Sexta-feira, 5 de março
Estou fodido.
Até ontem, minha maior preocupação era manter esses caras envolvidos com tráfico longe de mim, para me formar em paz e sair desse beco, mas agora estou entre eles, não por vontade própria, é claro. Meu maior problema é ser morto. Ou por eles, ou pela polícia.
— Léo! — Cabeça gritou na janela do prédio e eu larguei a bicicleta encostada no meio fio, pra subir até lá. Cheguei onde ele estava e me encostei na porta com as mãos nos bolsos enquanto ele arrastava uma bolsa preta e aparentemente pesada. — O endereço tá no seu zap. Chega no portão, toca a campainha 3 vez seguida e deixa o malote. Vai pra um lugar longe e espera pra ver se alguém sai e pega a mala. Se não aparecer, volta lá e toca de novo.
Peguei a bolsa da mão dele e confirmei o modo de entrega. A mala era realmente pesada, imaginei logo que devia ser armas ou munição, de qualquer forma prefiro não ficar pensando muito sobre isso, porque me deixa mais nervoso ainda.
Pendurei a mala no meu braço e olhei o endereço no celular antes de começar a pedalar pelas ruas.
Era fora do morro, mais ou menos na área nobre. Quando passava por algumas casas bonitas, avistei uma garota que estuda na mesma sala que eu. Júlia o nome dela. Não sei muito sobre sua vida, mas lembro do seu nome, porque ela sempre se atrasa para a aula após o intervalo, e a professora sempre a repreende chamando seu nome.
Continuei pedalando até a rua da entrega. Era uma casa recuada, com muros altos de pedra. Toquei a campainha 3 vezes como o Cabeça mandou e me afastei. Esperei alguém sair para pegar atrás de uma árvore. Um homem barrigudo, fumando um cigarro, saiu na frente da casa, olhou para a mala, pegou e deu uma olhada na rua antes de entrar.
Assim que ele entrou, subi na minha bicicleta e pedalei de volta para casa. Minha mãe trabalha como dona de casa pra uma família da área nobre e meu pai é um alcoólatra debilitado que agora vive acamado por conta de uma cirurgia cardíaca. Por causa de suas dívidas estou tendo de fazer o que o chefão do tráfico da região, Ruivo, manda.
Preparei um lanche e comi na frente da tv. É sexta de manhã e eu ainda pretendo ler alguns textos da faculdade, para a aula da noite.
Lavei os pratos e depois de guardar, sentei para ler um artigo. Consegui ler todo até o meio dia. Sempre faço o almoço na sexta-feira, pois minha mãe só chega de tarde. Preparei a comida que o nutricionista passou para meu pai e levei para ele comer. Apesar da enrascada que ele me colocou, não consigo alimentar ódio por ele, nem nenhum sentimento r**m. Ele já está pagando por seus erros, infelizmente eu também estou.
Almocei e continuei a estudar a tarde toda, até a hora de jantar e ir para a faculdade. Como sempre, seguindo a mesma rotina, as aulas, a garota que chega sempre atrasada depois do intervalo... os rapazes planejando coisas para o fim de semana e a volta pra casa tentando vencer a vontade de dormir no ônibus.
Sábado, 6 de março
No sábado de manhã, fui até o Ruivo, que já havia me ligado chamando. Cheguei no casarão que ele mora e me mandaram pros fundos. Lá estavam discutindo com um jornal na mão.
Parei e esperei que ele me falasse o que fazer.
Tinha o Cabeça e mais dois ali. Eu fiquei encostado na porta.
— O cara quer ser esperto e cai no golpe! — Cabeça balançou o jornal chateado. Ele é o braço direito do Ruivo e parece que também tem voz forte no meio disso tudo.
Ruivo apertava os olhos com a ponta dos dedos. — Eu não quero saber se ele faliu ou não. Já disse. Vamo garantir que ele vai pagar.
— Ele já disse que não tem nada. Os cara da prisão falou com ele. — um dos caras disse acendendo um cigarro. Ruivo também acendeu um e deu uma tragada olhando para o nada.
— Ele vai pagar sim. — falou soltando a fumaça e olhou pra mim. — Léo, chega aqui, moleque. — sinalizou e bateu num banquinho na sua frente. Sentei e ele deu outra tragada. Assim que exalou toda a fumaça, ele falou. — Tu vai buscar uma mina na zona nobre. Trabalho fácil, rápido. Os menino vão com você pra agilizar. Traz a mina pra cá daqui pra segunda no máximo. — puxou o cigarro de novo e eu balancei a cabeça com o coração um pouco acelerado.
“Buscar” nesse meio tem muitos significados. Pelo que captei da história, a gente vai buscar ela do mesmo jeito que já foram me buscar. Pra garantir o p*******o de alguma dívida.
Só espero que essa garota mereça tanto quanto eu.