A mata era sua única opção de fuga.
Eusebio se embrenhou em meio a penumbra, mesmo sentindo a dor aguda no ombro, do tiro de raspão que Sabiá o atingiu. Ao longe ele podia ouvir os gritos de Heitor a sua procura...e ele sabia que se não atravessasse o rio, os cães da fazenda o encontrariam.
Almerinda não conseguia controlar o nervosismo, e piorou ainda mais quando Heitor entrou na casa grande, e a encontrou na sala principal.
_Foi você?_ Ele apontou em sua direção. Almerinda recuou para trás, ao ver a expressão de furia do filho_ ME RESPONDE!
_Que gritos são esses?_ Mercedes desce as escadas apressada, e Maura a seguiu_ O que está acontecendo?...meu amor...
Ela tenta tocar no marido, mas sua mão é empurrada.
_Eu quero ouvir de você_ Mais uma vez ele aponta para Almerinda _ Deu ordem ao Eusebio...para abusar dela?
Mercedes olhou para a sogra com olhos arregalados.
_Não sei do que está falando_ Almerinda diz indiferente, mas Maura viu a mentira em seus olhos_ Você enlouqueceu, Heitor, acha mesmo que uma mulher como eu, seria capaz de me unir com empregos para...
_Seria. Disso e muito mais.
_Alguém pode me dizer o que está acontecendo_ Mercedes insistia em ser ouvida, mas Heitor nem sequer olhava para ela.
_Não acredito em você_ Ele segurou Almerinda pelo braço a sacudindo, fazendo Mercedes e Maura gritarem seu nome_ O QUE FOI QUE ELA FEZ, QUE TE AMEAÇA TANTO?
_ME SOLTA!_ Almerinda puxa o braço do contato do filho _ Sou sua mãe, exijo..
Heitor jogou o vaso de flores no chão, fazendo as três mulheres saltarem.
_EU TE ODEIO! Você não é minha mãe, não te reconheço como uma.
Ele da as costas e anda até a saída, e as três o seguem.
_Heitor_ Mercedes o chama_ Heitor, volte aqui...você não vai ver aquela mulher _ Mas ele continuava andando a passos largos. Alguns peões estavam assistindo toda a confusão_ HEITOR! VOLTE AQUI _ Ele sobe no cavalo e Mercedes se coloca a frente do animal _ VOCÊ NÃO VAI! EU PROIBIDO VOCÊ...
O cavalo levanta ficando em pé, fazendo Mercedes cair para trás no meio da grama. Heitor galopa para longe, deixando a esposa caída no chão.
Não levou muito tempo para chegar no roseiral. Ele saltou do cavalo e correu para dentro da casa, mas foi barrado na entrada.
_O que faz aqui_ Estefânia o encarou_ Já não a fez sofrer o bastante? Vai embora!
_Por favor Estefânia, preciso vê-la... conversar com ela.
Ele seria capaz de se ajoelhar se fosse preciso.
_Minha filha não quer ver você, e já deixou isso muito claro.
Vendo que a mulher não o deixaria passar, Heitor entrou mesmo não sendo convidado. Estefânia o seguiu chamando por seu nome, mas ele já havia aberto a porta do quarto de Júlia.
Júlia ficou paralisada ao vê-lo ali, parado na porta a olhando. Ele, o causador de toda a sua desgraça, o mesmo que a levou até o céu, e ao inferno logo em seguida.
_Sai daqui _ Júlia tentou se levantar, mas Heitor entrou no quarto e segurou em seus ombros a impedindo de se levantar _ Não toque em mim...NÃO TOQUE EM MIM! Ela o empurrou_ Você não tem o direito...
_Me perdoe...por favor, me perdoe_ Mas para Júlia, aquelas palavras não tinha mais valor algum. Heitor se ajoelhou aos pés da cama e mais uma vez tentou toca-la_ Eu sinto tanto...tanto_ E então ele desabou, sua cabeça se curvou para frente, e seu choro fazia seu corpo inteiro sacudir_ Me odeie o quanto quiser, mas por favor...me deixe concertar...
Júlia mantinha seu olhar fixo na parede em branco. Ah se ele soubesse, que nada do que ele fizesse consertaria o que houve naquela noite.
_Eu suportei todas as humilhações, eu engoli cada insulto da sua mãe_ Suas palavras eram carregadas de angústia e ódio_ Me calei quando ela subornou meus clientes a não fazerem negócios comigo...mas isso... isso não dá pra suportar_ O soluço escapou de seus lábios_ E sabe o que é pior? Você não estava lá, em nenhum daqueles momentos de humilhação, você estava...você me abandonou a minha própria sorte, Heitor...e hoje você também não estava lá.
Júlia se afastou o máximo que pode, sentindo repulsa.
_Nunca mais pise nessa casa, nunca mais volte a me dirigir a palavra, me considere morta_ Heitor levantou a cabeça e encontrou o olhar duro de Júlia em sua direção _ Porque essa noite, eu morri...a Júlia que você conheceu, morreu naquele roseiral.
_Não...meu amor...
_Você ouviu minha filha _ Heitor se virou. Estefânia segurava a espingarda nas mãos, apontadas diretamente para o peito de Heitor_ Vá embora, e não coloque nunca mais seus pés aqui.
Heitor limpou as lágrimas, e olhou para Júlia. As lágrimas desciam por sua pele delicada, que agora estava machucada, mas ela não o olhava...apenas estava perdida no vazio.
_Sua esposa deve estar esperando por você_ Júlia diz friamente_ É melhor voltar logo.
Mesmo estando sobre a mira da espingarda, Heitor beijou o alto da cabeça de Júlia.
_Eu vou sempre amar você...
E então ele se retira.
Se passaram duas semanas desde o acontecimento daquela noite. Ninguém no povoado de São Miguel ficou sabendo do abuso e da surra que Júlia sofreu, apenas ficavam curiosos sobre o desaparecimento repentino da moça.
Os dias perdidos de trabalho infelizmente pesaram para Júlia. O dinheiro que ela estava juntando para os remédios da mãe, foram usados para pagar a mensalidade da escola de Lúcia...fazendo sua mãe ficar sem os medicamentos.
Foi num fim de tarde, que Lúcia voltando da escola, encontrou a mãe desmaiada no chão de casa. Ela correu até a estufa gritando para a irmã, e Júlia e Sabiá levaram Estefânia para o hospital do povoado.
Santiago estava fazendo seus exames de rotina, quando esbarra com Júlia no corredor do hospital.
_Boa tarde _ Ele a cumprimenta. Júlia se vira, e ele pode ver algo de diferente nela.
_Boa tarde_ Ela diz com a voz um pouco arrastada.
Santiago olhou para os papéis que ela segurava em mãos.
_Soube de sua mãe_ Júlia desviou o olhar_ E também sei que não tem condições de mantê-la aqui.
_Isso não é da sua conta, senhor Monterrubio_ Júlia o encara_ Deveria cuidar da sua própria vida!
Ela tenta passar por ele, mas Santiago segura em seu braço.
_Seu orgulho vai acabar matando sua mãe, garota. Não percebe que pode resolver sua situação?
_Me casando com você_ Santiago apenas olhava em seu rosto_ Minha resposta não vai mudar.
Santiago a solta.
_Então cave uma cova bem funda no seu roseiral, porque é lá que vai enterrar a sua mãe.