Capítulo 2 - Júlia

1873 Words
Segunda-feira, 8 de março   Cada dia que se passa fica mais difícil fingir que não tenho um pai preso por lavagem de dinheiro, que não estamos falidos e que não estou destruída com tudo isso. O fim de semana foi difícil. Um desastre atrás do outro. A polícia avisou que vão congelar todos os bens em nome do meu pai. A sorte que tem uma quantia considerável na minha conta. Mas eles fizeram uma busca pela nossa casa e encontraram mais de 100 mil reais em espécies, que nos deixou na mira da polícia. Estão desconfiando que somos cumplices. Eu já disse várias vezes e direi mais quantas vezes precisar: eu não tive, nem tenho, nada a ver com isso. Nunca imaginei que meu pai, meu próprio pai, era envolvido nessas coisas. Ele sempre pareceu um cara honesto, legal, responsável. Não sei dizer o que houve para ele fazer isso e como ele fez isso de um jeito que nunca descobrimos. Minha mãe também diz que não sabia de nada. Agora estamos à mercê da sorte. O dinheiro que tenho vai ajudar por um tempo, mas não por muito tempo. Tem a mensalidade da faculdade e ainda nosso estilo de vida caro. Minha mãe nunca trabalhou e imagino que não saiba fazer nada. Ainda somos a vergonha da família toda, do bairro...É muita humilhação. Para completar, meu namorado, Bruno, nem me procurou no fim de semana. A única pessoa que continuou ao meu lado, além da minha mãe foi a Mary. Minha melhor amiga. Mensagem de Mary: Você não pode se culpar pelo que seu pai fez. Eu sei que muita gente não tem noção o suficiente para entender isso, mas você não pode ficar presa em casa por causa dessa história. Desse jeito você vai parecer culpada. Mensagem de Júlia: Eu sei, mas você nem imagina a vergonha que estou sentindo, e o Bruno nem apareceu aqui pra me ver esse fim de semana. Nem no sábado, nem no domingo. Mensagem de Mary: Eu queria não falar nada, porque você sempre fica com raiva quando digo que o Bruno não te merece. Mas eu soube de uma coisa grave que ele fez e como sua amiga não admito que seja feita de palhaça. O Bruno tava numa festa, minha irmã teve por lá também e o viu com a Andressa. Meu coração acelerou ao terminar de ler a mensagem. Mensagem de Júlia: Como assim “com ela”? Mensagem de Mary: Ficando com ela, Júlia. Ele estava te traindo! A minha irmã não é de mentir, ela o viu aos beijos com ele. Não acredito que o Bruno fez isso comigo. Caramba! Não consegui ficar sem chorar com essa notícia. Acabou de estragar tudo. Se não bastasse o meu pai preso, agora isso... Mensagem de Júlia: Que ódio do Bruno! Eu confiava nele! Eu confiava! Mensagem de Mary: Foi aí que tu cagou, amiga. Confiou na pessoa errada. Mensagem de Júlia: Logo com a Andressa... Mensagem de Mary: Todo mundo sabe que a Andressa era doida pra ficar com ele. Do jeito que o Bruno é cachorrinho pra r**o de saia, ela só deve ter batido o dedo que ele foi. Mensagem de Júlia: Ele nem me avisou dessa festa... Mensagem de Mary: Já era de se esperar. Ele é metidinho a b***a. A gente se fala na faculdade, tá? Vou lavar meus cabelos agora. O Bruno foi um sacana filho da p**a! Meu primeiro namorado, meu primeiro na cama... E minha maior decepção. Poxa...eu confiava nele. Eu achava que ele realmente gostava de mim. Mas agora estou de reação nenhuma. Eu não sinto nada além de vontade de chorar. Espero que quando o encontrar eu sinta muita raiva e tenha coragem de socar a cara dele todinha. Eu vou cultivar essa raiva. Também eu sou muito b***a. Não sou daquelas mulheres afrontosas. Porque se eu fosse, arrastaria aquela filha da p**a no asfalto pelos cabelos. Ela é tão esnobe! Agora tem mais motivos ainda pra desdenhar de mim. Não tive coragem de ligar pra ele. Sei lá, pra mim automaticamente acabou nosso namoro. Ele me traiu. Eu era sua namorada, mas ele preferiu ficar com outra, então acabou. Se eu for resolver alguma coisa, será pessoalmente. 18:24PM Me arrumei pra faculdade e peguei um sanduiche que estava na ilha da cozinha. Minha mãe quem preparou. Ela estava encostada na pia, com uma xícara perto da boca e me olhando estranho. De vez em quando ela é bem estranha. — Eu tô com um m*l pressentimento. — Sobre? — fechei a mochila e coloquei de volta nas costas. — Sei lá. Você. Ai meu deus, lá vem ela. Pior que ela nunca erra. Um dia desses ela amanheceu falando essas mesmas coisas. Só que com meu pai. Nesse dia ele foi preso. Mas dessa vez eu acho que já sei qual é o motivo do m*l pressentimento. — O Bruno me traiu. Desse ser isso. — saí da cozinha. — O Bruno te traiu? Mas ele parecia gostar tanto de você... — ela veio atrás de mim. Pois é né. — Quando eu voltar da aula a gente conversa. — saí de casa. Tem um carro aqui na minha casa, além do que meu pai tinha e que foi apreendido. Eu não costumo dirigir ele porque sempre fui pra faculdade com o Bruno. Mas dessa vez vou nesse carro, porque pelo menos o traidor teve a decência de não aparecer. A viagem é curta. 10 minutos no máximo. Chegando no campus, os olhares para mim denunciaram que as pessoas já sabem das histórias da minha família. É óbvio que sabem, passou até na tv...Que vergonha. — Júlia! — uma das minhas colegas passou pela minha frente assim que entrei no corredor. Não somos amigas, mas temos uma boa relação. — Oi. — sorri imaginando que ela seria uma das poucas compreensivas. — E esse carro? Presentinho do papai, com o dinheiro que ele roubou? — perguntou com um sorrisinho. A vergonha disparou adrenalina em mim e comecei a ficar nervosa. Todos que estavam perto da gente ficaram olhando pra mim. — Não! — respondi como um desabafo. Estão me acusando! Ele riu debochada. — A mania de mentir deve ser de família. — deu a volta e saiu pelo corredor. Era o que me faltava. Meu rosto queimou de vergonha, mas segui o caminho pra sala. Durante a aula os olhares para mim também eram frequentes. Todo mundo me olhando estranho. E se não bastasse isso, quando a vagabunda da Andressa chegou, debochada como sempre, ainda sorriu pra mim. Será que ela acha que eu não sei?! Eu achei que ela era baixa (e ela é, 1,53 de altura), mas não tanto a esse ponto. Eu tentei, juro que tentei ficar de boa, assistir a aula. Mas não deu. Só de pensar que o Bruno ficou com a Andressa, na frente de um monte de gente...ele nem pensou em mim. Mal consegui prestar atenção na aula. Então tentei copiar pelo menos os slides que o professor estava passando enquanto eu engolia o choro. 22:20PM Quando a aula acabou, juntei tudo e levantei sem olhar pra ninguém. Ao passar pela porta, me bati num rapaz e derrubei os livros que estavam na minha mão. Eu nem sei como me bati nele... acho que ele andava mais distraído do que eu. — Os chifres já estão te atrapalhando de passar na porta? — uma garota falou enquanto eu juntava os livros com a ajuda desse rapaz, o qual nem olhei o rosto. Levantei e vi que a dona da voz era uma amiga da Andressa, e essa outra estava ao seu lado, com um sorriso vencedor. Olhei feio pra ela, mas ela não ligou, só deu as costas e saiu com sua amiga. Mano, como odeio ela. Como pôde? Todo mundo sabe que o Bruno e eu somos namorados. Ela fez de propósito! Segurei os livros e adiantei os passos para devolvê-los na biblioteca. Ouvi alguns comentários no caminho do departamento, mas ignorei. Acho que o problema do meu pai não se sobressai mais do que os chifres que levei do Bruno. Mas como nem todo mundo sabe desse outro problema, estão me vendo como cumplice do meu pai. Entreguei os livros e cuidei de sair da faculdade. Quando penso que isso vai durar por um bom tempo, todos esses olhares... me dá vontade de chorar. E pra completar a noite terrível, me apareceu o traidor no caminho para o estacionamento. — Amor...— segurou minha mão enquanto eu desviava. Arrastei a mão, mas ele segurou firme e não me deixou ir. — Me solta, Bruno! — A gente precisa conversar sobre esse m*l entendido. — A gente não tem mais nada pra conversar e “m*l entendido” é o c*****o! Você ficou com a Andressa e ela já tratou de confirmar que foi real. — olhei pra ele furiosa. — Então se você quiser conversar com alguém, que vá conversar com ela. Porque eu não tenho mais nada com você. — puxei o braço mais forte e me soltei dele. Ele viria trás de mim, mas a Andressa apareceu junto com outros meninos e não o deixaram vir. Pelo contrário, começaram a falar de mim, do meu pai, do que ele fez, da minha família... Essa noite não pode piorar. Minha sorte foi que meu carro estava estacionado bem longe desse povo, ao chegar na porta, procurei a chave na bolsa. Eu estava com ela na mão quando carregava os livros. Mas devo ter a colocado dentro da bolsa, porque quando devolvi os livros não tinha nenhuma chave na minha mão... Estava com dificuldade de encontrar, mas também ando com a bolsa cheia de coisas miúdas. — Cadê?...droga!... — Aqui dona. — um rapaz apareceu com a chave na minha frente. Mas como? — Ai, obrigada. Onde você achou? — fechei a bolsa antes de pegar a chave. Eu ando voando, só pode. — Você deixou cair. — ele entregou na minha mão. Que gatinho gentil! Era um rapaz de estatura média, um físico com aparência saldável, rosto harmonioso, olhos castanhos mais claros diante das luzes do estacionamento e lábios um pouco carnudos. Eu acho que já o vi outras vezes. Talvez ele estude em alguma disciplina que eu estudo. — Obrigada. — destravei as portas e abri a do motorista para entrar. — Que isso. — ele se afastou. Entrei no carro e coloquei o cinto antes de ligar. Do nada, as outras portas do carro se abriram e três rapazes, incluindo o que me devolveu a chave, entraram. — O que é isso?! — me assustei de imediato. Eles estão bem vestidos, de mochila...Só pode ser trote. — Fica tranquila, dona. Nós vamo ali. — o cara do banco de trás falou. — Como? Eu não vou a lugar algum! — segurei a maçaneta pronta pra sair do carro, mas o garoto da frente, o que me devolveu a chave, puxou uma arma do cós do short e apontou pra mim com os olhos assustados. — Não tenta nada. Você vai com a gente. A cara dele não condiz com o que ele disse... isso só pode ser brincadeira.  
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