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2013 Words
Três Céu Apesar do clarão do sol surgindo no além da floresta, a escuridão era o que predominava. Ainda era muito cedo. Como de costume, saí para apanhar bambus. Ainda estava lidando e sofrendo com a perda recente, mas infelizmente o meu luto não colocaria comida na minha mesa. Então fui logo cedo para a plantação de bambus que papai me ajudou a cuidar desde os primeiros brotinhos, lembro-me que mesmo cansado ele me ajudou a plantar muda por muda, até elas crescerem e ficarem rigorosas e gigantes, como estão hoje. Cortava os bambus com o facão, em seguida os partia em dois para caber no carrinho de mão. Não precisa ser nenhum vidente para imaginar a situação das minhas mãos, calejadas, assim como os meus pés. Mas tudo bem, eu amava tecer peneiras, eu amava a minha arte, por isso cada calo era o registro do orgulho que tinha pelo meu trabalho. Já estava suada quando finalmente enchi meu carrinho e segui o empurrando pela solitária estrada que passava próximo ao riacho que desaguava no Rio Mandaraguaia. Um estrondo fez todos os pelos do meu corpo se eriçarem, me deixou paralisada. Olhei mais a frente e vi a ponte, que estava prestes a atravessar, quebrar, segundos depois, num piscar de olhos ela desabou por completo. Uma caminhonete luxuosa e enorme estava sobre ela. E dentro daquela caminhonete havia um homem. Uma tragédia na qual eu não conseguia ficar parada. Não era covarde a ponto de assistir alguém morrer e ficar de braços cruzados. Pulei no riacho e nadei com todas as minhas forças até as profundezas onde usei o resto do meu fôlego para puxar o corpo desacordado das ferragens. Não foi fácil, e teve sim uma hora que pensei que as correntezas fossem me levar junto com ele, mas, não me dei por vencida até chegar às margens do rio onde com muito sacrifício consegui arrastar o corpo pesado do homem. Não esperei para começar a pressionar seu peito e lhe fazer uma respiração boca a boca para despertá-lo. Estava prestes a perder as esperanças quando ele finalmente começou a tossir, cuspindo a água presa em seus pulmões. Me afastei e fiquei ali parada, completamente hipnotizada enquanto o par de grandes olhos, num tom folha seca, se revelavam. No momento em que ele me olhou senti uma pontada no peito, era estranho sentir aquilo, mas a sensação ficou ainda mais forte quando ele segurou minha mão e perguntou com a voz rouca: — Quem és tu? O que houve? — Oi! Eu vi o senhor caindo com o carro, da ponte… Foi horrível, mas ainda bem que tu estás bem. — Graças a você. Tu me tirastes de dentro do carro, não é mesmo? — Sim, uma pena que não deu para fazer o mesmo pelo seu carro. Era grande e bonito. — Era só um carro. A minha vida vale muito mais que aquilo. — Tenho certeza que sim. Bom, acho que o senhor… Ele me interrompeu: — Meu nome é Umberto, prefiro que me chame de Beto ou você, tudo menos senhor, até porque não sou assim tão velho. — Senti o sarcasmo em sua voz e sorri para ele. — Tudo bem, Beto. Meu nome é Celeste, mas todos me chamam de Céu e, prefiro que me chame assim também. — Céu… Celeste… Nome de anjo, não é atoa que salvou a minha vida. Tive que rir. — Não exagera. Fiz o que qualquer um faria. — Você acha mesmo que qualquer um se atiraria num riacho profundo desses e com essa correnteza? Acho bem difícil. — Talvez nem todos, mas o importante é que você está a salvo. Apesar de que não me parece tão bem assim. — Acho que estou (100%), só um pouco cansado. — Você consegue caminhar? — ele respondeu a minha pergunta se esforçando para ficar de pé até conseguir. — Sim, consigo, apesar da sensação de ter sido atropelado por um trator. — Você está intacto. Foi um milagre! — afirmei, concentrada em tentar encontrar algum hematoma pelo seu corpo, mas durante o processo fiquei encantada com o quanto ele era alto e robusto. A água do riacho escorria por sua roupa, marcando os músculos fartos e bem definidos, visíveis por baixo da camisa ensopada. Eu conseguia ver o seu peito murchando e elevando na medida que seu coração pulsava. Respirei fundo e involuntariamente disse: — Você precisa descansar, posso preparar um chá pra ti e cuidar dos seus machucados na minha casa, é perto daqui. Ele assentiu enquanto me fitava milimetricamente, me comendo com os olhos. Minhas bochechas coraram instantaneamente, nunca um homem tão lindo tinha me olhado daquela maneira. [...] Beto A garota precisou ter paciência já que estava caminhando como uma tartaruga e vez ou outra tropeçava em uma pedra. Um zumbido irritante não saía do meu ouvido, eu tinha a sensação de que a qualquer momento minha cabeça fosse explodir. Meu corpo também não estava colaborando, era como se eu estivesse carregando toneladas sobre meus ombros. Apesar do desconforto eu não conseguia tirar os olhos da garota. Sua segurança, coragem e a beleza, diferente da que estava acostumado, me atraía ferozmente. — Desculpe ser indiscreto, mas o que você estava fazendo por ali quando caí, Céu? — perguntei um tanto intrigado. Mas travei quando ela girou o pescoço para minha direção. Seus longos cachos pesados e úmidos acompanharam seu movimento a deixando super sexy. Apesar de aparentar ser mais nova, ela tinha um ar selvagem e perigoso. Morena da pele caramelada, lábios grossos perfeitamente desenhados e um par de olhos negros obscuramente marcantes. Nem mesmo o vestido desgastado e os pés descalços em contato com o chão molhado era capaz de ofuscar sua beleza e seu corpo, que tinha as curvas de um violão. Com quadris avantajados, pernas grossas e sinuosas, cintura fina e s***s médios. Mesmo dolorido o desejo foi inevitável, tive que morder os lábios para controlar as sensações que ela me despertava. — Ah, eu estava trabalhando. Saí cedo para apanhar bambus. Uso eles para tecer peneiras, balaios, cestinhas, várias coisas — ela abriu um sorriso perfeito, doce e meigo, em seguida usou a mão para jogar o cabelo molhado para trás. Porra! Nunca fiquei diante de uma criatura tão linda e sensual. — Tu, além de heroína, também é uma artesã! Égua! — Assim tu me deixa encabulada. — E eu completamente hipnotizado com seu jeito. Ela era tão doce, mas, ao mesmo tempo, tão corajosa e independente. Era uma menina batalhadora, longe das superficialidades que estava acostumado. Depois de alguns minutos caminhando chegamos na sua humilde casa de madeira, suspensa por resistentes troncos submersos nas águas do conhecido rio de Mandaraguaia. Receptiva, assim que chegamos ela estendeu uma esteira de palha sobre o chão amadeirado com aparência úmida. Nunca imaginei que um dia eu fosse conhecer, muito menos deitar na casa de um ribeirinho. Me senti m*l por ter acesso a tanto luxo, enquanto outras pessoas viviam naquela situação precária, sem ao menos pensar em reclamar. Se minha noiva estivesse aqui a essa altura já teria infartado. Analice idolatrava o luxo e não conseguiria sobreviver muito tempo sem ele. Céu foi para a cozinha, que era uma divisão da sala onde eu estava. — Eu vou tomar um banho rápido enquanto o chá ferve, espero que não se importe. — Imagina, não se preocupe comigo. Estou muito bem acomodado — disse fascinado ao vê-la coberta apenas pelo tecido de uma toalha clara. Para minha surpresa, o banheiro ficava à minha frente, vantagem de morar numa casa pequena. Não havia porta, o que o tapava era uma cortina improvisada de lona, o material semitransparente ficava ainda evidente com a luz do sol escaldante. Quando Céu entrou e se livrou da toalha, suas curvas formaram um show de sombra que nem mesmo a imagem do quadro mais exclusivo da minha casa poderia proporcionar. A maneira que ela tocava o próprio corpo e transpassava os dedos pelos fios encaracolados era enlouquecedor. Suspirei mordendo o lábio, sentindo meu p*u enrijecer, pulsar entre as pernas. Estava lutando contra as sensações que domavam meu corpo quando Céu começou a cantar: A lua me traiu Acreditei que era pra valer A lua me traiu Fiquei sozinha e louca por você Ah ah ah ah Não consigo te esquecer Ah ah ah ah Ela tinha uma voz grave e marcante, daquelas que não dava para confundir ou esquecer. Ela ficou longos minutos se banhando muito à vontade, e saiu de uma maneira um tanto surpreendente. — Égua! O chá! — Céu deixou o banheiro com a toalha enrolada de maneira espalhafatosa. — Está tudo bem! Ufa! — Céu começou a esfriar o chá passando o líquido verde de um caneco para o outro, de maneira cuidadosa, em seguida ela o trouxe para mim toda sorridente. — Está aqui. Esse chá levanta até defunto, pode tomar tudo! Arqueei as sobrancelhas curioso. — É mesmo? E o que tem nesse chá? — Não posso contar, é uma receita secreta que vovó me ensinou. — Vou me arriscar — disse em tom de deboche, mas logo em seguida tomei tudo num só gole. Tinha um gosto amargo e forte. — Céu, quem mora aqui contigo? Seu semblante empalideceu naquele mesmo instante. — Estou morando sozinha. Infelizmente papai morreu ontem… — Sinto muito, meus pêsames. — Obrigada. — Mas tu não podes ficar aqui sozinha, pode ser perigoso. — Estou acostumada com isso desde que papai era vivo. Ele saía para pescar e só vinha em casa a cada 15 dias. Sempre me virei muito bem sozinha. — Confesso que estou surpreso. Meu pai e eu jamais deixaríamos minha irmã sozinha em casa. — Ou ele me deixava sozinha, ou me deixava passar fome — Céu foi direta e parecia não se sentir confortável com aquele assunto. — Estou sendo inconveniente, desculpa. — Não, não está. É que pra mim ainda é muito recente. Estou trabalhando dobrado pra vê se consigo me conformar mais rápido — ela respirou profundamente —, mas não é assim tão fácil. — Entendo. Fiquei de pé após entregar a xícara de volta para Céu. Eu realmente vivenciei um milagre, caí num rio junto com o meu carro e fui salvo por uma moça linda e encantadora, nem nos DVD’s de filmes românticos que Lavínia me obrigava a assistir vi uma história tão maluca. Mas, já que havia sobrevivido praticamente ileso do acidente, eu precisava seguir com a minha vida. Tinha inúmeros compromissos para hoje, a maioria relacionado aos nossos negócios, todos inadiáveis. — Céu, não sei como agradecer por salvar a minha vida, por ter me recebido em sua casa e ainda cuidado de mim. Mas quero que saiba que pode contar comigo para tudo. — Apertei seus ombros olhando nos olhos que pareciam duas pedras de diamantes negros. — Para tudo mesmo. Agora preciso ir. Obrigado por tudo, meu anjo. — Por nada — ela sorriu timidamente para mim. — Tu moras longe? Meu pai tinha uma bicicleta para quando ele precisava ir na pracinha, ou fazer feira. Se tu garantires que vai me devolver ainda nessa semana, eu te empresto. — Eu garanto. — Estendi a mão para a garota e quando ela apertou de volta percebi que sua mão era mais grossa e calejada que a minha. Tratava-se de uma menina/mulher corajosa, empenhada, doce e simpática. O tipo de mulher que eu realmente teria o prazer de casar. Uma pena que isso era totalmente distante da minha realidade, não era esse tipo de qualidade que nossa família procurava. Céu me trouxe a bicicleta que provavelmente tinha a minha idade. Apesar da ferrugem, ainda dava para dizer que ela tinha a cor azul. As marcas de solda indicavam que ela já foi quebrada e remendada várias vezes. Mas naquele momento seria a melhor opção para eu chegar à fazenda. — Tchau! — Céu acenava enquanto eu pedalava velozmente sobre o humilde veículo de duas rodas. Soltei uma das mãos e acenei de volta, dizendo: — Até breve!
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