Sempre que chegam novas detentas na prisão onde está encarcerada há mais de trinta anos, a senhora Evelyn Monterrey sempre conta a história de como tinha pego quarenta anos de prisão na França. E a mesma jura de pé junto que aquilo havia acontecido realmente.
Alguns meses antes de se casar com o sargento Ferraz Monterrey, Evelyn começou a ter um sonho repetido, onde ela estava deitada em um jardim de bromélias. Esse sonho era tão real, mas tão real, que dava até mesmo para sentir o gostoso perfume das raras e caríssimas flores. Ao longe também dava para se ver uma enorme mansão com detalhes do século XIX.
Às vezes ao invés de ficar no jardim, ela entrava na enorme mansão e sentia certa familiaridade com o local. Nessa mansão ela tocava os objetos e era cumprimentada pelos funcionários, que a conheciam muito bem pela expressão de cordialidade que se apresentavam. Tudo era perfeito até que uma mulher de expressão louca lhe golpeava o abdômen com um punhal e ela cambaleava até o lado de fora, onde aparecia um corcel n***o e se lançava contra ela.
Aquele sonho começou a se repetir todas as noites e ela sempre acordava no auge do pesadelo, onde era golpeada no abdômen e depois pisoteada pelo cavalo. Mas apesar de no final ele sempre terminar assim, Evelyn gostava da parte onde ficava no jardim de bromélias, entrava na mansão e era cumprimentada cordialmente pelos funcionários.
Dois meses depois de começar a ter os estranhos sonhos repetitivos, Evelyn se casou com o sargento Ferraz. A festa foi uma comemoração memorável para ambas as famílias. Eles decidiram passar a lua-de-mel nos arredores de Bordeaux, na França, onde alugaram um carro e passeavam quase todos os dias pela cidade. Porém, num belo e ensolarado dia de sábado, eles foram conhecer as famosas mansões de Bordeaux e pasma com o que estava vendo, Evelyn deu de cara com a mansão que sempre aparecia em seus sonhos. Ela pediu que seu marido parasse o carro e mesmo com o carro ainda em movimento, ela saltou e correu até a mansão.
- Evelyn, espere! – disse Ferraz, seu marido.
- Meu Deus, Ferraz! Olhe isso: é tudo como eu sempre lhe falava dos meus sonhos.
Ela estava absolutamente sem acreditar no que estava vendo, pois era tudo igual. Até mesmo o jardim de bromélias e o perfume que ele exalava eram idênticos ao sonho. Evelyn não se conteve e resolveu bater na porta da mansão. Quem apareceu foi uma velha que lhe pareceu familiar, e as duas sentiram um fortíssimo choque emocional ao se encontrarem.
- Não posso acreditar... – falou atônita a anciã – É você!
A velha começou a chorar. Evelyn olhava para a decoração da casa e reconhecia tudo por causa de seu sonho. Mas o que realmente lhe chamou a atenção foi um enorme quadro na parede em cima da lareira. Quando ela perguntou quem era, a velha falou que Evelyn era semelhante à sua enteada Sofia, que morrera a quase trinta anos, pisoteada por um cavalo.
- Sofia faleceu poucos meses após o falecimento de seu pai. Ela ficou numa tristeza enorme e um dia saiu correndo de dentro de casa, não viu a carruagem da família chegando e foi pisoteada pelo próprio corcel de estimação.
Evelyn achou estranho ouvir a velha falando do cavalo, mas em seu sonho ela sentia um golpe de punhal no abdômen, antes de ser pisoteada pelo animal. Quando foi perguntar pelo golpe, a velha a agarra por trás, tentando sufocá-la. Ela repetia coisas absurdas, principalmente algo sobre a herança de seu falecido marido. Ela a chamava de bruxa, de v***a e de ter pactuado com o demônio para voltar dos mortos e ter vindo tirar o que era dela por direito.
- Sua maldita! Você não vai ficar com nada! Tudo isso aqui é meu por direito! Mandei-te pro inferno uma vez e vou te mandar de novo! Sua mimada maldita!
Evelyn conseguiu jogar a velha para trás, que caiu, mas logo se levantou e correu para uma escrivaninha que havia na sala. Lá ela abriu a pequena gaveta e retirou um punhal. Assim que Evelyn viu a arma na mão da velha, ela se lembrou da parte do sonho onde recebia a punhalada e deduziu que a velha havia matado a enteada, apenas para ficar com toda a herança. A velha, olhando para Evelyn com uma expressão de ódio, partiu para cima da mesma, para tentar acertá-la com o punhal. Só que ela conseguiu desviar do primeiro golpe, tomou o punhal das mãos da velha e num movimento de puro reflexo, golpeou-a no pescoço, perfurando-lhe a jugular.
- Sua... Maldita... É... Tudo... Meu!
A velha cambaleou até a porta da mansão, caindo desfalecida na escada, na frente de Ferraz e do mordomo da mansão, que estava do lado de fora, conversando com ele. Assim que viram a velha, correram para dentro e encontraram Evelyn com o punhal na mão direita, ainda pingando sangue. Seu vestido também estava totalmente sujo do sangue da velha.
O mordomo, irredutível com a cena, chamou a polícia e Evelyn foi presa. Ele testemunhou contra ela no tribunal e mesmo com um dos melhores advogados de Bordeaux trabalhando em sua defesa, ela foi condenada a quarenta anos de prisão onde cumpre até hoje e continua contando essa mesma história para todas as novatas que chegam ao presídio. O mordomo herdou toda a herança da velha e entregou o quadro para Ferraz, que o conserva em cima de sua lareira até hoje, onde fica admirando-o e contando os dias para voltar a passear pelas ruas de Bordeaux, com sua amada.