Maitê anunciou a chegada do homem interessado na compra de dez carros da frota da empresa e Adriano se levantou para recebê-lo. Abriu a porta, cumprimentou-o e negociaram os valores. Marcos, o gerente geral, que havia ensinado a Adriano a lidar com a empresa, e era seu homem de confiança, costumava fazer aquelas negociações, mas ele também estava de férias e Adriano tinha mais trabalho naqueles dias.
Nem mesmo a saída na sexta-feira tinha sido capaz de fazê-lo relaxar. Vivia cheio de preocupações depois da morte de Jô. De preocupações e tristezas. Além de ter que lidar com o garoto, sem ainda saber o que fazer.
Avisou por mensagem que chegaria mais tarde em casa. Luan disse que não tinha problema. Ficou com Ana na sala e se esforçou para não pegar no sono. Não queria ser surpreendido novamente. Adriano chegou exausto e perguntou se havia algo para comer. Não costumava perguntar, simplesmente ia até a geladeira e via o que tinha. Era tarde para pedir alguma coisa e, percebendo o estado do irmão de Ana, Luan se ofereceu para esquentar a comida para ele. Adriano aceitou. Sentou no sofá, ao lado da irmã que dormia e não teve forças nem sequer para acordá-la.
Luan pôs a mesa, esquentou a comida que havia preparado, deixou tudo quente nas travessas, deixou já cortado um pedaço de pudim de leite que ele havia feito no almoço mais ao lado e, meio envergonhado, avisou que já estava pronto. Adriano foi para a cozinha e se deliciou. Era bom chegar em casa e ter comida pronta.
— Eu fiz lição com a Ana hoje, porque você ia vir mais tarde...
— Obrigado, Luan... sua comida tá deliciosa. — elogiou de forma espontânea.
— Obrigado. — Luan sorriu, engolindo em seco, porque sempre ficava tenso perto de Adriano. Despediu-se e foi para seu quarto. Estava cansado também.
Adriano deixou apenas o prato na pia e subiu depois de acordar a irmã. Fazia uns dias que ela não tinha pesadelo e pedia para dormir com ele. A psicóloga havia dito que ela estava gastando mais energia durante o dia com o novo babá e aquilo estava sendo positivo, porque tornava o sono dela mais pesado. Além do fato de ela se divertir mais. Ela não falava mais de Jô, assim como raramente falava dos pais. Talvez fosse uma espécie de bloqueio, uma forma de afastar aquilo com o que não sabia lidar, porque crianças são fortes, conseguem lidar com coisas que muitos adultos não aguentariam. Mas conseguir não é necessariamente saber. A verdade é que a mente sempre encontra uma forma de se proteger. Ainda assim, é terrível viver em um mundo onde crianças precisam suportar sofrimentos de qualquer tipo.
Com Luan, Ana dançava, pulava, jogava algum jogo, tinha companhia para as brincadeiras. Coisa que não tinha com Jô e com Cida. E aquilo fazia bem para ela, segundo a terapeuta. O que fez o irmão repensar sobre a idade das babás. Talvez uma babá mais jovem, com quem Ana se identificasse, fosse bom para ela. Mas não mandaria Cida embora e aquilo talvez ficasse para outro momento.
Luan aproveitava para fazer os trabalhos da faculdade enquanto Ana fazia a lição de casa e eles criaram um rotina satisfatória para os dois naquele mês.
— Tio Luan, eu gosto mais de você que da Cida. — ela disse certo dia, enquanto faziam lição.
— Não fala isso. A Cida é legal, Ana.
— Ela não brinca comigo. — ela explicou.
— Mesmo assim... você não pode falar isso pra ela, tá? Ela pode ficar triste.
— Tá bom. Não vou falar... mas quando ela voltar você ainda vai brincar comigo? — ela perguntou.
— Se o seu irmão deixar eu vou, claro. Vem cá me dar um abraço! — ele abriu os braços, esperando por ela. E a cena foi flagrada pelo irmão, que assistia pela câmera, sem saber do que falavam.
Quando Cida retornou, Adriano não tirou as câmeras. Informou-a da existência dos aparelhos, porque não achava certo alguém ser filmado sem ter conhecimento e as coisas voltaram a ser como antes.
Às vezes, depois do jantar, Ana pedia ao irmão para deixá-la ficar um pouco com Luan no quintalzinho e ele autorizava, já que estava em casa. Era bom ter alguém para dividir a atenção da menina. Ele podia ir descansar um pouco mais. Vez ou outra ia dar uma olhada no que eles estavam fazendo, deixando Luan sempre nervoso com aquela secura peculiar que ele tinha, aquela presença imponente.
Algumas vezes via pela câmera que Luan ficava com Ana na cozinha depois que Cida tinha voltado. Via o garoto fazer um bolo ou algum doce com a ajuda da irmã. Via os dois estudando ou fazendo passos de balé. Sempre na cozinha. Luan seguia à risca as regras e quando Cida retornou ele não ultrapassava mais porta da cozinha. Não era a melhor forma de se viver, mas era incomensuravelmente melhor do que ficar com a tia.
Como ele não passava da cozinha e não fazia nada de mais, Adriano permitiu que ele continuasse tendo contato com a irmã. Afinal, a psicóloga disse que era bom para ela.
— Na minha escola tem balé. Vou pedir pro meu irmã deixar eu fazer... — pela janela do quarto, Adriano ouvia Ana falar com Luan sobre balé.
— Não é muito bom fazer balé, sabia? Eu fiz mas não é tão bom assim... deixa o corpo esquisito com o tempo, principalmente das meninas. — Luan falava.
— É? — ela estranhou.
— É... deixa o corpo das meninas esquisito com o tempo... mas se você quiser fazer mesmo assim... ou você pode fazer aqui comigo só pra gente se divertir... — ele completou, tentando convencê-la.
— Então eu vou pensar... — ela sorriu lá embaixo e Adriano viu lá de cima, sem esboçar expressão.
— Isso, pensa... não tenha pressa... — ele disse meio cantado, rodopiando-a com a mão.
Mas logo Adriano acabou com a brincadeira, mandando Ana subir para tomar banho. Gritou áspero pela janela e Luan olhou para cima assustado. Deu um beijo na menina e entrou no quarto. A presença trovejante do dono da casa era o suficiente para fazer com que Luan fugisse para o seu quarto. Quase sempre com medo ou com vergonha.
Tomou banho também e usou um óleo para banho que ele tinha comprado para ver se gostava. Gostou. Sentiu que era relaxante. Cuidar de si mesmo pode ser prazeroso. Achou cheiroso, deixou um perfume fresco em seu corpo, apesar de ser um óleo, até os lençóis ficaram perfumados. Luan adorava perfume e, sentindo-se estranhamente sensual, baixou o aplicativo de encontros.
Perdeu um tempão vendo perfis antes de dormir sem conversar com homem algum. Fazia tempo que ele não beijava ninguém e decidiu que já estava na hora. E no sábado saiu com os amigos. Lorena e Nicholas.
Os três estavam na mesma turma na faculdade, na qual só havia dois homens: Nicholas e Luan. Ambos gays. Por algum motivo homens não se interessam por Pedagogia, nem mesmo os gays gostam muito. Mas Luan adorava. Nicholas fazia porque era indeciso e achou que o curso seria fácil. Ficou inconformado quando soube que teria de ler tanto.
Foram a uma boate gay naquela noite. Lorena amava lugares gays, pois podia dançar com tranquilidade sem ser assediada. Luan bebeu com os amigos, ouviu as histórias dos encontros de Nicholas, uma pior que a outra, mas ele narrava com uma habilidade ímpar, e com um descaramento peculiar, o que tornava as histórias engraçadas. Mais do que eram de fato.
— Aí ele me deu uma calcinha pra vestir! Você acredita? Uma calcinha!! Eu disse pra ele: amada, minha b***a não cabe nisso aí, não! — ele contava, fazendo Luan rir.
— E aí, amigo? O que você fez? — Lorena quis saber.
— Não coloquei, né?! Mas só porque não cabia mesmo, senão eu colocava e ainda rebolava essa raba pro boy... — ele deu uma reboladinha, rindo.
— Eu nunca usei uma calcinha. — Luan falou, já um pouquinho alegre.
— Amada?! Como não? Pois eu já usei várias vezes. Adoro! Tem macho que fica louquinho... Tem calcinha pra homem, sabia? — Nicholas dizia.
— Sabia... mas acho que teria vergonha... sei lá... — Luan pensava.
— Para de graça, amiga! Aproveita essa bundinha pequena que cabe até em calcinha de mulher e se joga... bota a cara no sol, bicha. — ele dizia, com naturalidade.
— Não sei se você sabe, mas eu ainda tenho um pinto... — Luan riu, pensando no que faria com seu pênis em uma calcinha.
— Pra tudo tem um jeito, amiga... vou te mostrar uns vídeos...
— Não, Nick! Obrigado. — ele recusou, rindo de preocupação, pensando se tratar de vídeos do próprio amigo. — Talvez eu tente um dia, quando eu tiver um namorado... — Luan falou da boca pra fora, para encerrar o assunto da calcinha.
— Nossa, Luan, precisa namorar pra isso? Eu, hein! Eu não quero namorar, não. Quero beijar aquele gatinho ali, ó. — ele apontou. — Vou lá rebolar na frente dele e já volto. — saiu e deixou os amigos. Ele tinha mesmo um quadril grande, mas ele gostava. Vangloriava-se de saber rebolar melhor que os outros dois e adorava vestir roupa apertada. Nicholas era ousado e achava Luan muito retraído. Luan não era, mas para o padrão do Nicholas, o amigo era uma freira, celibatária.
Lorena levou Luan para a pista e eles dançaram um pouco, mas logo o amigo foi embora, deixando os outros dois lá. Percebeu que ainda não se sentia muito bem para fazer aquele tipo de programa. Mas seria difícil convencer aqueles dois a irem a um cinema, por exemplo. Eles gostavam de agito e badalação e Luan não estava num momento ideal para aquele tipo de divertimento. Mesmo antes, aquele não era seu tipo de programa preferido.
Abriu o portão devagar, quando chegou, para não fazer barulho e entrou na ponta dos pés. Tomou banho, usou seu óleo perfumado que deixava sua pele com um brilho bonito e chorou antes de dormir.
Adriano ouviu quando ele chegou. Ficou incomodado de saber que o portão da casa estava sendo aberto àquela hora, mas não podia impedir o garoto de se divertir, de entrar e de sair. Ele tinha voltado a ter dificuldade para dormir, nem mesmo bebendo um pouco antes de ir para a cama o estava ajudando. Cogitou procurar um médico, mas como quase todos os homens, protelou e não foi.
Luan conseguia dormir cedo, mas naquele sábado também estava sem sono e com o ouvindo ainda zunindo do som alto da boate. Resolveu ir até a cozinha para comer um pedaço do bolo de chocolate que tinha feito no dia anterior. Estava cortando uma fatia na pia quando Adriano chegou. Passava das duas da manhã e ele só percebeu que Luan estava ali quando abriu a porta. Não notou a luz por baixo.
Assustou-se ao ouvir a porta abrir. Era a primeira vez que encontrava alguém na casa de madrugada. Bateu um desespero quando viu Adriano entrar.
— Oi... eu vim comer um pedaço de bolo... — explicava, assustado com a imagem daquele homem imenso à sua frente. A camiseta branca de dormir parecia destacar ainda mais seus cabelos negros e os pelos dos seus braços, escuros como os cabelos, em contraste com a pele clara. Mas não clara como a de Luan. Adriano tinha um tom de pele parecido com areia de praia. Luan era branco do tipo que ficar avermelhado com qualquer mudança de humor. Um branco rosado.
— Me deu fome também. — Adriano disse sério, e Luan, que já avermelhava, não sabia o que fazer. Se comia o bolo ali, se levava pro quarto, se saía correndo.
— Corta um pedaço pra mim, também? Por favor. Já que o bolo está aí. — Adriano pediu, chegando perto dele, só de short. Luan suava de nervoso, de vergonha, mas tentava disfarçar.
— Claro. — falou, pegando outro prato, colocando o bolo nele e entregando para o dono da casa, que agradeceu.
— Posso levar o prato pro quarto? Amanhã eu trago de volta. — o garoto pediu.
— Pode, claro. Não precisa me pedir essas coisas. — respondeu secamente. E Luan entendia as respostas bruscas e duras como sinal de que ele causava incômodo no homem, o que fazia como que ele sentisse ainda mais vergonha.
— Obrigado e boa noite. — Luan disse e correu dali, acompanhado de um pequeno tremor, mas deixando para trás a fragrância suave e perceptível que seu corpo exalava. Adriano terminou o bolo, bebeu água e voltou para o quarto, levando um tempo ainda para conseguir dormir.