Cercada

1136 Words
Iniciei o dia seguinte com a notícia de que as duas reuniões que eu teria com as empresas tinham sido canceladas e precisei de todo o meu controle emocional para não jogar nada na parede. - Outros investidores? - Perguntei esperando por qualquer ideia de Lúcio. - Nesse segmento, não. Podemos tentar outros, mas levaria mais tempo… - Não temos tempo. A empresa consegue se manter apenas esse mês sem atrasar as entregas. - Ele assentiu. - Você viu a proposta da B-Química? - A pasta azul marinho estava intocada na minha mesa, e eu a ignorei veementemente. Olhei para ela e desviei o olhar. - Não. E talvez você me ache imatura por isso, mas eu não quero o investimento deles. - Aconteceu algo mais depois, certo? - Ele estava perguntando sobre o meu sumiço de ontem. - Sim, ele me ameaçou quando eu disse que não poderíamos fazer negócio. - Lúcio fez uma expressão surpresa. - E eu coloquei ele no lugar dele depois que ele me chamou de desesperada. - Nossa, as coisas pareciam intensas mesmo mais cedo.- Olhei para ele, provavelmente com cara feia. - Como assim intensas? - Questionei falando mais brava do que eu gostaria. - Quando vocês começaram a conversar, o clima mudou. Eu imaginei que tinha relação com o gerente dele, mas depois percebi o olhar de desafio de um para o outro… - Pelo visto, temos problemas um com o outro. - Conclui, sem detalhar os motivos. - Mesmo com problemas, você deveria olhar. - Encarei ele incrédula. - Eu não disse que deve aceitar, mas analise e quem sabe isso abra sua cabeça para outras soluções. - Fiquei com aquela frase na minha cabeça um tempo depois que o Lúcio saiu da minha sala e me pus a trabalhar, afinal mesmo que tivéssemos pouco tempo, as coisas precisavam sobreviver até lá. A pasta chamava a minha atenção a todo momento e eu estava começando a ficar incomodada com ela largada ali na minha mesa. Depois de algumas horas e algumas reuniões, finalmente abri a proposta da B-Química. Era uma proposta simples, aumentando o valor de investimento de 2 para 3 milhões, com o prazo que eu estabeleci e com mais algumas considerações deles. * Prestação de contas dos investimentos quinzenais. * Prioridade em todas as rodadas seguintes de investimentos. * 2 anos de contrato fixo, sem nenhum outro investidor no negócio. E duas condições que mais me chamaram a atenção: * Participação societária de 60% em nome de Emily White * Participação societária de 5% em nome de Marcone Bittencourt Levantei a cabeça incrédula, encarando a parede na minha frente. Li de novo, para ter certeza que eu havia entendido. Ele queria me tornar sócia no papel da minha própria empresa e comprar uma parte dela, em nome dele, o nome físico? O que ele queria com aquilo? Ele se tornar sócio fazia sentido, ele teria dividendos no caso do projeto dar muito certo, mas eu me tornar sócia majoritária de uma empresa que seria minha herança no futuro não ajuda ele em nada, apenas atrapalhava. Afinal, eu assinaria se isso acontecesse, as decisões seriam minhas. Fechei a pasta e tentei ver por outras perspectivas e não consegui. Fiquei completamente intrigada com aquilo. Se a ideia dele era me deixar confusa e pensativa, bem, isso ele teve sucesso. O telefone me tirou dos pensamentos, tocando na minha mesa. - Sim? - Sr. Bittencourt na linha, para a senhorita. - Respirei fundo. - Diga que estou em reunião. - Ele sabe que não está, ele mesmo disse isso. - Então diga que não posso falar, que estou ocupada. - Ele disse que diria isso, e que ele virá aqui pessoalmente se não atender. - Me tira uma dúvida? - Claro. - Ana parecia com sono. - Você é minha secretária ou dele? - Da senhorita. - Então resolva, não vou falar com ele agora Ana. - Desliguei, me arrependendo imediatamente da grosseria gratuita. Eu já tinha tido uma primeira conversa com ela, sobre energia e disposição, e isso deu resultado no primeiro dia. Depois ela voltou ao comportamento de antes. Suspirei. Eu não deveria ter sido tão grosseira. O telefone tocou novamente. - Ana, me desculpe. - O que você fez para precisar pedir desculpas? - A voz de Marco soava divertida do outro lado da linha. - Agora, ela passou uma ligação que eu não queria atender. - Suspirei e fiz uma nota mental de matar a Ana em breve. - Quero saber, o que achou da minha proposta. - Objetivo e sério, esse era o Marcone empresário. - Audaciosa. Mas fora da realidade. - Achei que ficaria encantada… - Tirei o telefone da orelha e respirei fundo de novo. - O que você quer mais? - Que você suma. - Eu ia desligar e ouvi ele dizendo. - Se desligar, vou ai. - Encostei o telefone na orelha de novo. - Fale Marco. - Eu não seria educada, eu não seria cordial. Ele me ofendeu e eu colocaria limites. - Tenho muito interesse em trabalhar com a White novamente. Sempre acreditei no potencial de crescimento e agora finalmente tenho a oportunidade de colaborar com isso. - Não tem. Essa oportunidade deixou de existir quando você começou a distribuir ordens e determinações, como se fosse o dono do mundo. - “Eu tenho dinheiro e o poder.” Eu não esqueceria aquelas palavras nunca. - Desculpe se fui inflexível com você. - O tom de voz dele se abrandou. - Eu perdi a cabeça e usei o que tenho. Fui um… - Inescrupuloso? Convencido? Arrogante? Prepotente? - Listei os xingamentos que pensei na última hora. - Eu ia dizer que fui um toloo… Mas esses adjetivos cabem muito bem. - Ele suspirou e eu me mantive quieta. - Eu misturei as coisas Emily, naquele momento eu estava pensando em como te manter por perto. - E esse é o problema. Você é capaz de usar do seu dinheiro e poder para ter qualquer coisa. Mas entenda de uma vez por todas, eu não sou uma coisa. - Eu cuspi nele os meus sentimentos. - Eu sei. - Ele se limitou a responder. - E sua proposta é generosa, e acho que até um pouco burra. Mas ela não é a minha primeira opção, porque eu posso estar desesperada, mas sou inteligente o suficiente para não me vender para você. - E desliguei o telefone, tirando do gancho em seguida. Ele agiu como se eu fosse rastejar aos pés dele, teve uma atitude de merd4 e acha que um pedido de desculpas resolveria? Ele não era mesmo a minha primeira opção. Peguei meu celular e digitei uma mensagem para o Jonas: Tenho uma proposta de um investidor irrecusável na minha mesa neste momento, o que vocês farão?
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