Capítulo 4

1947 Words
Como Daina havia prometido a Parker, ela vasculhava a segunda lojinha de conveniência da cidade à procura de comida, já que a primeira havia se tornado um excelente caso ― impossível de se resolver ― para a pacata polícia da cidade. Ao menos, eles teriam algo para fazer, mesmo que fosse andar em círculos. Daina preenchia a cestinha de mão com os diversos pacotes e enlatados que encontrava nas prateleiras, não se importando se eram bons ou ruins. Ela só desejava acabar logo e voltar para o conforto da sua casa. ― Daina? Uma voz mansa chamou por seu nome. Intrigada, Daina olha para o senhor que a observava com um sorriso encantado no rosto. E, de repente, a garota parecia mais surpresa em vê-lo, do que confusa em saber como aquele senhor a conhecia. ― Eu achei que nunca mais a veria. Você... Continua exatamente como eu me lembro. De quando você foi embora. Por um instante, Daina jurou que o seu coração saltaria do seu peito. Aquele senhor, de cabelos brancos, coluna curvada e gentil... Foi o homem que ela amou um dia. Daina pigarreia, tentando normalizar a agitação em seu peito e escapar daquela conversa. ― Acho que o senhor está me confundindo com alguém. ― Eu nunca a confundiria com mais ninguém. Os seus olhos brilharam intensamente, olhando para ela.   ― Foram cinquenta e seis anos de espera. E... Finalmente, eu te encontrei. O corpo de Daina enfraqueceu-se. O seu coração batia ainda mais acelerado. E a culpa, de não ter voltado, a consumia. Nitidamente, era possível notar que ambos ainda tinham sentimentos um pelo outro. Apesar de todos esses longos anos. ― Você... Esperou por mim, por... Cinquenta e seis anos? Ela lembrava dele. Lembrava como se tivesse sido ontem. Ela lembrava do uniforme de exército. Do perfume inebriante. Da música lenta e melancólica que tocava no bar de Dakota. Do primeiro beijo. Dos anos que viveu ao lado dele. E... Principalmente, de quando ela partiu. Deixando para trás, o cara que a amou verdadeiramente e intensamente, a ponto de esperar por ela por cinquenta e seis anos. ― Eu não consegui amar mais ninguém, depois de você. Então, escolhi esperar. Mesmo... Sem ter a certeza de que você voltaria. Aquelas palavras quebraram ainda mais o coração de Daina. Se ela pudesse, voltaria no tempo e consertaria tudo. Mas, ela não podia. ― Eu sinto muito. ― Não sinta. Eu escolhi amar você. E... Foi a melhor coisa que eu fiz em toda a minha vida. ― Não diga isso! Você... Abriu mão de muita coisa, por mim. ― Se refere à Mary Jane? ― ele sorri. ― Ela era linda! E gostava de você! E... Poderia ter te dado os filhos e a família que você sempre sonhou. ― Mas o que adiantaria ter tudo isso, se... O amor da minha vida, não poderia estar entre nós? Daina sentiu que iria desmoronar ali mesmo. ― Mas, agora, eu sou um velho. E... A coisa que eu mais desejava que acontecesse em minha vida... Acabou de acontecer. E... Eu sinto que... Eu posso descansar em paz agora. ― Do que está falando? Não! Você ainda é jovem! O que Daina diz, acaba arrancando um pequeno riso dele. ― Eu já tenho oitenta anos, Daina. Não sei mais quanto tempo irei viver. ― Mas... ― a voz de Daina embarga inesperadamente. ― Não haja como se isto fosse uma despedida. ― Não importa. O que importa... É que eu pude ver o seu rosto mais uma vez. E... Dizer que... Eu ainda a amo. Como na primeira vez que a vi. Daina trava o maxilar, sentindo que se não fosse forte, e espantasse a onda de sentimentos e lembranças do passado, ela choraria igual uma criança ali mesmo, no meio da loja de conveniência. ― Obrigado, por... Estar aqui hoje. Espero te ver outra vez. Ele sorri e se despede de Daina, deixando-a paralisada, sem reação alguma, no meio da loja. Ela não sabia descrever o que estava sentindo. Vê-lo a deixou sem chão. Bombardeada de memórias que ela considerava incríveis, e que, por algum motivo, ela havia ocultado da sua mente por um bom tempo. Talvez, fosse para não se lembrar da vida que ela teve que abrir mão. Porque, o arrependimento era um gatilho para Daina sucumbir. E, ela não podia. Ainda abalada, mesmo assim, Daina decide seguir com as compras até o caixa, tentando finalizar o que veio fazer e sair daquele lugar o mais rápido possível. Ela precisava espairecer. [...] Daina caminhava tranquilamente pelo caminho de volta para casa. Ela podia fazer uso da sua hiper-mega-velocidade vampiresca, mas, preferiu admirar a nova Dakota. Afinal, estava bem diferente de cem anos atrás. Exceto, os prédios e patrimônios históricos. Estes, permaneciam iguais há cem anos, com talvez, alguns reparos aqui e outros ali, para mantê-los conservados, sem tirar o aspecto original. As casas estavam mais vivas, apesar de que a população parecia mais morta. Daina lembrava que as ruas de Dakota costumavam ser lotadas de moradores e turistas. E, agora, estava vazia. Poucas pessoas passavam por ali. Os centros que antes tinham eventos diários, sumiram. As músicas que talentosos cantores amadores cantavam para destacar o mercado, desapareceram. Dakota não possuía mais o brilho de antes, e Daina se questionava o porquê. Desprevenida, Daina é abordada por duas pessoas que saíram repentinamente do beco pelo qual ela acabara de passar. Ambos, de forma agressiva, seguram os seus pulsos, fazendo as sacolas de comida caírem. ― Qual é a de vocês? Me larguem! ― vociferou. ― Pega as sacolas. Eu cuido dela. O jovem garoto, barrigudinho, disse, enquanto o outro, o dobro de Daina, e magricela, pegou as sacolas de compras. ― Essas sacolas são minhas! ― replicou, tentando se soltar dos braços do rapaz barrigudinho. E, claro que Daina podia enfrentar aqueles dois garotos sem piscar os olhos. Ela podia usar as suas habilidades vampirescas para acabar com eles, mas, eram apenas crianças. E, Daina não gostava de machucar crianças. ― Não são mais! ― gargalhou o garoto barrigudinho. ― Eu não vou pedir de novo. Me larguem! Ou... ― Ou o que? ― desafiou Daina. ― Vai chorar? ― gargalha novamente. Daina estreita os olhos. Ela odiava ser desafiada. E, aquele garoto merecia ao menos uma lição. Daina logo não hesita em usar as suas habilidades vampirescas, e com a sua super força, derruba o garoto barrigudinho no chão, pressionando o seu salto sobre a barriga dele, o impedindo de levantar. ― E você, fica parado aí ― ordenou ao garoto magricela. A sua atenção retorna para o garoto sob o seu salto. ― E por que vocês não compram? ― P-Por favor, n-não nos machuca! ― choramingou o garoto sob o seu salto. ― E por que eu não machucaria vocês? ― arqueou as sobrancelhas. ― Tentaram fazer isso comigo, não foi? Os meus pulsos estão doloridos agora. Então, por que eu não tentaria revidar? ― diz sarcástica e com o intuito de amedrontá-los. ― S-Só estamos com fome ― murmurou o segundo garoto. Daina o olhou curiosa. ― A-A cidade inteira está um caos. Poucas famílias têm o que comer. E-E... Estamos tentando sobreviver, pegando a comida dos outros. Surpresa com o que o magricela diz, Daina retira o salto de cima do garoto. O que aconteceu com aquela cidade? Pensou. Daina lembrava de que, apesar de ser pequena, Dakota era uma das cidades mais desejadas para morar. ― Juramos que nunca mais iremos roubar, moça! ― continuou a choramingar ao levantar do chão. ― O que aconteceu aqui? Dakota era tão cheia de vida quando eu fui embora. ― Vampiros! O garoto gordinho quase berra, forçando o amigo a tampar a sua boca. ― N-Não foi isso que ele quis dizer. É que... O prefeito e os seus amigos, eles... São um bando de sanguessugas! Não ligam para o bem da população. Por isso que a cidade está tão vazia. Muitos foram embora. E, os que ficaram... O garoto parecia receoso em continuar. Mas, soltando um suspiro, ele prossegue. ― Boa parte deles sumiram misteriosamente. Os corpos não são encontrados. Nossas famílias acreditam que foram arrebatados. Mas, nós... Acreditamos que, talvez, exista uma força maior. Algo sobrenatural. Como, por exemplo... Vampiros. O garoto barrigudinho consegue se livrar das mãos do seu amigo em sua boca e retorna a falar. ― Eu vi um! O rosto dele parecia de uma aberração! E os dentes! Eram presas enormes e afiadas! E ele matou o meu vizinho! Cravou as suas enormes e afiadas presas no pescoço dele! Daina umedeceu os lábios, um pouco tensa. Se a história que aquelas duas crianças estavam contando era real, então, algum vampiro transformou Dakota em seu estoque pessoal. ― Vampiros não existem. ― Daina afirma, mesmo que as palavras tivessem rasgado a sua garganta. ― Existem sim! ― replicou. ― N-Não vamos discutir com ela. V-Vamos apenas embora ― cochichou o magricela. ― D-Desculpa por incomodar você. Os garotos dão meia-volta e apressam os passos. ― Ela é uma vampira! A gente tá muito na merd*! ― cochichou de forma inaudível para qualquer ser humano que estivesse distante deles por dois metros. Mas, Daina não era humana. Movimentando-se em um piscar de olhos, Daina se coloca novamente frente a frente aos dois garotos, que quase caem quando se deparam com ela. ― Como vocês sabem sobre vampiros? ― Por favor, não nos mat*! ― o barrigudinho voltou a choramingar. ― Eu não vou mat*r vocês! Apenas quero saber como vocês sabem sobre isso! O magricela engole a saliva. ― Nós vimos um. Na noite passada. ― Noite passada? Daina indaga curiosa, pois foi justamente a noite em que ela voltou à cidade. ― Era um homem. Então, não era Daina ou sua irmã. ― Ele era um pouco alto. Usava umas roupas estilosas. Uma jaqueta de couro. E... Ele tinha uma marca no rosto. ― O vimos se alimentando! E, depois, ele simplesmente sumiu em meio as sombras da noite! ― o garoto barrigudinho soa dramático. ― Onde vocês o viram? ― Próximo ao parque do lago. Estávamos tentando encontrar alguém para roubarmos. Parque do lago? Aquele lugar trazia velhas recordações à Daina. ― Para um vampiro andar por aquela área, tem que ser um vampiro que está aqui há muito tempo ― Daina conversou consigo mesma. ― Você também é uma, não é? Daina conseguia escutar o coração das duas crianças baterem intensamente. ― Sim. Eu sou. O seu olhar se torna sombrio, fazendo as crianças tremerem. ― Mas, relaxem! Eu não vou os mat*r. Só porque... Gostei de vocês ― abre um sorriso largo. ― E-E como podemos confiar que você não irá nos m***r assim que virarmos as costas? ― o barrigudinho disse amedrontado. Daina revira os olhos. Ela não perderia o seu tempo matando duas crianças. ― Peguem ― entrega as quatro sacolas de compras aos dois garotos. ― Podem ficar. Vocês precisam mais que... Aquele bruxo idiot*. E não roubem mais, ok? Eu vou tentar dar um jeito na situação que assombra Dakota. ― V-Você realmente está nos dando isto? ― os olhos do garoto se iluminaram. ― Saiam daqui. Antes que eu mude de ideia e mate vocês dois ― ameaça. ― O-Obrigado, dona vampira ― dizem juntos. Os dois garotos não pensaram duas vezes e saíram correndo com as quatro sacolas de comida. E, então, sozinha novamente, Daina cruza os braços, intrigada. Se havia um vampiro experiente na cidade, ela precisava conhecê-lo e saber como ele veio parar aqui. Porque, em Dakota, não havia espaço para um terceiro vampiro.  E Daina sabia exatamente por onde começar a procurar.
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