*Fatos que constam em Luigi...
8 anos antes do casamento
Robert Murray observava o rio calmo à sua frente, com os pés descalços afundados na areia fria. A pequena casa que havia mandado construir na Ilha Guertrudes era seu refúgio, um lugar onde finalmente poderia desfrutar de sua tão sonhada aposentadoria. Ele se retirou dos negócios, entregando o controle para seu herdeiro, Glauco, e dedicava seus dias à simplicidade da vida ao lado de sua esposa, Orla. O som das águas do rio e a brisa suave eram a trilha sonora de seus últimos anos, enquanto aproveitava a companhia de sua família, especialmente do filho Teseu, que havia voltado para casa.
Mas a paz era um luxo que não durava para homens como Robert Murray. Ele havia passado a vida lidando com sangue, vingança e poder. Sabia que, cedo ou tarde, o passado voltaria a cobrar seu preço. E, quando a notícia chegou, foi como um golpe certeiro.
Washington e Áurea Salermo haviam sido brutalmente assassinados em frente à própria casa, um ataque que trazia a assinatura inconfundível dos Hoffa. Robert sentiu o impacto como se um punho invisível tivesse acertado seu estômago. Washington, o menino que ele viu crescer, tornara-se um bom homem, um amigo, alguém em quem confiava. Ver seu nome na lista de vítimas era um lembrete c***l de que a guerra nunca realmente termina.
Ele decidiu deixar a tranquilidade da ilha e voltar a Dublin, sentindo o peso do dever mais uma vez sobre seus ombros. A guerra sangrenta entre os Salermo e os Hoffa havia retornado com força total, e ele sabia que, se não agisse, o ciclo de vingança não teria fim.
Ao chegar à mansão dos Salermo, Robert foi recebido por Agnes, a matriarca da família. Seus olhos, outrora cheios de vida, estavam apagados, afogados em tristeza e raiva.
— Robert — disse Agnes com um aceno leve, conduzindo-o até a sala de estar. — Faz muito tempo que não nos vemos. Soube que se casou novamente, meus parabéns.
— Casei. Orla ficaria encantada de te receber em nossa casa na Ilha Guertrudes.
— Ilha Guertrudes? Soube que William morreu, que o d***o o tenha.
— Sim. Um de seus filhos tomou o poder e fez um trabalho magnífico.
— Só de ter matado o crápula que era seu pai, já tem todo o meu apoio. Agora diga, o que você quer, Robert? Tenho que chorar meus mortos.
— Lamento profundamente pela sua perda.
Agnes se sentou em uma poltrona de veludo, com as costas retas, observando o rosto sério de Robert enquanto ele tomava o assento à sua frente. Seus olhos estavam brilhando, mas ela não deixaria as lágrimas caírem na frente dele. Ela agradeceu, mas a pergunta que vinha a seguir foi carregada de uma dor misturada com raiva:
— E o que você vai fazer, Robert? Diga que vai exterminar até o último Hoffa da face da terra. Eu quero vingança pelas mortes de meu filho e minha nora. — Sua voz era firme, mas seus dedos se contorciam no colo, tentando manter o controle.
Robert suspirou profundamente. Ele sabia que aquela seria a questão mais difícil de toda a conversa, mas também sabia que não podia dar a resposta que Agnes queria. Ele estava ali para evitar que mais sangue fosse derramado, não para incentivar mais violência.
— Eu vim aqui não para prometer vingança, Agnes, mas para pedir que as mortes parem — começou Robert, olhando diretamente nos olhos dela. — Estamos lidando com essa guerra entre os Hoffa e os Salermo há cinquenta anos. Desde a morte de Alec Hoffa nas mãos de Frederic Salermo, por conta de uma mulher, as famílias têm vivido em um ciclo interminável de vingança. Precisamos de paz...
Agnes ergueu uma sobrancelha, e o rosto antes cordial agora exibia uma tensão nítida.
— Paz? — ela quase cuspiu a palavra, como se fosse algo amargo. — Meu filho foi morto, Robert! Minha nora foi desfigurada. E você quer que eu simplesmente aceite isso? Que eu finja que tudo está bem? Meus netos... Meus netos estavam no banco de trás do carro... Eles poderiam ter morrido, duas crianças, e você quer paz?!
— Não estou pedindo que finja que nada aconteceu — respondeu Robert com calma, mas com firmeza. — Eu entendo sua dor. Eu perdi pessoas também ao longo desses anos. Mas já se passaram cinco décadas desde a primeira morte, Agnes. Quantos mais precisam morrer antes que isso termine? Essa briga começou por uma questão de orgulho, não por justiça. Alec morreu porque Frederic estava apaixonado por sua noiva. Foi um crime de paixão, mas vocês transformaram isso em uma guerra sem fim.
Agnes se inclinou para frente, seus olhos faiscando de indignação.
— Você pode estar cansado de mortes, Robert, mas eu não estou! Eu sou a mãe de um homem assassinado a sangue frio. E eu juro a você: enquanto eu viver, meus netos vão se vingar. Rômulo e Remo não descansarão até o último Hoffa cair.
Robert fechou os olhos por um momento, lutando contra a frustração crescente. Ele tinha esperado por isso. Sabia que Agnes seria inflexível, mas não podia deixar aquela obsessão continuar.
— Agnes, eu ainda sou o líder desta organização e não estou aqui para discutir com você. Eu estou aqui porque te considero uma amiga. Todos esses anos, eu fiz vista grossa para essa briga inútil de vocês, mas agora chega! — Robert se levantou, indo até a janela e observando o jardim do lado de fora. — E, por mais que você ache que a vingança vai trazer alívio, ela não vai. Apenas prolongará o sofrimento. Você deveria saber bem disso. Perdeu seu marido, primos e amigos para essa guerra i****a.
Agnes levantou-se também, a voz começando a tremer de emoção.
— Eu vivi para ver meu filho ser enterrado antes de mim! Você não pode me pedir para deixar isso para lá.
Robert virou-se para encará-la novamente, seu rosto duro, mas seus olhos demonstrando compreensão.
— Digo e repito: isso é uma ordem. Sem mais mortes, sem desaparecimentos, sem pessoas caindo de precipícios "sem querer". E vamos ser sinceros aqui, a única que sairia no prejuízo seria você. Neste momento, você está em desvantagem, não tem um líder. Seus netos são duas crianças. Os soldados de sua família podem ser leais, mas jamais vão aceitar ordens de uma mulher, muito menos ordens que vão de encontro às minhas. Se eu souber de um único incidente de qualquer das partes, eu mesmo vou exterminar as duas famílias.
Robert saiu de casa sem olhar para trás.
Agnes olhou ao redor da sala; o vazio era quase insuportável. As lembranças de seu filho pareciam estar em todos os cantos. A dor da perda era tão profunda que lhe tirava o fôlego. Sem conseguir conter as lágrimas, ela se deixou afundar em sua tristeza. A casa, que antes parecia um lar, agora era apenas um monumento ao luto.
Enquanto as lágrimas rolavam por seu rosto enrugado, ela ouviu passos leves se aproximando. Rômulo e Remo entraram na sala em silêncio. Os olhos dos meninos, tão jovens, estavam cheios de dor e preocupação. Eles sabiam o quanto a perda de seu pai havia devastado sua avó.
— Vovó... — sussurrou Remo, ajoelhando-se ao lado dela. — Estamos aqui.
Rômulo, sempre o mais forte e controlado dos dois, colocou a mão no ombro da avó, tentando oferecer algum consolo.
— Não precisa ser forte o tempo todo, vó — disse ele, com a voz rouca pela emoção.
Agnes, mesmo em meio às lágrimas, sentiu o carinho dos netos, mas o vazio que o filho deixara era insuportável. Ela olhou para os dois meninos e, sem dizer uma palavra, abraçou-os com força. As lágrimas deles se misturaram às dela, e por alguns momentos, o silêncio foi tudo o que puderam compartilhar. A dor era imensa, mas juntos, eles encontraram um fio de força para seguir em frente, mesmo sem saber como.
Naquele abraço, estavam unidos pelo luto e pela saudade, com a promessa silenciosa de que, apesar de tudo, teriam uns aos outros.