Capitulo 4

3315 Words
Assim que cheguei em casa, me joguei na cama para conseguir me recuperar, não do desmaio, muito menos da ressaca, mas principalmente do beijo que eu dei no Vicente. Que atração avassaladora, que sentimento destrutivo e não tive como não comparar com o que mais se aproximava daquele sentimento na minha vida. Os dois eram proibidos, errados e me faziam m*l e, ainda assim, eu queria, eu desejava. O que p***a está acontecendo comigo? Após passar pelo sequestro, me transformei em alguém autossuficiente. Aprendi técnicas de defesa, consegui porte de armas, me tornei independente financeiramente, comandava o maior shopping da região, era conhecida internacionalmente por trabalhos e conquistas. Tinha tudo o que sempre sonhei: título, dinheiro e comando. E agora estava feito uma adolescente sem conseguir esquecer um sabor que definiria como inigualável. Não posso deixar de relatar: ele era lindo para c****e! Inacreditavelmente, estava deitada na minha cama, sem vontade de trabalhar e abalada sentimentalmente por não poder vivenciar um sentimento que eu nem entendia o motivo. Definitivamente, não me reconhecia nessa pessoa. O meu celular tocou. — Milena, como você está? — a Liz perguntou. — Se eu disser que estou bem, você promete não me perguntar mais sobre hoje? — respondi — Confesso que estou preocupada em vários sentidos com você e só não pude ficar contigo aí, porque tenho prazos apertados para cumprir dos processos que estou acompanhando. — Ela parou alguns segundos de falar. — E não, não vou deixar de perguntar o que danado aconteceu com você, o babaca do Otávio e o tal do doutor gostosão. — Não esperava menos de você. — Revirei os olhos. — Mas vamos deixar para falar nisso em outra oportunidade. — Só porque o doutor pediu para que você descansasse, que eu vou acatar o seu pedido, ok? — ela disse em tom de ironia. — Vai à merda, Lilizinha! Ela gargalhou. — Você não me chama assim desde o tempo da escola. Dei um sorriso breve. — Obrigada! — Pelo quê? — ela perguntou, confusa. — Por estar comigo hoje, na verdade, por estar sempre comigo! — Ah, para, Mih Boneca de Porcelana! Não posso chorar hoje, quer dizer, não posso mais chorar hoje. — Ela tinha um tom entristecido. — O que aconteceu? — Do que você está se referindo? — Começa do começo, você não me contou como foi com a Beatriz ontem de manhã, no seu escritório. Ela te contou tudo o que aconteceu? — Bom, não deu para te contar o que aconteceu ontem, pois você estava igual a uma bela adormecida no hospital. O clima de tensão mudou um pouco. — Sério, conta tudo — insisti. — Resumindo, aquele Otávio é um filho de uma p**a e estou estudando e pesquisando bastante a melhor forma de colocar ele na cadeia. A omissão da Beatriz não nos ajuda em nada, então precisamos de provas concretas. — Entendi. Imaginei que não seria nada fácil. — Nada fácil mesmo, mas não ligo, eu gosto de desafios. — Por isso te liguei. Me conta, como foi a conversa com o “Maré Mansa”, ou vulgo Rafael Ervas Viciantes. Ela não gargalhou como de costume quando eu o chamei dessa forma, o que foi estranho. — Milena, eu acho que isso teremos que falar pessoalmente, será melhor. — Algo sério que eu preciso muito me preocupar? Ela demorou mais do que o normal para falar. — Algo que preciso te contar pessoalmente! — Se eu insistir, você me conta agora? Ou se você quiser e topar, posso ir na sua casa neste exato momento. — Só se você me contar o mistério da dupla sertaneja que estava na sua casa hoje, causando o maior alvoroço na região. Ela tocou no meu ponto fraco e por mais que eu quisesse muito saber o que estava acontecendo com ela, sabia que ela jamais iria me propor essa troca se não estivesse com vontade de silenciar algo, assim como eu estava. — Amanhã conversamos. — Almoço? — Fechado, até amanhã! — Até. Quando desligamos o celular, um desconforto invadiu a minha mente de imediato, eu não conseguiria explicar à minha amiga exatamente nada do que aconteceu, porque eu sequer estava entendendo. Uma indignação pela falta de respostas e pela omissão da verdade. Como ele conseguiu o meu endereço? Por que ele invadiu a minha casa? Por que o Otávio tinha medo dele? Não podia me enganar a ponto de não admitir que o que me interessava mesmo era descobrir o motivo dele não poder ficar comigo, mas essa parte pessoal eu não podia obrigá-lo a responder, a parte sentimental era algo de domínio próprio e fugia dos meus limites. Por isso, mandei uma mensagem objetiva: Não me importa os seus motivos pessoais para que algo tão bom não se repita, porque eu também tenho os meus e estou decidida. Mas, se você conseguiu o meu endereço sem a minha permissão, se entrou no meu edifício de forma abrupta, se me ligou inúmeras vezes para saber se o Otávio estava na minha casa, eu tenho o direito de ter as respostas das perguntas que te fiz hoje no hospital. Ele não respondeu com a brevidade que eu almejava, mas ficar com o celular na mão paralisada não iria me ajudar em nada, por isso resolvi ocupar a minha cabeça e peguei o meu livro de autoajuda que falava sobre liderança nas empresas. Obviamente não passei da primeira página, relia os parágrafos infinitas vezes e não conseguia entender. Tudo o que vinha à minha mente eram as perguntas sem respostas. Decidi procurar sobre o Vicente na internet, mas nada me adiantou. O resultado da pesquisa foi praticamente profissional. Médico renomado, filho de fazendeiro, endocrinologista que atendia em uma clínica próxima ao “shopping”. Infelizmente, não achei nada que poderia ter ligação com o Otávio, mas achei uma foto dele usando jaleco abraçado com uma médica muito bonita, com cabelos ruivos longos e lisos. Tinha a sensação de que um dos motivos pessoais que nos separava estava nessa foto. Cansada de procurar o que, obviamente, não iria achar, passei a ler as mensagens que não paravam de se acumular no meu celular, exceto a que mais esperava nessa noite. Li uma mensagem da minha mãe: Me tire do “shopping”, me deixe sem voz ativa ali dentro, mas não tire o Otávio. Por mim, por nossa família. Eu te amo e sei que você um dia irá entender a minha necessidade de manter a nossa família unida. Reli tantas vezes a mensagem que comecei a decorar. Impressionante como ela era capaz de dar a vida se necessário, independente do motivo, para salvar o Otávio. Família unida? Eu sabia bem do que ela estava falando. Ela queria se manter em seu vício, ela queria dinheiro e o Messias ao lado dela, alimentando a sua dependência. Entristeci-me de imediato, porque por mais que eu soubesse que ela era uma pessoa doente, que precisava de ajuda, eu não me sentia capaz de ultrapassar essa linha tênue do que me era permitido intervir. Ela estava cercada por pessoas que alimentavam sua doença e nem todo dinheiro do mundo conseguiria vencer todo o apoio que ela tinha. Eu a amava demais e vê-la definhar em remédios me deixava acabada. Achei há poucas horas que eu tinha tudo o que queria, mas de fato me faltava o principal: amor, reconhecimento familiar e uma família. Ter mãe infelizmente não significava ter família, mas, ainda assim, era a isso que eu me apegava quando decidia baixar a cabeça e fazer o que ela me pedia sem pestanejar, ou simplesmente quando fechava os olhos para os seus erros. O interfone tocou, para minha surpresa. Não estava esperando ninguém àquela hora e um frio na barriga surgiu ao imaginar que toda a confusão da manhã se repetiria. — Dona Milena, Vicente está aqui, ele pode subir? — Paulo, o porteiro da noite, perguntou. O frio na minha barriga se transformou em arrepios por todo corpo. Era para eu dizer que não. Estava ofegante e m*l conseguia balbuciar algo. Pensei não no meu íntimo, mas falei um sim audível, mas não tão compreensível. Quando o porteiro desligou, me perguntei inúmeras vezes se ele ouviu o que falei ou o que pensei. O que era insano e ridículo, ainda assim era o que me mantinha na esperança de que ele não subisse, que ele desistisse. Precisava estar com ele em um lugar público, aberto e, principalmente, manter uma distância segura para o meu coração. A campainha tocou e a minha ansiedade só aumentou. Respirei fundo várias vezes, tentando me controlar, a decisão foi tomada e eu precisava ser fria e calculista. Ele não era o primeiro homem a dar em cima de mim que eu iria negar e mandar embora. Quantas vezes isso aconteceu, inclusive, com parceiros de negócios? Perdi as contas e todas as vezes, eu consegui que cada um entendesse o seu lugar junto a mim. Com o Vicente seria o mesmo, ele iria entrar, falar o que aconteceu e ir embora. Ponto final! Abri a porta da minha casa e o encontrei ainda mais lindo que das outras vezes que o vi, vestindo uma blusa casual rosa-claro que marcava o seu peitoral malhado, além de uma bermuda cinza-escuro, que na hora me remeteu aos olhos escuros profundos dele. Merda, será mesmo que vai ser fácil colocar o ponto final? — Desculpe vir sem avisar, mas achei melhor falar com você pessoalmente do que por mensagem! — ele falou se encostando no batente da porta. Estava com o meu coração acelerado, o meu corpo estava todo suado e estava prestes a ter uma síncope de desejo. — Por que você me beijou? — ele perguntou, ainda encostado no batente. Estávamos nos olhando fixamente, estava desesperada para repetir o que comecei no hospital e ele sabia e também desejava o mesmo. Conseguia enxergar isso no brilho dos seus olhos, assim como ele enxergava no suor que o meu corpo liberava, na tentativa de esfriar o que ele aqueceu. Nem lembrava mais do que havia planejado antes de abrir a porta e nem sei se queria lembrar. Eu me aproximei dele, os meus lábios ficaram bem próximos aos seus, queria sentir o seu hálito refrescante nem que fosse só de longe. Queria me embriagar com o seu perfume e degustar todo o seu sabor nem que fosse nos respingos de sua saliva. Só depois disso, eu voltaria a pensar no meu roteiro de fim. — Porque eu queria muito — confessei. — Ainda quer? — ele questionou e se aproximou ainda mais de mim. Fiquei em silêncio e alternei o olhar em sua boca e olhos. O seu corpo também estava ofegante. Era uma atração física que nunca imaginei sentir. Tão forte, tão inexplicável que se tornava indestrutível. Se eu tinha dúvidas se seria bom ou r**m, agora tinha certeza, era muito r**m estar sem controle de escolher o que era certo ou errado. E por estar acostumada a sentir essa atração pelo r**m, eu me joguei nos braços dele, tocando os nossos lábios no desespero de sentir aquela hortelã fresca tocando a minha alma e refrescando o calor que ele instalou em mim desde o primeiro dia que o vi na academia. O beijo era desesperado, mais uma vez, havia uma fome dupla por algo que, embora nem tínhamos experimentado, desejávamos com toda força da nossa alma. Um beijo sem compasso, ora línguas se cruzavam vorazmente, ora dentes se encontravam e muitas vezes as mãos ultrapassavam a força para tocar o que eu achava ser intangível. Ele fechou a porta com o pé e eu só sabia disso porque servi de apoio para seu equilíbrio e nessa hora sua boca estava degustando partes que ele ainda não conhecia e fazíamos isso enquanto nos despíamos. Tudo foi rápido, assim como o nosso desejo. E eu só pensava que queria chegar ao final, mas bem diferente do que planejei há alguns minutos. Não sentia vergonha de estar despida, muito menos por estar beijando o que eu sabia que não devia, mas queria, queria muito. E pela cor, pela textura e pela imponência, ele também queria. Quando menos percebi, já estava deitada no sofá enquanto ele me presenteava com o que acabei de proporcioná-lo. Enquanto ele degustava o que havia de mais íntimo em mim, abri os olhos para enxergar melhor a cena, e tive a sensação de que seus olhos iriam explodir com tanto desejo que ele, assim como eu, precisava libertar. E foi nessa hora que eu o puxei para cima de mim, o convidando a conhecer o que tinha de mais precioso, meus sentimentos mais íntimos. Corpos se balançavam e o que deveria ser só sexo mais parecia um amor compassado que já vi em filmes, mas que nunca me imaginei vivenciar. Agora não era mais no desespero, agora já tínhamos identificado nosso ritmo e arrisco a dizer que foi muito melhor do que imaginei. O fim chegou e eu já me imaginava em um novo começo. Agora eu tinha certeza: amor e esperança andavam mesmo de mãos dadas. — Não sei nem o que dizer — ele falou ofegante enquanto retirava o preservativo. — Uau — foi o que consegui falar. Ele me deu um beijo leve na cabeça e perguntou: — Onde é o banheiro? Apontei para o corredor que levava ao meu quarto, era o máximo que conseguia. Quando ele voltou, foi a minha vez de ir tomar um banho e me vestir novamente. — Posso pedir algo para a gente jantar? Sorri e balancei a cabeça positivamente. Quando voltei para a sala, o encontrei mexendo no celular sentado no sofá. Ao me ver, levantou os olhos alegres e eu sabia bem o motivo. — Mais alguns minutos e deve chegar o nosso jantar. Pedi uma salada, você gosta? — Não. — Sério? Eu comecei a rir e fui pegar água na minha cozinha tipo americana. — Gosto, estou só brincando. — Ufa, fiquei preocupado. Não sei se o Otto conseguiria preparar outra coisa para nós. O restaurante já fechou e ele abriu uma exceção para preparar uma salada. Bebi a água lentamente e ele se aproximou de mim. Entreguei a ele outro copo que também se serviu com a água do filtro. — Quem é Otto? — perguntei. — Um colega que é dono de um restaurante incrível. Um dia podemos ir lá. — Você é bem rápido! m*l me conhece e já está se colocando no meu futuro? Ele me deu um beijo rápido na boca e respondeu: — Por que não? — Que tal, por que você tem alguma ligação com o Otávio? Ele revirou os olhos. — Você já descobriu tudo da minha vida. O justo agora é me contar sobre você — falei. — Vamos falar sobre outras coisas. Foi tão incrível o que vivenciamos agora há pouco, não vale estragar com besteira. — Não é besteira. Ao menos, para mim não é — seguia firme. Ele foi para a sala e se sentou no sofá, incomodado, eu o acompanhei. — O que você é? Um psicopata que quer me matar com um plano infalível? Um ladrão que vai me dar um Boa noite, Cinderela e vai roubar tudo o que tenho? — Por que você acha que eu seria alguma dessas opções? — Porque você tem ligação com o Otávio e o que vem dele não presta. O interfone tocou e o porteiro sinalizou que a nossa comida estava subindo. O clima que era de paixão se transformou em tensão. O silêncio dele me incomodou e me deixou apreensiva sem conclusões que podiam ter alguma coerência. Será que o Otávio o mandou até aqui? Assim que ele pegou a comida com o entregador e fechou a porta, eu não consegui mais esperar. Não consegui mais fingir que nada me preocupava. Estávamos a uma distância segura, e por isso eu me mantive firme nos questionamentos: — Qual a sua ligação com o Otávio? — insisti. Ele engoliu a saliva, em seguida, respirou fundo. Ele estava bem longe da sua zona de conforto, o que me assustava, o que me dava medo do que ele tinha para me revelar. — Eu estou tentando arrumar coragem desde que cheguei aqui para te responder o que você escreveu na mensagem. Eu sei que será impactante para você, eu sei que será difícil de me entender — ele falou segurando a sacola com a comida. — Fale logo tudo de uma só vez. Se você quer que isso aqui — apontei para nós dois — possa dar certo, conte o que você tem para contar, sem omissão e mentira alguma. Ele balançou a cabeça positivamente e sem olhar nos meus olhos, falou rápido: — Eu conheço o Otávio há muito tempo. — Quanto tempo? — De infância — ele respondeu sem fixar os olhos em mim. — Eu não me lembro de você. — Já frequentei a sua casa, mas não fomos apresentados. — os seus olhos estavam perdidos em suas palavras. — Vocês são amigos? — Nós éramos amigos, mas como fui morar em outra cidade, nos distanciamos. — Não consigo entender a conexão de vocês com a briga de hoje, aqui no meu edifício! Ele tem medo de você. O que você sabe dele que o faz ter esse medo? — Ele não tem medo de mim. Mas eu disse que se ele fizesse algo com você, eu me acertaria com ele. — Continuo sem entender. Não faz sentido algum se ter medo por um acerto de conta física. Ele gaguejou algo que não consegui entender. — Qual o plano, Vicente? O que p***a você está fazendo aqui? Como conseguiu o meu endereço, meu telefone? Ele tentou se aproximar de mim e eu dei um passo para trás. — Vocês são amigos, não são? Ele ficou em silêncio e agora que os seus olhos estavam fixos em mim, percebi uma nuvem de tristeza, de arrependimento e concluí que tudo o que aconteceu até o momento foi algum plano deles dois contra mim. Lágrimas caíam sem controle por meu rosto e quando ele tentou novamente me tocar, eu o empurrei para longe. — Vá embora. Vá embora. — Por favor, me deixe falar. — Você me conhece há poucas horas e quer ser o salvador da minha vida? Você só pode estar de brincadeira. — Inspirei fundo tentando conter as lágrimas, mas a tentativa foi em vão. Eu estava desesperada. — Seja qual for a brincadeira ou plano, vocês conseguiram, está certo? Vai dizer que filmou tudo? — Comecei a procurar pela casa alguma câmera escondida. — Pronto, já conseguiu o que queria, agora vá embora! — Você acha que eu filmaria? — ele perguntou, atordoado, mas em nenhum momento me pareceu irritado com as minhas hipóteses, o que só me deixou mais certa de que eles realmente estavam aprontando algo contra mim. — Eu não acho nada, não te conheço. Vá embora. A brincadeira acabou. Segui direto para a porta da minha casa. Eu a abri com voracidade e apontando para fora, gritei firme: — Vá embora ou eu chamo a polícia. — Quando terminei de falar, baixei a cabeça, não queria vê-lo partir. Ainda não havia me acostumado com a despedida, mesmo que fosse de sentimentos destrutivos, como foi no passado e como estava sendo agora. Senti o perfume refrescante se afastar de mim lentamente e quando não mais sentia a presença dele na minha casa, fechei a porta, na tentativa de fechar também o meu coração. Uma pena que eu já sabia o resultado disso tudo, o meu coração nunca entendia a diferença do que agregava e do que destruía. Ele insistia em se machucar, em se despedaçar. Sofrer parecia fazer parte do meu emocional, sofrer era a minha zona de conforto sentimental.
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