A menina do vestido vermelho

1350 Words
Setembro de 2017, Los Angeles, Califórnia - Você promete, Austin? – a menina do vestido vermelho perguntava me encarando nos olhos. - Eu prometo, Ellie – eu respondo e quase pode sentir a mão da pequena puxando-o de onde eu estava... E então ele acorda. Encara o quarto ao redor: escuro, tem cheiro de álcool, cerveja aberta... Fumaça... Ele fumou no quarto de novo? Suspira desanimado e levanta. Roupas? Porque eu estou sem? Olha para o lado e uma morena esta deitada sem roupas também. A cabeça dói. Ele esfrega as mãos no rosto tentando acordar, mas os olhos parecem não querer manter-se abertos de jeito nenhum. - Bom dia – a mulher diz virando-se para ele com um sorriso amável. - Bom dia, princesa – como era mesmo o nome dela? Esquecera de novo. - Eu pensei que você fosse ficar aqui comigo mais um pouco – ela diz ronronando. - Eu pensei o mesmo, mas eu tenho um compromisso e... – ele lembra que não pode simplesmente abrir a porta e fugir da sua própria casa – eu preciso sair. - Tudo bem – ela diz desanimada – espero por você? - Melhor não – ele responde, como assim? Ficar na minha casa enquanto eu estou fora? – eu vou realmente demorar, mas assim, posso te ligar quando eu chegar. - Certo – ela diz e logo levanta passando por ele e indo em direção ao banheiro, parecendo um pouco indignada, mas como é que ela sabe o caminho? Minutos depois ela retorna, vestida, enquanto ele ainda esta um pouco confuso, parado ao lado da cama. - Eu te ligo, se você me passar o seu número? – ele tentou. - Ah, não liga – ela ri – eu estive aqui na semana passada e bem, você não ligou... - Ah, eu sinto muito... – digo desconcertado, tem certeza? - Eu acabei de perceber que você não lembra de mim, então deixa assim – ela beija a bochecha dele e sai murmurando algo como “b****a”. Esse é um efeito que eu causo nas mulheres: depois de uma noite, elas acabam xingando-me de várias coisas, b****a ainda foi leve, tem uma que está xingando a minha mãe tem umas três semanas, eu não me dei conta que ela era a vizinha do 202, acho que ela ficou ofendida... Continua sem roupas, parado ao lado da minha cama... Que diabos eu estou fazendo aqui? Preciso tomar banho, eu tenho que sair... Não, ele se lembra e começo a dar risada, eu não tenho. Foi uma desculpa que eu inventei para a desconhecida ir embora da minha casa. Mas o telefone está tocando, o fixo, e eu devo atender, só tem uma pessoa que liga nesse telefone e eu não me atreveria a deixar ela sem resposta: - Bom dia, Mãe – eu digo contente. - Bom dia? – ela ri – Austin, são duas da tarde. - Verdade – ele resmunga – não almocei ainda, então é bom dia. - Nem tomou o café da manhã – ela brinca. - Você me conhece... – ele responde. - O seu advogado ligou – ela suspira – acho que não tem boas notícias. Marcou para você passar no escritório às quatro horas. - Tudo bem – ele suspira – eu sabia que não acabaria bem. - Boa sorte – ela diz. - Obrigada. Austin encara a sua imagem no espelho da sala: estava um lixo. Se ele não tratasse de tomar um banho e vestir um terno, aparecer no escritório do seu irritante advogado, sabia que a coisa ia ficar pior ainda, então, convencido de que não havia mais nada a fazer, contenta-se em repassar a sua breve carreira para lembrar o tamanho do problema e o exato ponto onde as coisas saíram do controle: saíra da faculdade e com a indicação de um professor, havia entrado em um estágio promissor no Google – sim, no Google – e ai, recebeu uma proposta de um amigo e acabou saindo para ajudar ele no desenvolvimento do BadBox, uma “caixinha” onde os usuários podiam guardar coisas de forma supostamente segura. Anos no desenvolvimento do app, trabalhando em criptografia, cruzamento de dados e tudo o mais, um servidor caríssimo, eu era muito bem p**o e então, um dia, informações salvas na BadBox começaram a ser disseminadas e tínhamos de tudo, meus amigos: p*********a infantil, casos de infidelidade, espionagem industrial e tudo o mais. Eu era o desenvolvedor, e eu estou sendo responsabilizado. A verdade é que Austin sempre confira cegamente em seu amigo e agora sócio, ele supostamente “não sabia fazer” mas ele quebrava todas as criptografias com os códigos e acessava as informações diretamente pelo servidor interno: com esforço e muito empenho do advogado, haviam conseguido responsabiliza-lo, mas ainda haviam pendências jurídicas, multas e ressarcimentos a se fazer, e isso o preocupava demais. Nessa visita ao seu advogado, possivelmente ele acabaria assinando um termo, e em dez dias desocuparia o próprio apartamento: aquele era o preço pela escolha errada que fizera anos antes, perder tudo, um cara de vinte e oito anos que em breve estaria de volta ao quarto sobre a garagem da casa mamãe. Tomou um banho, deu uns goles em um café frio que estava sobre a bancada e saiu em sua moto, quem sabe para um dos seus últimos passeios por Los Angeles. E enquanto pilotava em alta velocidade, lembrou-se de quando havia saído do interior, do fim do mundo mesmo, do Texas: sempre soube que eu queria ir para Los Angeles, e ele tinha conseguido: havia estudado, se formado e começado a sua carreira na cidade que escolhera, o problema era que agora, aparentemente, ele também estava a encerrava aqui mesmo, nesse mesmo lugar, saindo praticamente chutado da cidade que mais amava no mundo. - Boa tarde – ele disse assim que Atkins, seu advogado, o recebeu com a conhecida expressão séria e carrancuda. - Austin Bryan – disse o homenzinho, ele nunca havia reparado como ele era realmente pequeno – a julgar pelo seu semblante, não seguiu o meu conselho? - Qual deles? – pergunta confuso. - Não se preocupar antes da hora... – diz o homem. - Impossível – responde – vou perder tudo o que eu tenho, nunca mais vou poder criar nada, acho preocupante. - Não – responde o homem – consegui aliviar a sua barra por umas mensagens de texto no celular do seu ex sócio – ele suspira – acho que vender o apartamento é uma solução, tem uma multa de cinquenta mil para pagar, mas o restante, compra algo fora daqui e vai viver a tua vida. - É sério isso? – pergunta incrédulo. - Sim – o homem confirma – pode seguir criando, mas eu acredito que não seja conveniente. Em três dias o caso vai à mídia e alguém vai acabar te encontrando por aqui. - Tudo bem – ao menos ele não precisaria voltar correndo para a casa da mamãe. Telefonou para ela assim que saíra do escritório. Ela comemorou a sentença, era o melhor que poderia acontecer no fim das contas e então, acabaram por decidir que mesmo sem precisar, voltaria para casa, ao menos por um tempo, até a poeira baixar e a mídia esquecer-se um pouco do caso: - Tem o apartamento sobre a oficina – ela disse – seu pai pensou em alugar, apenas para não ficar vazio. - Está ótimo – ele diz – obrigada, mãe. - E sempre vai poder comer em casa – ela diz empolgada. E antes mesmo do fim da semana Austin entrega dois carros, vende o apartamento, carrega a sua motocicleta em um pick up e pequena mudança em um caminhão. Em sete dias, ele estava de volta ao interior do interior, de volta ao fim do mundo, em Vernon, no Texas, colocando todas as suas coisas em um apartamento pequeno e abafado e cheirando a mofo e óleo queimado, em cima da oficina – precisava de um ar condicionado – e preparado para ouvir roncos de motores durante o dia inteirinho.
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