Capítulo 3

2220 Words
Ao amanhecer, Parker saiu do quarto de hóspedes, o qual ele havia passado a noite, indo à procura da cozinha. Ele estava faminto, e necessitava urgentemente comer algo. Sentindo-se o dono da casa, Parker se direcionou diretamente a geladeira, ao chegar na cozinha, abrindo-a sem hesitação alguma, entretanto, sentiu-se frustrado ao se deparar com a geladeira completamente vazia. ― Está com fome? ― uma voz percorreu suavemente pela cozinha. ― Misericórdia! Que susto! Eu não te vi aí. Parker olhou para a garota sentada no balcão. Aria estava com um livro semiaberto nas mãos, o que deixava claro que a sua leitura havia sido interrompida pela chegada de Parker na cozinha. ― Desculpe-me te assustar ― disse. ― Já amanheceu? Eu nem vi as horas passar. Aria adorava ler, e normalmente, virava a noite lendo. ― O livro é tão interessante assim? ― disse surpreso ao ver a confusão de horário de Aria. ― É um conto de terror. Nada muito diferente da realidade. Acho que este livro foi bem adaptado para a vida que levo ― sorriu sem emoção e mexeu os ombros. ― Irônico ― sorriu. ― É... Eu queria te perguntar algo. Aria fechou o livro e o colocou sobre o balcão, ao seu lado, esperando atenciosamente pela pergunta de Parker. ― Você ouviu a minha conversa com a sua irmã ontem à noite? ― Sim. ― Tudo? ― Sim ― disse singelamente. ― E você mentiu para nós. Uma atitude i****a. E isso me fez querer quebrar o seu pescoço na hora que descobri, por ter me feito ficar comovida com a sua história em vão. ― Eu achava que essa atitude grotesca era mais a praia da sua irmã. Parker fez com que Aria risse baixo. ― Desculpa por ter mentido, tá legal? Eu só precisava de um lugar pra ficar. ― E por que não disse de uma vez? ― Do jeito que a sua irmã é, quais eram as chances de aceitarem de primeira? ― Mas o que realmente aconteceu? Por que você não tinha pra onde ir? Parker balançou a cabeça e mordeu o lábio inferior, sentindo um nó em sua garganta. ― Porque eu não sei. Aria o olhou confusa. ― Eu não lembro ― complementou. ― Não lembra? Como assim? ― Bom dia, raio de sol e bruxo mentiroso ― Daina disse sarcástica, entrando na cozinha e interrompendo a conversa deles. ― Eu estou faminta. Será que o sangue de um certo bruxo mentiroso é tão bom quanto de todos os outros que eu matei? ― olhou para Parker com um largo sorriso sombrio. ― Eu vou dar uma volta ― Aria disse e desceu do balcão. ― Qual é, princesa? Não vai me desejar um bom dia? ― debocha. ― Dia ― disse fria. ― Depois conversamos, Parker. Quero entender melhor essa história. E... Obrigada por ter brincado com a cabeça dela, às vezes é necessário um choque de realidade ― sorriu e seguiu para fora da cozinha. ― O que?! ― Daina diz frustrada. ― Que garotinha malcriada. Eu a desejo um bom dia e ela me retribui com um “dia” e um agradecimento insolente. Me sinto magoada ― entortou os lábios, forçando uma cara triste. ― Você é tão inconveniente. Parker revira os olhos e Daina ri, mas logo volta a seriedade. ― Não sei como você não sente medo de dormir sobre o mesmo teto que vampiros. ― Você acha que eu sou burro? Tenho a magia comigo. ― Pra um garotinho que se perdeu de casa... Tenho minhas dúvidas ― mexeu os ombros, sorrindo ladino. ― Você não sabe nem um terço da história. Daina pressiona os lábios, abafando um riso. ― Mas me diga... E você sabe? ― se aproximou de Parker. ― Você não me engana nem um pouquinho. Minha irmã pode te ver com olhos dóceis, mas eu não. Sei que você está aprontando alguma coisa. ― Você acha que eu pretendo ganhar a confiança de vocês e depois as m***r? ― arqueou as sobrancelhas. ― Lamento, mas você falhou, detetive. Acha que se eu quisesse m***r vocês, eu já não teria feito? ― Deve ter alguma outra coisa. Usar nosso sangue pra algum ritual vodu. Ativar uma magia n***a. Ressuscitar um exército de mortos. ― Não precisa do seu sangue pra fazer isso tudo. ― Então, isso afirma que você está envolvido com algo de r**m. ― Eu só disse que eu não tinha pra onde ir. E que eu não lembro de onde vim. ― E por que eu confiaria em suas palavras? Você já mentiu uma vez. Como posso ter certeza de que não está mentindo? ― Porque eu não vou forçar você acreditar. Irei te deixar ver por si mesma. Parker força um sorriso e segue aos armários da casa persistindo com a sua busca implacável por comida. ― Como vocês não tem ao menos um saquinho de batatas? ― indagou incrédulo, vasculhando a cozinha por completo. ― Se você não sabe, acabamos de nos mudar. Fora que, só precisamos de sangue pra nos alimentar. Não imaginávamos que teríamos que ir ao mercado comprar comida pra um bruxo de estimação. ― Bom, ― Parker se vira ― já que sabem que tem um bruxo, por sinal, muito poderoso e charmoso na casa de vocês. Espero ao menos ter uma boa hospitalidade. Então, por gentileza, poderia comprar comida para mim? Se não for cansar a sua beleza, é claro. Parker lança cínico, arrancando um riso indignado de Daina. Ela estava sendo realmente confrontada por aquele bruxinho? ― Eu vou. Mas, não é porque eu gosto de você ou quero facilitar pra você. E sim, porque eu quero a sua magia pra quebrar o elo. Mas, se você tentar se aproveitar das minhas boas intenções, eu não pensarei duas vezes em quebrar o seu pescoço. Daina ameaça e passa por Parker, saindo da cozinha. ― Humpf. Boas intenções? Ela quer é se aproveitar de mim ― cochichou inaudível, mesmo para a audição de um vampiro. [...] Aria caminhava perdida em seus pensamentos quase milenares, escutando Moonlight Sonata de Beethoven em seu fone de ouvido. Por algum motivo, aquela melancólica música relaxava Aria. Ela já havia aceitado as sombras e os demônios que cercavam a sua vida eterna. E, a única razão pela qual ela ainda permanecia vivendo por todos esses longos e miseráveis anos de solidão, partidas e culpa, era o amor que ela sentia por sua irmã. Aria não tinha mais ânimo algum para viver, mas o seu altruísmo, em perceber o quanto a sua irmã ainda via sentido em continuar vivendo intensamente, dava a Aria ao menos um sentido para continuar aqui, mesmo que fosse minúsculo e parecesse ser desvalorizado por sua irmã mais velha. De longe, Aria avistou uma escola, a qual ela já havia estudado. Diferente do que ela lembrava de cem anos atrás, os alunos de hoje pareciam ser donos da própria escola, visto que alguns vandalizam a frente do enorme e histórico prédio. Alguns ônibus estacionavam ao lado da instituição. Uma fileira de alunos saia deles. Aria sempre gostou do ambiente escolar. Ela acreditava que os melhores romances aconteciam lá. Claro que, ela não podia generalizar. Mas, como experiência própria, a maioria dos seus romances sempre eram colegiais. Pois, fora da margem escolar, houveram únicos três romances e que Aria desprezava da sua vida: o incidente de se apaixonar por um caçador de seres sobrenaturais, o seu tão não inofensivo namorado médico, que a entregou para um grupo de lobisomens que odiavam vampiros. E, o maior erro da sua vida. Apaixonar-se pelo namorado da irmã. Um camponês de quando elas ainda eram humanas. Então, definitivamente, ela preferia se envolver com adolescentes. Eles não eram um perigo. Ao menos, os de cinquenta anos atrás, que foi a última vez que ela esteve em uma escola. Aria sente um impacto contra o seu corpo. Alguém havia se esbarrado nela. ― Ei, não fica parada no meio do caminho! ― vociferou uma garota de cabelos curtos e mechas azuis. O grupinho composto por cinco meninas passou por Aria, a encarando f**o. E, bem, se havia um lado r**m de estar no colegial, definitivamente eram as garotas egoístas, egocêntricas e que se achavam populares. E, por um segundo, Aria pensou igual a sua irmã. Quebrar o pescoço daquela garota ou hipnotizá-la para achar que era um sapo. A ultima opção, de fato, seria interessante e engraçada de se ver. Mas, Aria repensa. Ela não queria causar m*l a ninguém. Principalmente, fazendo uso dos seus poderes de vampiro. Ela tentava se sentir um ser humano comum, até o dia que ela estivesse livre e não precisasse mais viver. Apesar, de que todas às vezes que ela precisava se alimentar, ela lembrava drasticamente de que não era humana. Ainda observando a escola, ela se depara com algo assustadoramente interessante. O último aluno a descer do ônibus. Aria logo pensou se estava tendo uma visão ou se estava louca ou paranoica. Mas, como diabos aquilo era possível? Como aquele garoto podia ser idêntico ao camponês por quem se apaixonou?  Sem reação, Aria não consegue pensar em mais nada além de correr até aquele garoto e conferir se ela não estava ficando doida. Aria sabia sobre a teoria de existir ao menos sete pessoas parecidas conosco por todo o mundo. Mas, ela nunca havia presenciado um momento semelhante. Até agora. Acompanhando com o olhar o garoto até o interior do prédio, Aria segue os seus passos a caminho da escola. Ela precisava ter certeza de que não era uma alucinação. E, imagina se a irmã dela descobrisse. Talvez, Daina pudesse finalmente a perdoar. Pois, desde que Gregory morreu, em um acidente que Aria cometeu, se alimentando dele até a última gota, após se tornar vampira, a relação entre as duas irmãs nunca mais foi a mesma. Ela sabia que Gregory e aquele garoto não seriam a mesma pessoa. Mas, talvez, Daina pudesse recomeçar, relacionando-se com alguém fisicamente semelhante ao seu primeiro e, até então, único amor. Aria se depara com um corredor lotado de alunos. Respirando fundo, ela tenta direcionar a atenção das veias pulsantes e seguir o seu caminho. Diferente da sua irmã, que tinha um autocontrole exuberante e invejável em relação ao sangue, Aria não o tinha. Talvez, estivesse ligado à sua aceitação vampiresca. Enquanto Daina aceitou por conta própria o seu estilo de vida atual, Aria se sentia obrigada a lidar com ele. Não conseguindo encontrar a cópia de Gregory pelo corredor, Aria s e dá por vencida. E, se, ela só tivesse visto um cara parecido com ele e nada mais? Isso acontece o tempo todo. Às vezes, achamos alguém parecido com outro alguém, seja através de um ângulo ou alguns traços faciais. Mas, o que incomodava Aria, é que, por um instante, ao vê-lo, ela sentia que havia voltado a quatrocentos e sessenta anos atrás. O sinal toca, avisando aos alunos que começariam as aulas. Decepcionada, vendo o corredor se esvaziar, Aria decide dar meia-volta e voltar para casa, mas, por uma estúpida coincidência, Aria se choca contra o corpo de um rapaz. Aquele rapaz. Era, exatamente isso que Aria adorava em seus livros de romance clichê ― depois dos contos de terror, é claro. Quando ela menos espera, o garoto aparece para ela. Como uma perfeita sintonia do destino. E ela não conseguia acreditar que aquele cara era igualzinho ao Gregory. Cada detalhe. Os olhos em tons marrons. O cabelo castanho desgrenhado. Os lábios perfeitamente delineados. Era como se Aria estivesse vendo uma versão do século XXI de Gregory. Apesar de que ela sabia que, se ele estivesse vivo, o estilo dele seria de um completo bad boy. Com jaqueta de couro, calça justa e óculos escuros. O que era diferente daquele garoto, que usava roupas street style. Calça rasgada. Moletom e tênis esportivo. ― Desculpa por esbarrar em você ― ele retira o fone de ouvido. ― Às vezes, eu me entrego demais aos meus pensamentos e... Acabo esquecendo do mundo real. E era exatamente isso que acontecia com Aria... ― E-Eu quem peço desculpas. Eu virei de repente e... ― Aria não pôde deixar de notar o sorriso gentil nos lábios dele. Era quase... Hipnotizante. ― Acabei... Esbarrando em você ― engole a saliva, envergonhada. ― Não tem problema ― os seus lábios esticam, aumentando a intensidade do seu sorriso. ― É aluna nova, não é? Aluna nova? Aria pensou. Até que não seria uma má ideia, visto que ela amava o ambiente escolar. E, graças ao vampirismo, ela permanecia com a mesma aparência de quando tinha dezenove anos, e facilmente, poderia se passar também por uma adolescente de dezessete anos. ― Isso! Na verdade... Vim fazer a minha matrícula hoje! Aria não hesita e abre um sorriso entusiasmado, fazendo os seus olhos fecharem-se um pouco. ― Que bom! Então, a gente se esbarra por aí, novata. Ele passa por Aria. ― Qual o seu nome? A garota o impede de seguir caminho. ― Thobias. Ele lança um sorriso vibrante, o que causa um arrepio em Aria, e adentra a uma das salas de aula. E, pela primeira vez, depois de anos, talvez, décadas, Aria sentiu aquela velha chama dentro dela reacender. E ela havia gostado de sentir aquela sensação.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD