Clarissa
Sei que ele age como um i****a na maior parte do tempo, mas eu não posso ser uma ingrata, não foi assim que minha mãe me criou.
Minha mãe, sempre que penso nela me sinto triste, sou da área da saúde, sempre nos sentimos m*l quando perdemos um paciente, mas quando não conseguimos salvar a vida de um ente querido, essa, essa sim é uma dor da qual a gente não consegue se livrar nunca mais, uma impotência que nos assombra para sempre.
Sempre pensei em estudar medicina para ser cirurgião, mas fico pensando se conseguiria lidar com a perda, as vezes já é bem complicado quando estou cuidando de um paciente e ele se vai, então imagino como poderia ser se fosse alguém na minha mesa de cirurgia se eu conseguiria continuar.
Meu pai não conseguiu ficar muito mais, ele desistiu depois que ela partiu, se entregou, os dois se amavam tanto...
Bem, agora eu sou só, não tenho mais ninguém, pensei em desistir, ah como eu pensei, mas sei que eles não gostariam disso.
Coloquei o bolo no forno, do jeitinho que minha mãe fazia, era o melhor bolo do mundo inteiro, e por mais que eu sempre tente fazer igual, nunca está perfeito.
Levei para o meu vizinho, eu não deveria ter falado com ele do jeito que falei, preciso me desculpar por isso e também agradecer pela ajuda que ele me deu.
E o mais engraçado de tudo isso, é que nós nem nos apresentamos, eu só sei o sobrenome dele. – Ele é estranho. – Dei um sorriso. – Mas no fundo parece legal... e eu não costumo me enganar com as pessoas. – Meu pensamento me levou até minha antiga casa... – Talvez uma vez, mas ainda era jovem.
Desde que meus pais se foram acostumei a ficar sozinha, e também peguei o hábito de falar sozinha, muito estranho, talvez, mas é como eu me sinto bem agora.
Fiz a cobertura do bolo, e tomei um banho enquanto deixei tudo esfriando, mas só de pensar em ir até lá e ver ele novamente já me sentia nervosa. – Ah céus. – Me troquei e fui, sem pensar demais, se pensasse eu não iria, me faltaria a coragem.
Assim que ele abriu a porta, fiquei mais uma vez b***a com a beleza, eu tenho mesmo um vizinho muito gato.
Quando ouvi sua voz, os pelos do meu pescoço se eriçaram, estou parecendo uma adolescente novamente, mas quem poderia me culpar, além de ele ser lindo faz um bom tempo que eu não sei como é estar com alguém, e essa combinação é bastante perigosa.
Tentei ser rápida para não incomodá-lo demais, sei bem que ele não é meu maior fã, e não é para menos, nas vezes em que nos vimos em duas eu como a desastrada que sou acabei cometendo erros.
Fui para o hospital ainda pensando nele, não quero ter um m*l relacionamento com meu vizinho, no andar só tem o meu apartamento e o dele.
Passei alguns meses morando de aluguel até encontrar o lugar perfeito para mim, e agora que encontrei não quero ter problemas.
– Srta. Martins, hoje mais cedo uma pessoa veio aqui te procurando. – Me procurando? – Pela sua cara não deve imaginar quem seja.
– Eu sou nova aqui, não conheço ninguém na cidade, não sou muito de sair. – Achei muito estranho, meu coração começou a martelar forte no peito.
– Não esquente a cabeça, pode ter sido um paciente agradecido, ele deixou flores, eu as coloquei na sala de descanso em um vaso improvisado. – Sorri agradecida, eu sou um pouco paranoica mesmo, estou bem longe de casa, e não tem ninguém que eu me comunique.
– Muito obrigada. – Eu ainda não falo com muitas pessoas, mas já me simpatizo bastante com algumas.
Passei o dia cuidando de meus pacientes, de um lado para o outro, sem parar para quase nada, a correria do pronto-socorro é bem-vinda, embora seja bastante cansativa. – Srta. Martins, sei que você é bastante empenhada, mas se sentar por alguns minutos não te fariam m*l, e não atrapalharia, é um ser humano, não uma máquina, tem algumas limitações.
O Dr. Pierce apareceu de repente atrás de mim. – Ah, oi doutor, eu estava de folga, consegui descansar bem, e se eu ficar parada acabo me sentindo um pouco mais cansada, prefiro estar em movimento. – Respondi alegremente.
Sabe aquele momento em que você pensa “Por que?” esse foi o meu momento de perguntar, por que ser tão desastrada... eu não esperava que ele fosse estar tão perto de mim, esbarrei em seu corpo quando virei rápido demais, e voltei para trás de uma vez.
O doutor até
Tentou me segurar, mas a queda foi mais rápida, não teria nenhum problema a queda, se eu não estivesse com alguns instrumentos cirúrgicos e o bisturi não tivesse aberto um belo corte no meu antebraço. – “d***a!” – Ele se aproximou de mim rapidamente, o sangue já estava escorrendo rapidamente.
– Isso vai precisar de pontos, sinto muito, isso foi culpa minha. – Ele me ajudou a levantar. – Vamos, vou fazer a sutura, e vou te levar para casa. – Eu ia dizer que não precisava, mas ele se adiantou antes de eu dizer algo. – Meu plantão está finalizando, não vai me atrapalhar em nada.
Eu não sabia onde colocar a cara, olhava para todos os lados da sala do doutor, menos para ele. – Eu acho que ainda dá para ficar aqui depois que estiver com os pontos. – Eu não queria ficar em casa.
– Nem pensar, depois que a anestesia passar isso vai começar a incomodar bastante, vou te dar algum tempo de atestado, já disse que não é uma maquina, precisa de repouso. – Suspirei profundamente. – Imagino que não goste muito, mas é necessário.
Ficar em casa vai ser um tormento, eu detesto não ter o que fazer e ficar sozinha por muito tempo, a enfermagem é maravilhosa para mim nesse caso. – Doutor, por favor, o mínimo possível de tempo está bem? Não precisa se incomodar em me levar, eu pego um taxi.
– Eu faço questão. E isso não está em discussão. – Ele disse antes que eu pudesse protestar.
Fui ensinando o caminho do prédio e mantendo uma conversa leve e agradável.
Ele me ajudou a descer do carro, e pegou meus pertences. – Te levo até seu apartamento, eu carrego suas coisas. – Sorri agradecida.
Meu braço já estava começando a incomodar, ele pegou os remédios que eu precisaria, mas sei que não vou lembrar de tomar, só quando começar a doer, cuido muito bem dos meus pacientes, mas de mim mesma eu sou uma negação.
Ele me acompanhou até meu andar, e quando eu estava pegando as chaves dentro da bolsa, meu vizinho m*l humorado abriu a porta do apartamento dele. – Chegou... – Ele parou de falar assim que viu o Dr. Pierce.
– Ah, oi... o bolo estava bom? – Tentei puxar assunto já que os dois homens começaram a se encarar de um jeito muito estranho.
– Olá, como vai? – O doutor ofereceu a mão para o meu vizinho, mas ele apenas olhou, o rosto duro e tão frio que poderia congelar o deserto.
Eu pigarrei e ele olhou para mim. – O que aconteceu com você? – Seus olhos se arregalaram quando viram o sangue nas minhas roupas, nem mesmo uma troca eu tinha levado, trouxe para lavar a que estava no hospital e não levei uma reserva. – Você está bem?
– Sim, eu só acabei me machucando, então como eu não conseguiria dirigir, o doutor me trouxe em casa. – Não sei o motivo, mas senti necessidade de explicar a situação para ele.
– Era minha obrigação, isso tudo foi culpa minha. – Eu não sei como ele consegue mudar as feições tão rapidamente, entre olhar para mim e olhar para Pierce seu rosto mudava drasticamente.
Fiquei olhando de um para o outro, e como eram bem mais altos que eu a situação parecia de uma criança olhando os pais discutindo. – E o bolo? Estava bom?
– Eu vim justamente falar que estava maravilhoso, muito obrigado. – Ele me olhou um pouco mais fechado. – Se precisar de algo, sabe onde me encontrar. – Voltou para dentro de seu apartamento sem dizer mais nenhuma palavra e nem se despedir.
Abri a porta para entrarmos, ele me ajudou a colocar as coisas no lugar. – Aceita um suco? Uma água? – Perguntei.
– Uma água por favor. – Ele olhou em volta, fiquei com vergonha já que ainda tinha muita coisa embalada. – Um pouco... hum... intenso esse seu vizinho.
– Ele é um pouco esquentadinho, e não gosta muito de mim, eu já bati no carro dele e inundei o apartamento, fiz o bolo como um pedido de desculpas, agradecimento e oferta de paz... – Dei risada.
– Ah, entendo... Bem eu vou deixar você descansar, mas precisa de repouso, não vá abrir os pontos está bem?
Agradeci e sorri para ele, depois que ele saiu fiquei pensando no comportamento ainda mais esquisito do meu vizinho...