Capítulo 2

2590 Words
Maitê Martins Pela milésima vez, o meu celular toca, despertando-me do meu profundo sono após uma noite de bebedeira. Solto um grunhido e pego o aparelho sobre o criado-mudo ao lado da cama. A claridade da tela me atordoa por alguns instantes, mas logo noto as sete ligações de Agatha. ― Mas que m*rda... ― Resmungo e sento-me na cama. A minha cabeça pesa, deixando claro os efeitos da ressaca pela noite anterior. Desbloqueio a tela do celular. Haviam centenas de mensagens da ruiva. Provavelmente, ela estava preocupada por eu não ter voltado ao apartamento na noite passada. Mais uma vez, Agatha me liga. Atendo. ― O que foi? ― questiono com a voz ainda um pouco sonolenta. ― Onde você está? Por que não atendeu às minhas ligações? Revirei os olhos ao escutar o mini surto da ruiva. Ontem à noite ela não estava preocupada comigo, quando me largou para tr*nsar com um cara desconhecido. ― Eu estava muito bêbada pra voltar ao apartamento. E acabei dormindo em um dos quartos da boate. ― Como assim?! ― sua voz estronda através da ligação. ― Agatha... O que deu em você? ― repreendo a sua atitude. ― Desculpa! É que... Eu estou me sentindo culpada por te incentivar a ficar com aquele cara de ontem à noite ― suspira. ― Me desculpa, de verdade! Acho que sou uma péssima amiga. Pelo amor de Deus, que drama todo era aquele? ― Agatha... Eu não tô te entendendo. ― Amiga, eu não pude reconhecer na hora, mas... Aquele cara é o Eros. Todo mundo na região que conhece ele teme aquele cara! Ele é o dono da boate. E há boatos de que ele comanda o mercado de tráfico de narcóticos. Fora que... A fama dele entre as mulheres não é uma das melhores. Tudo pra ele não passa de apenas um joguinho de sexo. Ele é manipulador, frio, egoísta e... só liga para o próprio prazer! “Próprio prazer”? Não foi o que pareceu ontem. ― Amiga, fica longe dele! Ele é um cara de muito poder. Se ele cismar contigo... Você vai ficar em um beco sem saída! Intrigada com as alegações da ruiva, resolvo dar ouvidos a ela. De qualquer modo, eu sabia que não o veria novamente. ― Tá! Entendi! E, de qualquer forma, você me conhece. Sabe que eu não me envolvo com ninguém. Mas, enfim, eu preciso desligar. Tenho que ir na minha casa buscar as minhas coisas. Minha mãe não me quer mais lá. ― Está bem. Te amo, amiga. ― Também amo você ― encerro a ligação. Levanto-me da cama e sigo ao criado-mudo, à procura da aspirina. E, por um instante, parecia que eu estava revivendo o mesmo momento da noite anterior. A gaveta repleta de vibradores. E logo aquela sensação gostosa da noite passada retorna à minha cabeça. Mas eu não podia perder o meu tempo pensando naquela cena. Ela ficou no passado, e agora eu tinha que correr de volta para casa, antes que a minha mãe decidisse jogar todos os meus pertences na rua. [...] Desço do Uber, que estaciona atrás de um carro esportivo parado em frente à minha casa. Solto um suspiro. Aquele carro só podia ser de mais um dos ricaços que a minha irmã trazia para cá. Se ela queria fazer programas, deveria procurar um bordel. Ajeito a alça da minha bolsa e sigo até a casa. A porta estava entreaberta, então, só a empurro. ―... E ele é um cara bem educado. Acho que você deu sorte agora, filha. Minha mãe vibrava, animada, conversando com a minha irmã na sala. O olhar de ambas me aborda, incomodadas com a minha presença. ― Eu vim pegar as minhas coisas. ― Aviso e elas desdenham. ― Acho que vou comprar um celular novo, mamãe ― Gabriela diz e se joga no sofá, puxando um pouco o minúsculo e apertado vestido vermelho que realçava os seus p****s fartos. Ela sempre o usava para impressionar os caras com quem saía. ― Deve! Você agora tem dinheiro, então, pode fazer o que quiser. Acabo deixando um riso escapar ao ouvir o argumento da minha mãe. O dinheiro não era dela. E sim, dos caras com quem ela saía. ― Algum problema? ― minha mãe indagou, estupefata. Encolho os ombros, não dizendo nada. ― Você deveria ser igual a sua irmã e fazer algo. ― Enfatizou. Era engraçado que eu quem sustentava a casa, mesmo que não fosse um dos melhores trabalhos, ainda assim, era eu quem não deixava que o proprietário nos expulsasse daqui. ― Agir feito uma p*****a e ser bancada por homens? Não, obrigada. ― Forcei um sorriso. Sem estender a conversa com elas, por saber que resultaria em uma futura discussão agressiva, direciono os meus passos ao andar de cima, indo a caminho do meu quarto. Eu cataria todas as minhas coisas e sairia o mais rápido possível daqui. Eu não tinha para onde ir, além da casa de Agatha, mas se eu conseguisse finalizar o meu trabalho o quanto antes, conseguiria grana o suficiente para comprar uma casa e passar um longo tempo afastada da vida de matadora de aluguel. Alcanço uma mala preta de porte médio em cima do guarda-roupa e a trago para cima da cama. Deslizo o zíper pela lateral e emociono-me ao enxergar o interior dela. Haviam algumas recordações do meu pai, fotos e cartas que eu havia escondido. Houve uma época em que a minha mãe teve um surto e queimou tudo o que lembrava ele, inclusive, o sofá mais confortável que já tivemos. Então, restou apenas papeis. Respiro fundo, tentando me recompor e espantar as lembranças sobre o meu pai, eram como se fossem kryptonitas para mim, pensar nele me deixava vulnerável e enfraquecida, e em meio a tanta confusão em minha vida, deveriam ser as últimas coisas a serem sentidas. Recolho todas as minhas roupas, se elas ainda podiam ser chamadas assim, e as coloco dentro da mala, em cima das lembranças de meu pai. Olhar para todas aquelas peças desgastadas, me fez lembrar que eu precisava urgentemente de novas. A minha mala estava quase pronta. Eu não tinha muita coisa, o que se tornava vantajoso ao saber que eu não precisaria de uma segunda mala. Agora, só faltava colocar o meu par de tênis e a minha escova de dentes, cujo a mesma estava no banheiro do quarto. Segui até a segunda porta branca e ao aproximar a minha mão da maçaneta cor de ouro envelhecido escutei o som da descarga do banheiro soar. Quem poderia estar lá dentro? O tal ricaço que estava com a minha irmã? Mas por que diabos ele está usando o banheiro do quarto? O banheiro principal fica bem ao lado. Logo imagino que eles poderiam ter dormido juntos e provavelmente a imagem que eu teria dele seria de um homem seminu, e eu não estava a fim de ver aquela cena. Me posiciono para recuar, mas a porta se abre antes que eu possa virar de costas. Instantaneamente os meus olhos se encontram com os dele. A expressão em meu rosto estava completamente em choque e foi quase impossível não soltar um palavrão. ― M*rda. Os seus lábios se curvam em um sorriso lateral ao ouvir o meu xingamento. De todos os homens que eu esperava encontrar naquele banheiro, Eros era o último deles. E logo a ficha cai. O cara com quem eu estive na noite passada, é o mesmo que está tr*nsando com a minha irmã. Que nojo! ― Pelo seu espanto, acho que você não esperava me encontrar aqui. A sua voz soou ainda mais sexy do que eu lembrava, mas eu estava enojada demais para me sentir seduzida. ― Na verdade, você era o último homem que eu esperava encontrar neste banheiro. ― Eu também não esperava encontrá-la aqui. Esta é a sua casa? ― Não mais. E você poderia me dar licença? Preciso pegar algo no banheiro. Eros ocupava todo o espaço da porta. ― Desculpe. Ele se afasta para o lado e eu consigo passar. Sigo até o balcão do banheiro e pego a minha escova de dentes da cor verde sobre o suporte e em seguida retorno para o quarto. Eros ainda permanecia ali, ele parecia realmente surpreso em me encontrar naquele lugar. O olhei de relance ao me aproximar da minha mala. Ele estava com a mesma roupa da noite anterior, a diferença era que haviam mais botões fechados em sua camisa. Eros parecia ter estagnado no centro do quarto, com os braços cruzados e o olhar fixo em mim. O seu rosto estava expressivo. A testa enrugada e as sobrancelhas levantadas. Ele não vai sair? ― questionei a mim mesma. Franzi o cenho, permanecendo a olhá-lo de relance, esperando que se tocasse de que eu queria que ele saísse. Mas, pelo visto, ele não percebeu, então, tive que ser um pouco mais clara. ― Você poderia sair, por favor? ― arqueei as sobrancelhas. Eros, então, se toca e assente. O atraente homem deixa o quarto, permitindo que eu retorne a ficar sozinha. Neguei com a cabeça, encarando a cena como uma das mais absurdas possíveis. Volto a focar em minha mala e espanto aquele homem da minha cabeça, eu precisava sair daqui o quanto antes. Depois de um tempo, eu já estava pronta para ir embora, chamaria um táxi e voltaria ao apartamento de Agatha. Com os meus saltos agulha, descer as escadas com uma mala, não foi uma missão fácil, mas finalmente eu estava pisando em uma superfície plana. Mamãe, Gabriela e Eros estavam na sala, ambos olharam para mim assim que pisei no chão. Gabriela estava sentada no colo de Eros, as mãos dele apalpavam as coxas da minha irmã enquanto ela o abraçava pelo pescoço. E mamãe estava sentada na poltrona ao lado deles, observando contente a cena. ― Estou indo ― avisei e mais uma vez fui desdenhada, com exceção de Eros que permaneceu olhando para mim. Havia algo naquele homem que me incomodava, eu ainda possuía a sensação de que eu o conhecia de algum lugar, e parecia que ele tinha a mesma sensação que eu, o que ia além da noite na boate. ― Eu também preciso ir ― ele disse, o que arrancou um grunhido de Gabriela. ― Não, amorzinho, está cedo ainda. ― Ela disse com uma voz manhosa. ― Eu preciso trabalhar, meu amor. Eu te vejo mais tarde. Gabriela o beija ardentemente e aquela cena, sem dúvidas, embrulha o meu estômago. Desvio o olhar e sem dizer mais uma palavra, viro-me de costas para ir embora, mas escuto a minha mãe falar comigo antes que eu saísse. ― Para onde vai, Maitê? Depois que ela me expulsa de casa, decide perguntar se tenho um lugar para ir? Abro um sorriso em deboche. ― Para um lugar bem longe daqui ― murmuro. Não olho para trás e sigo caminho para fora da casa, aproximando-me do meio-fio. Eu precisava de um Uber para chegar ao apartamento de Agatha, então, entro no aplicativo de transportes, mas antes que eu pudesse solicitar pelo serviço, a minha atenção é puxada institivamente para a BMW M8 azul em minha frente assim que o alarme do carro ecoa repentinamente. Uma gatinha cinza havia desequilibrado da árvore e caído bem em cima do capô do carro. Eu jurei que o meu coração sairia pela boca. Apesar de achar gatos adoráveis e considerá-los seres altamente evoluídos, eu não me sentia confortável em estar tão próxima de um. Provavelmente estivesse ligado ao trauma que eu carregava desde os meus nove anos de idade, quando eu tive o meu rosto inteiro arranhado por um gato de rua. ― Eu não imaginava que gatinhos fossem o seu ponto fraco. Eros se coloca ao meu lado, desativando o alarme do carro. Com o canto dos olhos, o observo. Franzo o cenho e fico em silêncio. Eu não queria trocar nenhum tipo de contato com ele, mesmo que fossem míseras palavras. Retorno a atenção ao meu celular, eu precisava urgentemente de um Uber. ― Se quiser, eu posso te dar carona. Esta região é um pouco perigosa demais para ficar sozinha por muito tempo com tantos pertences. Arqueei as sobrancelhas. Por que eu tinha a sensação de que ele estava querendo, de alguma forma, se aproximar de mim? Será que a razão se relacionava à noite anterior? Se sim, ele estava muito equivocado. ― E por acaso eu estaria segura com você? ― desta vez o olho. ― Eu não te conheço. Eros sorri. ― Mas isto não te incomodou nem um pouco na noite passada. Estreito os olhos, olhando acirradamente para ele. ― Olha, o que aconteceu ontem, ficou no passado. Não tenho interesse em reviver um momento parecido com você. Que isto fique bem claro. A minha arrogância diverte Eros. ― Eu não estou interessado nisso. ― Os seus olhos se chocam contra os meus. ― Mas há algo que eu quero de você. Enrugo a testa um pouco confusa. Eros aproxima lentamente a sua boca do meu ouvido. ― Eu sei o que você faz, Maitê Martins. E não é um trabalho honesto. Sinto o seu sorriso contra a cartilagem da minha orelha. ― Como sabe quem eu sou? ― indaguei estupefata. Eros se afasta, voltando para sua posição anterior. ― Acredito que mesmo que você diga que não me conhece, a sua amiga ruiva já deve ter dito quem eu sou. E eu sei que você é esperta, e sabe como é fácil para mim, conseguir informações. ― E o que você quer de mim? ― Quero que trabalhe comigo. A sua resposta quase me faz engasgar no meu próprio riso. ― Eu trabalho sozinha. Mais uma de minhas respostas arranca um sorriso lateral de Eros. ― Eu sei que você precisa daquele dinheiro. E sejamos honestos, é uma quantia muito boa. Para mim, não faz diferença alguma, mas já para você... Acredito que significará muito. E trabalhando juntos, os dois saem ganhando. Travo o maxilar, um pouco enfurecida. Eu realmente precisava daquela grana. Mas, espere um momento, como ele sabia que eu tinha uma quantia alta para receber? Apesar de recolher informações sobre o meu trabalho, os meus alvos sempre ficavam em sigilo. Não tinha como ele saber. Mas logo a ficha cai. ― Você! ― minha voz estronda. ― Agora eu lembro de você! Na noite passada, eu tinha certeza que já havia te visto em algum lugar, e agora eu lembro. Foi você quem c*gou o meu trabalho! ― digo furiosa. ― Não, apenas tivemos o azar de estarmos no mesmo lugar e na mesma hora para fazermos a mesma coisa, linda ― ele sorri. ― Você é um idi*ta! Fica fora do meu caminho! ― Perdão, linda, mas eu tenho um acerto de contas com ele, não dá para abrir mão disso para outra pessoa. Ou você está comigo, ou está contra mim. ― E se eu não quiser estar contigo? ― Então, eu lamento informá-la, mas terá que encontrar um outro comprador de seus serviços. Eros me lança um sorriso e segue em direção ao seu carro, abrindo a porta do motorista, mas antes de entrar, ele volta a olhar para mim. ― Mas pense nisso. Se mudar de ideia, saberá onde me encontrar. Você só terá o que ganhar trabalhando comigo. Eros se despede com o seu típico sorriso lateral e entra no carro, dirigindo para longe. Agora, eu me encontrava completamente estupefata.
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