PARTE 2

3137 Words
**** Dois meses depois... O acordo de Flávio e Beatriz a respeito da adoção estava ocorrendo tranquilamente. Eles pesquisavam diariamente a respeito da adoção no Brasil e a cada busca, mais dúvidas iam surgindo, fazendo com que a decisão fosse sempre adiada. Beatriz tentava não pensar na possibilidade de Flávio desistir da ideia, mas aquele pensamento sempre permeia sua mente a fazendo focar cada dia mais no trabalho. Depois de uma cansativa reunião sobre a transferência da empresa para seu nome, ela senta em sua cadeira, abrindo o notebook em mais um site a respeito de adoção. Então seu telefone toca, aparecendo o nome de Flávio no visor.  — Oi, amor – atende Bee, curiosa para saber o que fez seu marido ligar no meio do expediente.  — Olá, Beatriz– diz Flávio, sério — Que tal almoçarmos juntos? Preciso conversar com você.  — Sobre a adoção? – pergunta Beatriz, preocupada.  — Sim –responde Flávio — Eu tenho de ir, nos falamos no almoço.  — Te amo – responde Bee desligando o telefone. Por mais que não quisesse pensar, os sinais para ela estavam claros: Flávio não queria mais adotar a criança. Desde a forma como ele disse seu nome, até o convite do almoço. Ela fica olhando o relógio de sua sala marcar as horas, lentamente, enquanto pensa no que dizer a Flávio. Aquela seria a primeira vez que iria contra ele. Não queria fazer isso, mas ela já tinha plena certeza de que queria um filho e nada a faria mudar de ideia... Nem mesmo o Flávio. E se a minha escolha destruir o meu casamento? Deus queira que não, pois lutarei com unhas e dentes pelo meu filho, pensa Beatriz, séria.  — Beatriz – chama Gislaine entrando na sala — O Flávio chegou. Disse que está esperando lá embaixo.  — Obrigada – agradece Beatriz sorrindo. Ela arruma sua pasta e caminha até o lado de fora, pensando em todos os argumentos que tinha. Assim que chega à rua encontra Flávio de terno segurando um buquê de azaléias vermelhas. Ele sorri e entrega as azaléias para Bee que as cheira observando a expressão tranquila de Flávio.  — Oi, estranho – cumprimenta Beatriz beijando o marido, ainda com uma pontada de dúvida.  — Olá, estranha – responde Flávio. Ele se afasta e abre a porta do carro para a esposa entrar — Vamos, temos muito que conversar.  — Temos? – pergunta Beatriz entrando no carro.  — Temos – responde Flávio no banco do motorista — Espero que não tenha compromisso para hoje, pois a nossa conversa vai demorar.  — Flávio, você sabe que eu odeio esses seus mistérios –comenta Beatriz, irritada — Então vai falando logo o que tem para falar comigo, ainda mais se é sobre a adoção.  — Bom... –começa Flávio respirando fundo — Esses dois meses foram bem cruciais para o assunto... Tenho muitas dúvidas e tenho certeza que muitas nunca serão sanadas... Além da pesquisa não ter dado a certeza que eu preciso para esse passo tão importante... Então Bee...  — Olha, amor – interrompe Beatriz, nervosa — Eu sei que está pensando em desistir...  — Bee... Eu... – começa a dizer Flávio dirigindo o carro.  — Antes que diga o que eu já tenho certeza que dirá– alega Beatriz — Flávio eu também estou com medo de tomar esse passo. Eu sei que as nossas vidas irão mudar e que não temos todo controle que deveríamos ter. Eu sei que essa criança, por mais que nós podemos escolher os traços, poderá não se parecer conosco... Sei também que a sua família poderá fazer pouco caso do nosso filho, por ser adotado, bem como minha mãe fará. Sei que teremos muitas dificuldades depois que tomarmos essa decisão. Mas eu também sei que será um pai maravilhoso e que vai ensinar o nosso filho a ser um homem de bem. Ele pode não ter o nosso sangue, mas terá o nosso amor e isso é maior que tudo. E se mesmo assim você desistir, saiba que eu não irei. Meu filho está me esperando em algum lugar e com ou sem você, vou encontrá-lo. Então se vai pular fora, pule. Flávio encosta o carro sem responder a Beatriz que o encara com seus olhos arregalados. Segura o máximo o choro por ter dito aquelas palavras e pela expressão de Flávio, ela tinha acertado em cheio.  — Fala alguma coisa, Flávio – pede Beatriz. Ele desce do carro e caminha até o lado dela abrindo a porta — Diz qualquer coisa...  — Desça do carro – ordena Flávio, sério.  — O quê? Por quê? – pergunta Beatriz, nervosa — Se você pensa que eu vou descer do carro para você me deixar na rua sozinha...  — Beatriz, Desça do carro que nós já chegamos – informa Flávio, irritado. Beatriz desce e para ao lado de Flávio. Olha para a rua e não vê nenhum restaurante, na verdade é só uma rua cheia de prédios comerciais. Flávio bate a porta do carro e se vira para Beatriz dizendo:  — Bee, eu amo muitas coisas em você e não mudaria quase nada... Mas essa sua mania de tentar ler os meus pensamentos e adivinhar as minhas decisões... Irrita-me consideravelmente– ele se aproxima e vira Beatriz para o prédio atrás deles — Eu já tomei a minha decisão: Está na hora de nós termos o nosso filho. Na fachada do prédio está escrito: Vara de Infância e Juventude da comarca do Rio de Janeiro. **** Assim que entraram no edifício encontraram com Carlos, advogado da família de Flávio que os aguardava.  — Olá, Flávio – cumprimenta Carlos. Ele estende a mão a Beatriz, cumprimentando — Olá, Beatriz.  — O Carlos veio junto para caso de termos alguma dúvida dos termos judiciais da adoção – explica Flávio — Nós vamos hoje apenas ver o que precisamos para adoção e depois começarmos a ir atrás de tudo o que for preciso, tudo bem?  — Tudo ótimo – responde Beatriz emocionada em ver que tudo está se realizando. Não demora muito e são atendidos pela funcionária do fórum que os recepciona atenciosamente.  — Os documentos necessários para adoção são esses – explica a atendente entregando uma folha —Será preciso fazer também uma petição, preparada por um defensor público ou, no caso de vocês, um advogado particular, para dar início ao processo de inscrição para adoção no cartório. Só depois de aprovado, que os nomes serão habilitados a constar dos cadastros local e nacional de pretendentes à adoção. Após habilitados, irão fazer um curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção. Após comprovada a participação no curso, vocês serão submetidos à avaliação psicossocial com entrevistas e visita domiciliar feitas pela equipe técnica. O resultado dessa avaliação será encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância. A partir do laudo da equipe técnica da Vara e do parecer emitido pelo Ministério Público, o juiz dará sua sentença. Com o pedido acolhido, seus nomes serão inseridos nos cadastros, válidos por dois anos em território nacional. A Vara de Infância avisa o pretendente que existe uma criança com o perfil compatível a vocês. As outras etapas são explicadas no decorrer do processo, tudo bem?  — Obrigada por nos ajudar – agradece Beatriz pegando a folha e saindo com Flávio.  — Então... O que estava dizendo sobre pular fora? – pergunta Flávio segurando na mão da esposa.  — Desculpa – pede Beatriz, sem graça — É que... É um passo importante e achei que tinha ficado com medo.  — Bee, nenhuma decisão que eu tomar será maior ou mais importante do que a escolhi: amar você. Então prometa que vai tentar controlar esse seu nervosismo. Imagina o quão doido o nosso filho vai ficar se toda vez que ele ficar indeciso você bombardeá-lo com perguntas e decisões precipitadas.  — Tudo bem, irei me controlar – promete Beatriz. **** Três meses depois... Os meses que se seguiram passaram praticamente voando aos olhos de Beatriz e Flávio. Depois de entregarem os documentos necessários e a petição que foi aprovada, eles passaram pelo curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção. No primeiro encontro, Beatriz, Flávio e mais nove casais se reuniram, foi solicitado quais temas queriam discutir com o grupo e expor seus conflitos e confusões de forma natural. No segundo encontro, abordaram o perfil das crianças a serem adotadas, suas expectativas e também foram confrontados com a realidade das crianças abrigadas no país. No terceiro encontro, abordaram os aspectos relacionados ao processo de adoção na perspectiva legal. A dinâmica escolhida foi a da caixa temática, que leva, em seu interior, papéis como “nova lei da adoção”, “abandono”, “o ato de adotar”, “os tipos de adoção”, “segredos”, “motivações”, “revelação”, “perfil das crianças abrigadas”, “destituição de poder familiar”, “habilitação”, “aval dos candidatos” e “devolução de crianças”. No quarto encontro, mobilizaram as fantasias inconscientes dos participantes sobre o adotar. A cada encontro mais Beatriz e Flávio conheciam a realidade de dar um lar para uma criança, além dos cuidados envolvidos no processo de adoção. E como isso os uniu para falar a respeito de muitas questões como os medos sobre a origem da criança, a importância deles na formação da identidade da criança e o posicionamento dos familiares nessa decisão. Após concluírem o curso, ficou confirmada à avaliação psicossocial que seria realizada através de visitas e entrevistas. Apesar de todos do grupo que participaram demonstrarem preocupação com essa fase, o que mais preocupa a Beatriz e Flávio são outras questões:  — O nosso filho pode ter sido gerado por alguém que usa drogas? – pergunta Flávio, analisando as decisões que precisam tomar para traçar o perfil da criança que se tornaria filho deles. Ele se ajeita na mesa da cozinha enquanto analisa com calma a situação — Filho de um i*****o? A gente vai considerar crianças que foram violentadas fisicamente...  — Temos que ver também a questão da idade: Eu quero um menino maior de seis anos, você concorda? – pergunta Bee, remoendo sua unha.  — Por mim tudo bem. Raça? – pergunta Flávio.  — Indiferente para mim – responde Beatriz — E para você?  — Depois do curso, concordo com você – responde Flávio.  — Nosso filho pode ter doenças tratáveis – afirma Beatriz, pensativa. Então ela coloca as mãos na cabeça — isso é muito difícil... Sei lá, a gente escolhendo... Parece um catálogo.  — Eu sei amor – concorda Flávio abraçando Bee — Mas é necessário para eles definirem melhor o perfil e reduzir as chances de rejeição.  — Eu sei... Mas ainda é estranho – diz Beatriz, triste.  — Amor, vai dar tudo certo– garante Flávio dando um beijo na testa de sua esposa. **** Beatriz e Flávio estão sentados na sala de espera do fórum, aguardando para a entrevista com a assistente social.  — Será que vai demorar muito?– pergunta Bee, impaciente, olhando para o relógio que ela jura ter parado de funcionar quando marcou 1 h.  — Amor, a nossa entrevista é às 14 horas – alega Flávio — e nós chegamos 12h30.  — Mas foi para evitar o trânsito – explica Beatriz encarando o relógio.  — Bee, se continuar olhando assim para o relógio é capaz dele fugir da parede de medo.  — Então vamos repassar as perguntas – sugere Beatriz olhando para Flávio que sorri balançando a cabeça — O que foi?  — Bee, a gente acabou de combinar que iríamos só falar a verdade, do que viesse de dentro do nosso coração... Concordamos que essa é a melhor estratégia...  — Eu sei... Mas não faz m*l analisarmos algumas perguntas, as respostas continuarão sendo verdadeiras – alega Beatriz.  — Okay, Beatriz –rende-se Flávio — Pergunte.  — Como nós pretendemos educar o nosso filho? –pergunta Beatriz, séria.  — Não sabemos...  — Como assim? Você não pode dizer isso para ela – exclama Beatriz, irritada.  — Mas amor é verdade. Não temos a menor ideia de como educar uma criança – argumenta Flávio — Ou você tem? Se tiver, por favor, diga.  — Você está certo – concorda Beatriz mordendo os lábios, conformada. Na verdade, os dois estavam morrendo de medo de perguntas difíceis, e ainda mais daquelas em que envolvia a educação e segurança da criança. Assim que a porta da sala da assistente social abriu, os dois deram as mãos, nervosos. Logo em seguida surgiu uma mulher de cabelos loiros presos em r**o de cavalo. Veste um belo blazer verde-musgo, ela sorri para os dois e diz:  — Boa tarde, meu nome é Denise e sou a assistente social que acompanhará vocês.  — Boa tarde – diz Flávio se levantando junto com Bee.  — Você deve ser o Flávio. .Se não se importa Beatriz, começarei a entrevista com ele e depois farei com você. E ao final com os dois. Flávio beija a mão de Bee e a solta caminhando em direção à sala. Tudo o que Beatriz poderia fazer é rezar. ****  — Beatriz, sente-se – pede Denise apontando para a cadeira. Assim que Beatriz senta, pergunta — Beatriz, eu gostaria de saber de você: Por que decidiu adotar?  — Bom, nós dois decidimos porque nós sentimos que estávamos prontos para termos um filho e construir uma família.  — Vocês podem ter filhos naturais?– pergunta observando Beatriz.  — Não, na verdade eu não posso. Tive... Falência ovariana precoce aos 21 anos– revela Beatriz tentando não chorar — Então essa é a forma que eu encontrei de ter o meu filho.  — Mas sabe que existem outros métodos que podem até mesmo gerar um filho com as características de ambos e ser o filho biológico de vocês, como é o caso da barriga de aluguel? Vocês tentaram ou pretendem tentar outros métodos?  — Sabemos, mas não queremos outros métodos – responde Beatriz.  — Por que adoção? – pergunta Denise.  — Porque nós desejamos que o nosso filho entendesse a situação desde o começo, quero interagir com meu filho e explicar para ele toda a situação. Eu quero amar o meu filho e que ele me ame sabendo que o que nos une é o amor e que nada mais importa. Não quero que ele ignore seu passado e nem fingir que não existiu, mas sim mostrar que há chance de melhorar. É por isso que nós escolhemos a adoção.  — Como foi a sua infância? –pergunta Denise.  — Muito boa. A minha infância foi tranquila, meus pais eram amorosos e... Eu não tenho nada de r**m que me lembre na infância.  — Como é a sua família?  — Unida, hoje eu tenho só a minha mãe... Mas a minha família foi sempre muito unida. Meu pai foi um homem incrível. E graças ao modelo de pessoa que ele era não pude querer ninguém menos do que o Flávio que está me dando uma família.  — Obrigada, Beatriz – agradece Denise se levantando. Ela vai até a porta e diz — Flávio entre. Flávio entra com a expressão curiosa e senta ao lado de Beatriz que sorri para ele. Denise senta novamente e sorri para os dois.  — Agora vamos para a parte do casal. Como vocês se conheceram?  — Essa história é longa – comenta Flávio sorrindo — Dá para escrever um livro. Conhecemo-nos quando éramos crianças, nossas famílias tinham certa ligação.  — Interessante – diz Denise — E quando vocês começaram a se relacionar? Contem a história de vocês.  — Bom, ele foi o meu primeiro beijo... – começa Beatriz olhando para Flávio sorrindo — Eu tinha seis anos e o malandrinho nove...  — Tentamos ficar juntos várias vezes, mas algo sempre acontecia e nos separávamos...  — Então eu me casei e quando me separei...  — Fisguei essa sereia no mar... Convidei-a para ir ao Cairo...  — Eu fui né... Como recusar o convite dele...  — Então nos aproximamos na viagem e começamos a nos envolver...  — Meu processo de divórcio já estava rolando...  — Só que o ex dela sofreu um acidente...  — Então voltei, cuidei dele e...  — Acabei sendo precipitado e terminando tudo...  — Eu fui atrás dele até Londres... Fui ao restaurante...  — E você acredita que ela achou que eu estava noivo da minha amiga...  — Voltei para o Brasil... Separei-me... Fiz minha vida... Abri a Decor...  — Eu foquei no trabalho... Dei meu apartamento para a Janet...  — Participei do parto da Janet... Mas não me encontrei com ele... Devolvi o anel para a outra amiga dele...  — Então eu decidi armar um plano com os meus amigos... E ela caiu como um patinho...  — Ele estava me esperando no meu antigo apartamento...  — Quando ela disse que aceitava... Foi a melhor coisa que me aconteceu... Até hoje.  — Parabéns pela linda história – diz Denise — Quando se casaram?  — Dois anos depois – responde Flávio sorrindo — Ela ficou me enrolando, pois sabia que eu me casaria no mesmo dia...  — Apesar de nos conhecermos há muitos anos – explica Beatriz — Não conhecíamos nada um do outro. Então achei melhor conhecer o Flávio direito antes de casar...  — Pois é, mas ela conheceu e amou e aceitou casar comigo... E estamos casados tem um ano, não é mesmo?  — É sim – responde Beatriz.  — Ótimo – diz Denise — Agora preciso saber se traçaram o perfil da criança que desejam.  — Então... A gente conversou bastante – começa Beatriz apertando a mão de Flávio. Ela se vira para Denise — Nós queremos um menino.  — Raça é indiferente, mas a faixa é de sete aos 12 anos.  — Aceitam irmãos, gêmeos ou com algum grau de parentesco?  — Assim... Desejamos um só, certo? – responde Beatriz olhando para o Flávio.  — Sim, mas caso apareça somente crianças irmãs, gêmeas ou parentes, nós aceitamos. – completa Flávio.  — Mas a preferência é um só – reforça Denise anotando — Interessante o perfil de vocês. Muitos casais escolhem crianças caucasianas, do s**o feminino com até dois anos.  — Isso é bom?– pergunta Beatriz.  — Todo ato de adotar é, mas casos de vocês são poucos dignos de elogios – explica Denise — Nos próximos três dias irei visitar a residência de vocês, tudo bem?  — Ótimo – diz Flávio feliz.  — Perfeito – completa Beatriz sorrindo.  — Então estamos combinados– determina a assistente social e se levantando. Ela cumprimenta o jovem casal — Prazer em conhecer os dois e até breve. Assim que saíram da sala foram consultar quando seria a entrevista da psicóloga e souberam que seria daqui um mês, deixando a ansiedade permanecer dentro dos dois.
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