— Você não precisava deixar a sua família para ficar comigo. — Eu digo, sentindo as lágrimas voltarem para os meus olhos com força. Soluço, enquanto ela pula em meus braços, me agarrando.
— Eu precisava, sim. — Giulia responde, apertando-me com mais força. — Porque você é a única pessoa que se importa de verdade comigo. Você está a pouco tempo na nossa família, é verdade, mas é minha irmã agora e eu preciso ficar com a família que realmente se importa.
Ela me solta e sorri, colocando a cesta sobre a cama. Há uma delicadeza em seus movimentos, um contraste absoluto com a brutalidade que parece reger a família Di Tempesta.
— Abre o presente. — Ela diz, os olhos brilhando com um entusiasmo infantil.
Eu seco os olhos com as costas das mãos e me sento ao lado dela. Dentro da cesta, há uma caixa delicadamente embrulhada em papel vermelho com um laço dourado. Olho para ela, hesitante.
— Vai, Tate, abre logo!
Respiro fundo e puxo o laço. O papel rasga facilmente, revelando uma caixa preta com o logotipo de uma câmera fotográfica gravado em dourado. Meu coração para por um momento.
— É uma...
— Câmera. — Ela termina por mim, sorrindo largamente. — Meu avô pediu que eu entregasse a você. Ele disse que soube que fotografia era algo que você gostava, então... aqui está. Ele ficou chateado de não poder entregar pessoalmente, mas entendeu que Hades não é uma pessoa muito... sociável, ainda mais quando Giovanni está presente.
Segurei a caixa nas mãos, ainda sem acreditar. Meu peito se enche de uma mistura de gratidão e tristeza. Era um gesto tão inesperado, tão humano, em meio ao caos que minha vida havia se tornado.
— Eu não sei o que dizer...
— Não precisa dizer nada. Só precisa usar. Ele disse que quer ver o que você consegue capturar com ela.
Um sorriso pequeno, mas genuíno, escapa dos meus lábios. Coloco a câmera de lado e abraço Giulia novamente.
— Obrigada, de verdade.
Ela ri baixinho.
— Agora abre o meu presente.
Ela pega uma segunda caixa da cesta, menor, mas igualmente bem embrulhada. Meu peito aperta, imaginando o que ela poderia ter feito por mim.
— Não precisava...
— Não me faça te mandar abrir.
Sorrio e r***o o papel. Dentro, encontro um álbum de fotos vazio, com a capa de couro gravada com meu nome. Abro o álbum, e na primeira página está uma fotografia de nós duas, tirada há algumas semanas, quando estávamos no jardim.
— Achei que poderia começar com algo especial. Não é muito, mas...
As lágrimas voltam, mas dessa vez são de emoção genuína.
— Eu... eu não mereço você.
— Merece, sim. — Giulia segura minha mão. — E vou continuar lembrando disso até você acreditar.
Ela me abraça com força e eu demonsto sobre ela, pensando em como seria bom ter tido uma irmã. Como seria bom ter tido uma família completa e que se amasse. Como seria bom ter sido amada como Giulia faz com que eu me sinta.
***
Giulia se afasta do abraço e bate palmas, o sorriso travesso iluminando seu rosto.
— Certo, chega de choradeira! — Ela anuncia, cruzando os braços. — Temos um trabalho muito importante pela frente.
— Trabalho? — Pergunto, confusa.
Ela aponta para a cesta grande demais que ela trouxe, onde vejo ingredientes cuidadosamente organizados: farinha, açúcar, manteiga, ovos, e até pequenos tubos de glacê colorido. Além de outros potes de doces prontos.
— Vamos fazer biscoitos de Natal. — Ela declara, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Dou uma risada, balançando a cabeça.
— Giulia, eu não faço biscoitos desde... sei lá, nunca.
— Então hoje é o dia perfeito para começar. — Ela responde, determinada. — Vamos lá, não temos tempo a perder.
Giulia me puxa pela mão até a cozinha enorme da mansão, um espaço que raramente uso, mas que agora parece cheio de vida com ela ali. Ligamos uma música baixa, algo reconfortante que preenche o silêncio e nos envolve em uma bolha de tranquilidade.
— Ok, chefe. O que fazemos primeiro? — Pergunto, tentando parecer animada.
— Primeiro, colocamos a farinha na tigela. — Ela responde, pegando o saco de farinha e despejando uma boa quantidade. — Depois o açúcar... não, espera, acho que é a manteiga antes.
— Você tem certeza de que sabe o que está fazendo? — Pergunto, rindo.
Ela me lança um olhar fingido de indignação.
— Tate, confie em mim. Fiz biscoitos a vida inteira... Bem, talvez umas três vezes, mas o que importa é a intenção!
Acabo rindo ainda mais e me junto a ela na bagunça que começa a tomar conta da cozinha. Em pouco tempo, há farinha no balcão, no chão, e até no meu cabelo. Giulia também não escapa: seu nariz agora está branco, e ela tem um sorriso travesso no rosto.
— Cuidado com isso! — Exclamo quando ela tenta me atingir com um punhado de farinha.
— Cuidado você! — Ela rebate, estourando uma nuvem branca no ar.
O som das nossas risadas ecoa pela cozinha enquanto misturamos os ingredientes, moldamos os biscoitos em formas desajeitadas e colocamos as bandejas no forno.
— Isso parece horrível. — Comento ao olhar para os biscoitos crus.
— Parece, mas vai ficar delicioso. — Ela diz, confiante.
Enquanto os biscoitos assam, Giulia pega o glacê e começa a fazer desenhos em uma folha de papel para praticar.
— Você é boa nisso. — Comento, admirando os padrões delicados que ela cria.
— É a única coisa que minha mãe me deixava fazer quando criança. — Ela diz, sua voz repentinamente mais suave. — Era o único momento em que eu podia ser... normal. E depois que tudo aconteceu, piorou.
Toco sua mão, querendo confortá-la.
— Agora você pode ser normal o quanto quiser, pelo menos, enquanto estiver na minha casa.
Minha casa. Soava tão estranho. Tão esquisito. Não me sentia dona disso aqui.
Quando finalmente tiramos os biscoitos do forno, eles estão meio tortos, alguns até queimados nas bordas, mas o cheiro é maravilhoso.
— Acho que são... únicos. — Digo, segurando um biscoito com formato indefinido. — Nós somos confeiteiras horríveis.
— São arte moderna. — Giulia responde, rindo. — E eu achei o máximo.
Sentamos no chão da cozinha com uma bandeja de biscoitos entre nós, decorando-os com glacê, confeitos e pequenos toques de criatividade. Alguns têm corações, outros estrelas, e um deles é apenas um borrão multicolorido que Giulia chama de "arte abstrata".
— Isso foi divertido. — Digo, mordendo um biscoito e sentindo o gosto doce e reconfortante.
.
Pela primeira vez em muito tempo, sinto que o peso no meu peito diminuiu. Talvez o Natal não seja tão triste, afinal.