar, Adriano enviou uma mensagem, dizendo que mandaria entregar comida para os dois. "Eu cozinhei. Você se importa?", Luan perguntou, já com medo de ter feito alguma bobagem. "Não. Tudo bem. Então se precisar de alguma coisa me avisa". O garoto respirou aliviado e Adriano resolveu ver o aplicativo das câmeras. Instalou no celular e no seu computador, para que pudesse controlar o que acontecia em casa por mais de um dispositivo. Como a irmã ainda não havia chegado da escola, ele não tinha olhado as câmeras, mas quando olhou, viu Luan lavando a louça e ficou satisfeito e aliviado, porque poderia vigiar a irmã remotamente. Olhou-o por mais tempo do que devia, preso em seus movimentos pela casa. Como era o primeiro dia, ele olhou os dois quase o dia todo, preocupado. Mas o que viu foi exatamente o que a mãe dele fazia. Eles almoçaram, ele lavou a louça, Ana foi se trocar, e depois assistiu tevê. Ele ficou um pouco com ela na sala, ela dormiu e ele foi para a cozinha fazer alguma coisa. Ficou um tempão lá, indo de vez em quando checar a menina, porque também tinha medo que acontecesse algo com ela.  Adriano percebeu que Luan fazia um bolo, e depois viu Ana desenhando na mesa da cozinha, comendo um pedaço de bolo com ele no fim da tarde. Tudo parecia bem. Quando Adriano chegou, tudo estava em ordem e tinha comida do almoço. Luan foi para o seu quarto assim que ele chegou, após Adriano agradecer.  Só depois que os dois jantaram é que Luan voltou à cozinha para comer. Adriano já estava no quarto, mas Adriano ouviu um barulho lá embaixo e resolveu olhar a câmera. Viu Luan jantando sozinho e lavando a louça que ele e a irmã tinham deixado. Adriano não gostou das babás que tinha entrevistado. Achou-as muito novas, não confiava em gente muito nova. O fato é que dificilmente ele gostaria de gente alguma. Entrevistou outra no dia seguinte. Também muito nova. Resolveu que ficaria com o Luan mesmo e pagaria para ele o que iria pagar para elas. O garoto parecia cuidar direito da menina, conhecia a rotina da casa e tinha as câmeras. Com um pouco de receio, perguntou a ele se era possível ele ficar até o fim do mês. — Eu te p**o o mesmo que elas cobram. — Adriano disse. — Não! Pelo amor de Deus! — Luan exclamou inconformado, apoiando as costas na pia. — Não. Eu tenho que pagar. Você está trabalhando. — ele insistia, grave. — Eu não vou aceitar. Você já me ajuda muito. Por favor. Eu vou ficar com vergonha se me pagar. Eu não quero. Eu faço com prazer. Eu gosto muito da Ana, não é trabalho nenhum ficar com ela. Fora que eu tenho alguma coisa pra fazer, me ocupo. É bom pra mim também. — ele argumentava com honestidade. — Tá bom, então... mas se você mudar de ideia, pode falar. — Não vou mudar. Obrigado. Tem sido terapêutico pra mim. — Luan sorria trêmulo. — Então, eu te agradeço mais uma vez. — Adriano tentou ser simpático como podia. — Não tem por que... eu já vou indo... — falou Luan, e os dois se despediram. No terceiro dia, ele já olhava menos as câmeras, mas ainda olhava muito. Começava a olhar antes de a irmã chegar. Via-o começar a cozinhar, depois via os dois almoçando juntos na mesa e ia acompanhando a rotina deles.  Em poucos dias, Ana já estava apaixonada por Luan, que cuidava dela com carinho. Chegava e dava um beijo nele, contava as coisas da escola, dançavam, brincavam de boneca. Adriano quase ria vendo ele brincar de boneca com a irmã e lamentou que as câmeras não tinham áudio. Ele parecia cuidar direito da menina e viu ele ensinando alguma coisa de matemática para ela um dia que chegou um pouco mais cedo. Os dois estavam sentados à mesa da cozinha e Luan explicava a lição. Entretidos, não ouviram o carro chegar. — Você vai ser um bom professor. — foi a primeira coisa que Adriano falou ao entrar na cozinha.  Luan olhou assutado para trás e Ana correu para dar um beijo no irmão. Eram sempre afetuosos um com o outro, coisa que talvez não fossem se os pais ainda estivessem vivos. Temporã, a menina nasceu quando Rosana já tinha quarenta e quatro anos, foi um susto, e apesar de gostar da ideia de ter uma irmãzinha, nunca passou pela cabeça de Adriano que ele teria que criá-la, que educá-la. A mãe tinha engravidado dele muito cedo, o que fez com que ela se casasse rápido. A diferença de idade entre eles era de uma vida, e o irmão fazia o possível para educá-la adequadamente. — Obrigado. — Luan sorriu tímido, torcendo para que o homem não notasse o vermelho em seu rosto.  Começou a recolher as coisas da menina, com a cabeça baixa. Porque quando Adriano chegava, ele sabia que era hora que ir. E o dono da casa gostava que fosse daquele jeito. Não tinha intenção alguma de ter qualquer tipo de proximidade com o garoto. Como todos os dias, eles se despediram e Luan foi para o quarto que era agora sua casa. Passou a deixar o jantar pronto em alguns dias, coisa que Cida não fazia. Aquele era um agrado de Jô, não estava entre suas atribuições e Adriano não se importava que Cida não fizesse, não gostava tanto de sua comida. Já a de Luan era deliciosa. Lembrava muito a da mãe e os doces chegavam a ser ainda melhores. E ele sabia fazer uma variedade maior de doces. Sentia-se feliz em ficar ainda que temporariamente no lugar da mãe e adorava passar as tardes com a menina.  Ter um compromisso distraía a mente de Luan e ele se sentia muito melhor conforme o tempo ia passando. Chegou até a dançar com Ana, sendo mais uma vez pego de surpresa pelo irmão. Ensinava um passo de balé para ela, que morria de rir ao ver um homem fazer aquilo.  Luan tinha feito dois anos de balé clássico num projeto social no bairro em que morava quando era criança. Era o único menino do grupo. A mãe não impediu, desde cedo sabia que o filho era diferente da maioria dos meninos e sabia que aquilo não tinha como mudar. Mas a professora, que era voluntária, precisou se desligar do projeto e não conseguiram outra. Luan adorava, mas um curso de balé era caro e aquilo foi tudo o que ele fez. E estava lá brincando com Ana no quintalzinho entre seu quarto e a casa, quando Adriano chegou. Observou os dois um tempo antes de chamar a irmã, parecendo não ter gostado.  De fato ele não gostou. Não pela dança, mas por eles estarem em um local sem câmeras. Não reclamou porque o garoto fazia um favor, mas Luan entendeu que tinha desagradado o irmão de Ana e entrou correndo, sentindo o rosto pegar fogo, por ter sido visto dançando e pela bronca que quase levou. Ele só tinha autorização para ficar na cozinha e na sala com ela. Só. Na garagem ele só ia para abrir o portão quando ela chegava da escola.  A vida era mais doce com Ana por perto, e os amigos já percebiam que Luan estava melhorando.  Adriano, no entanto, andava tenso e nervoso. Precisava dar uma daquelas saídas à noite para relaxar e eventualmente f********o. Pensou em esperar Cida voltar, mas com as câmeras, achou que poderia pedir para Luan que esticasse um pouco a noite de sexta. Não dormiria fora, porque não tinha essa confiança toda no rapaz, mas pretendia voltar tarde. Luan concordou, e naquela sexta, Adriano saiu, deixando a irmã com o garoto. Olhou no aplicativo algumas vezes, mas a única coisa que viu foi os dois jantando e depois na sala vendo tevê. Ana dormiu e ele pensou em buscar um cobertor para ela, mas não sabia se podia. Pensou em mandar mensagem perguntando, mas não queria ser chato, então Ana ficou descoberta. Ele não subiria sem autorização. Não com o medo que tinha do dono da casa. Fora que se sentia observado o tempo todo lá dentro. Na cozinha, que era onde ele ficava mais, ele já tinha se acostumado, mas na sala ainda se sentia vigiado. Sentia-se e era, porque nunca sabia quando Adriano poderia estar olhando. E muitas vezes ele realmente estava. Tentou lutar, mas foi vencido pelo sono. Dormiu sentado no sofá. Adriano chegou e o pegou dormindo. Olhou-o por um tempo e pela primeira vez se permitiu observar seus detalhes. Fisicamente ele não lembrava a mãe. Os cabelos claros, o nariz pequeno. Ele era todo pequeno, de aspecto suave, voz doce e calorosa. Bonito.  Talvez fosse a bebida, mas Adriano o achou bonito, ou assumiu a si mesmo que o achava. O desejo de levá-lo nos braços para o quarto lá fora acendeu em sua mente, mas ele o afastou com força. Recriminando-se e culpando outra vez o álcool.  Luan despertou com aquele vozerão chamando a menina. — Vem, dorminhoca. Vai dormir na cama... — ele a cutucava. Ela balbuciou alguma coisa incompreensível e virou. Adriano, com seu um metro e noventa e cinco de altura poderia ter pego ela no colo com facilidade, mas não quis. Cutucou-a novamente até que ela fosse para cima sozinha, resmungando.  Luan acordou assustado, desculpou-se e foi embora. Não sem perceber o forte cheiro de bebida e um perfume estranho em Adriano, que agradeceu antes que ele saísse. Luan entendeu o que ele tinha ido fazer e pela primeira vez desde a partida da mãe, pensou que talvez pudesse fazer o mesmo. No sábado, os dois irmãos jantaram pizza e Luan costumava ir comer só depois que eles terminavam. Mas naquela noite, durante o jantar, Ana perguntou se poderia chamar o Luan para comer com eles. — Não. Ele come depois. — o irmão respondeu. seco. — Mas... —  ela tentou argumentar. — Não tem "mas". É "não" e pronto. — ele repetiu a negativa. — Chato... — ela falou baixinho. — Sou mesmo. — ele sorriu de canto de boca para ela. — Por que ele não pode? — ela queria entender. — Por vários motivos, mas principalmente porque no fim de semana é que eu tenho mais tempo pra ficar com você. Você já tem ficado com ele a semana toda, não é? — ele mentia. — É... mas eu gosto dele... —  ela falou, fazendo charme. — Eu sei que gosta... mas você não gosta mais de mim? É isso? —  ele perguntou quase rindo. — Claro que eu gosto, Dri. — ela sorriu e parou de insistir.  Adriano era grato pelo favor, mas não queria tanta proximidade. Não queria proximidade alguma, nem sequer queria o rapaz ali, mas aquilo ele não poderia dizer a irmã. Aquilo era algo que ele também não diria a Luan. Pelo menos não com palavras.
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