A cabeça está doendo, meu corpo está todo dolorido. Depois do beijo premeditado com o Samuel, eu fui embora da festa ao som do comunicado da Nicole dizendo que estava grávida. Não ouvi mais o que falaram no microfone e não voltei à festa para conferir se havia escutado certo, mas abri as redes sociais e conferi todos os detalhes do rosto surpreso do Samuel durante a revelação. Eu conhecia bem essa expressão dele e de fato ele foi surpreendido com a notícia e estava feliz. Havia fotos da família alegre, parentes que não conhecia estavam festejando e outros que tanto torceram para que a gente pudesse reatar o relacionamento, estavam com um brilho no olhar, como sequer eu tivesse existido algum dia. A foto do momento em que ele se ajoelhou e colocou o anel no dedo dela foi a mais impactante para mim, porque lembro bem dessa cena acontecendo conosco. Havia uma foto dele beijando a barriga dela com os olhos repletos de lágrimas, e pela quantidade de likes da imagem que viralizou na internet, eu já previa que a linha infantil deles teria aumento as vendas.
Bebi tudo o que consegui naquela noite e chorei. Chorei porque sozinha eu podia assumir que o amava, sozinha eu podia assumir que o queria junto a mim vivenciando tudo o que as fotos estavam me mostrando. Eu poderia ser Nicole, se não a tivesse apresentado a ele, ou se tivesse a tirado do cargo assim que a notei o olhando diferente, ou até mesmo quando flagrei no celular dele uma foto dela bem atraente; eu me coloquei em risco e perdi.
Eu nunca quis ser ninguém que não fosse eu mesma. Tenho orgulho do que construí, tenho tudo o que sempre sonhei, iniciei do zero com um sonho e a vontade de vencer. E mesmo não estando no topo do que tanto almejo, posso afirmar que venci muitas batalhas que para muitos eram impossíveis. Mas nessa noite, eu percebi que perdi uma batalha importante para minha vida. Nessa noite, percebi que não havia mais chances de reatar qualquer que fosse o sentimento com o Samuel. Eu jamais iria destruir um lar, fui criada com tanto amor por meus pais que isso sempre foi o meu ponto forte, ter meus pais unidos e junto a mim sempre foi o que me deu gás para conseguir tudo o que desejei. E ontem pude perceber que o que é meu ponto forte, se tornou meu ponto fraco no desejo pelo Samuel. Sozinha em meu apartamento, na companhia de várias garrafas de vinho, eu pude assumir: eu queria ser a Nicole e ter tudo o que ela está prestes a ter quando disser o sim e quando seu filho nascer.
Me encolho na cama e coloco o despertador do celular no silencioso para tentar dormir mais um pouco, até que minha irmã entra no quarto sem a minha permissão e sai abrindo as cortinas, fazendo com que o sol praticamente me queime de tão forte que está. Pelo visto, já é bem tarde.
— Você nunca atrasou um dia sequer de trabalho e não será hoje o primeiro — ela fala enquanto termina de abrir as cortinas.
— Vá embora e me deixe dormir.
— Todas essas garrafas de vinho, sozinha? Meu Deus! Não sei como não entrou em coma alcoólico.
— Estou enjoada, com sono e com dor de cabeça… Por favor, me deixe dormir.
Escuto-a catando minhas roupas pelo chão e resmungando da bagunça.
— Verônica, é sério. Fecha essa janela — resmungo enquanto jogo um dos travesseiros que estou abraçada na sua direção.
— Sem chances, Srta. Rapunzel. Tem uma empresa à sua espera e reuniões intermináveis para você.
Reviro os olhos e puxo o lençol, me cobrindo ainda mais.
Ela se senta na ponta da minha cama.
— A merda da gravidez acabou com você, não foi?
Não respondo e ela puxa o lençol na altura do meu rosto para ver minha expressão, que já está com os olhos repletos de lágrimas.
— Eu sabia que você o amava, e essa merda toda que você aprontou ontem era na esperança de vocês voltarem.
— Se eu quisesse, ele estaria aqui agora.
— Realmente, teria ele e mais um milhão de Nicoles junto a vocês. Você sabe que ele é um babaca que te traía diariamente. Não iria mudar porque vocês se casariam.
Solto o ar de forma forçada e me sento na cama. O mundo parece girar, minha irmã pega uma água que nem a vi trazer e me entrega junto com um mix de comprimidos.
— Não se culpe por nada. Ele nunca te mereceu, Lorena.
— Sabe, Verônica, ainda não me entendo naquela noite. Eu simplesmente poderia ter deixado para lá e sei lá, as coisas continuariam boas como eram.
— Boas? Ele te traía com qualquer coisa que pudesse andar, não te respeitava, vivia mentindo para você. Pelo amor de Deus, Lorena.
— Mas pensamos tão parecidos, temos vidas parecidas e sei lá, meus sonhos estavam prestes a se concretizar. Aí agora ele está noivo de uma ex-amiga minha, que não entende nada de negócios e vai ser pai. SER PAI! — repito enfaticamente.
— Vocês podem ser parecidos como empresários, mas, como pessoas, vocês são extremamente diferentes. Sem contar que você nunca o traiu. Você sempre foi honesta e verdadeira com ele. E sobre aquela cobra cascavel, ela já estava m*l-intencionada desde o dia que conheceu ele naquele almoço aqui em casa. Lembra? Porque eu lembro muito bem de flagrar ela em um descruzar de pernas bem indiscretas em frente a ele. Falei a você que até eu vi o útero dela, e você disse que era loucura da minha cabeça.
Reviro os olhos novamente, sabendo que ela tem razão.
— Então, Lorena, levanta essa b***a da cama e vai trabalhar. Fazer o que você faz de melhor e tenho certeza que encontrará alguém íntegro para construir uma vida. Inclusive, ser mãe.
— Já sou mãe dos seus filhos. Eles me bastam.
Ela sorriu e me dá um beijo leve na testa.
— Um dia talvez você mude de ideia e será maravilhoso para eles terem irmãos.
— Você não está grávida de novo, não é?
Falo com brincadeiras e ela gargalha.
— Ah, bem que o Mark seria um excelente pai. Mas estou conhecendo ele ainda, vamos ver se vai dar certo.
Ela fala do seu namorado atual com um brilho nos olhos que nunca vi falar em nem um de seus namorados. O Mark é um cara do bem, gosta dos meus sobrinhos e é bem paciente com as loucuras da minha irmã, então eu acredito que dessa vez ela realmente vá se aquietar.
— Só deixa para engravidar quando tiver certeza, ok?
Ela joga um travesseiro no meu rosto com brincadeira.
— Você chegou a ver alguma foto minha com o Samuel? Procurei ontem e não achei! Pedi para a Alice conseguir as imagens, mas, até agora, ela não deu sinal de vida.
— Ela já me disse que você deu um jeito de ser flagrada enquanto beijava o Samuel.
— Ele me beijava — a interrompo, corrigindo.
— Que seja, mas assim como ela, procurei em todos os sites de fofocas e nada de conseguir a imagem. Provavelmente o fotógrafo já deve ter vendido a imagem para a equipe do Samuel. Essa imagem vale muito dinheiro, você sabe disso.
— Eu seria capaz de pagar o triplo.
— Qual o seu objetivo agora com essa foto? — ela me pergunta com uma expressão serena.
— Quero acabar com a Ristretto. Quero que a nossa empresa assuma o topo nas vendas e assim consiga expandir para fora com mais facilidade.
— Ok, a segunda parte eu até entendo e te apoio. Ter a Rapunzel Fortificada no mercado estrangeiro é uma realidade que está próxima de acontecer, e você não precisa que a Ristretto acabe para isso.
Ficamos em silêncio nos observando.
— Qual o verdadeiro objetivo, Lorena? Seja sincera e direta.
Respiro fundo e quando tento falar algo, ela me interrompe.
— Vingança? Você quer se vingar do Samuel, é isso?
Mordo os lábios com força.
— Assuma de uma vez por todas que você o ama e sempre o amou. E você quer vingança pelo o que ele te fez passar.
— É uma vingança profissional e não sentimental. Ele está prestes a construir uma família, então jamais iria usá-la para separá-los. Eu a usaria contra a empresa mesmo. E eu sei que ele, na atual situação, faria o que eu quisesse para manter sua família segura.
Ela se ajusta na cama e em seguida fixa os olhos nos meus.
— Lorena, o que você está prestes a fazer é tudo, menos profissional. Estou com você e vou te ajudar, mas assuma de uma só vez o que está dentro do seu coração, pois se o profissional for afetado de forma negativa, você jamais vai se perdoar por ter se arriscado sem ter certeza do que estava sentindo. Não é de seu perfil transferir a responsabilidade dos fatos por medo.
Ela se levanta da cama e olhando nos meus olhos, finaliza:
— Agora levanta e bora para guerra. Você sabe que eu odeio gente traidora. Simbora fazer eles se arrependerem — ela finaliza, piscando com um dos olhos e saindo do meu quarto.