Mamãe acabou cedendo e agendando o vôo para a manhã de segunda feira, dessa forma, eu poderia aproveitar intensamente o meu dia de praia com meus colegas do ensino médio. As coisas pareciam ter sido resolvidas entre Lindsey e Justin, pelo menos foi o que pareceu quando ela telefonou animada e disse que iria de carona com ele. Bem, os únicos casais presentes seriam aqueles onde os dois membros eram formandos, era apenas para a turma, sem convidados externos, Noah teve o cuidado de frisar isso por diversas vezes, e desse jeito, nem mesmo a namorada dele estaria lá.
Assim que chegamos, em uma praia um pouco mais afastada, carros com som foram estacionados, sons foram ligados, barris de cerveja foram acomodados e em poucos minutos estávamos devidamente instalados: um bando de quase adultos aproveitando os últimos momentos de insanidade justificada de suas vidas: a comemoração oficial do fim do highschool.
Eu sentia uma estranha sensação de liberdade: o sol quente, o ar fresco, o mar e toda aquela imensidão, cervejas geladas e som alto, todos curtindo como se aquele fosse o último momento de liberdade de suas vidas, porque para muitos, era. Vários colegas saíam do highschool para a vida acadêmica, outros para os negócios da família, outros para carreiras já bem planejadas no esporte, nas artes... Aquele era um marco divisor na vida.
- Você está linda - Noah senta-se ao meu lado na areia, ele usa um short cor de vinho e RayBan Wayfarer - ele me entrega mais um copo de cerveja - é muito estranho pensar que tudo acaba aqui - ele diz sorrindo.
- Não acaba - eu respondo dando um gole na minha cerveja.
- Você entendeu - ele disse fazendo-me cócegas - acho que daqui para frente todos esperam que sejamos mais responsáveis e corretos e blá blá blá - ele revira os olhos - vou sentir falta do highschool americano, bem mais divertido do que na Noruega.
- Você falou certo - eu gritei - é quase americano agora.
- Provavelmente eu seja - ele riu - vou ficar - ele suspira - faculdade, quem sabe mais...
- Acho que vai se dar muito bem por aqui - eu respondo - a America é para todos.
- Sim - ele sorri - me sinto em casa, acho que gosto muito do conceito "Sonho Americano".
Conversamos por mais um tempo, até Lindsey gritar que precisava de uma dupla para jogar vira copos e eu prontamente correr para encontra-la. Queria uma boa desculpa para afastar-me um pouco de Noah, sem parecer que eu estava me afastando.
Passamos um dia maravilhoso. Mia e Justin fizeram uma dupla no vôlei de praia que acabou derrotando com facilidade Peter e eu. Os garotos jogaram bola, surfaram e no fim da tarde, alguns violões apareceram e curtimos um último pôr-do-sol com todos reunidos. Além de todas as memórias incríveis que eu guardaria em minha mente, eu teria uma quantidade absurda de fotografias para lembrar-me de como o meus anos de colégio foram intensos e incríveis, no fim do dia, enquanto aos poucos todos despediam-se e iam embora, eu apenas afastei-me do grupo e chorei em silêncio, queria guardar todos os nomes, todos os rostos e principalmente aquela sensação:
- Sei o que está sentindo - Mia disse sentando ao meu lado com os olhos vermelhos tal como os meus - acho que a gente nunca está verdadeiramente preparado para o fim, e quando ele chega, é como um soco no estômago.
- Acho que sim - eu respondo tentando sorrir.
- Ainda estaremos juntas - ela me abraça - para sempre, irmãzinha.
- Com certeza - eu sorrio - vou sentir falta de tudo isso.
- Eu também vou - ela sorri - acho que a escola fazia eu me sentir um pouco normal, quer dizer, andar com gente da minha idade e não com mãe neuróticas e histéricas.
- Deve ser engraçado - eu respondo.
- Claro que é - ela ri - eu sou uma boa mãe, mas não ameacei socar ninguém pelo último pacote de ervilhas orgânicas do mini mercado.
- Nossa -eu ri alto - isso é bem assustador.
- Mas eu vou e controlar para não ficar assim - ela ri - vou sentir falta de tudo, do nosso tempo juntas, de toda essa galera - ela indica o grupo que aos poucos se dispersa.
Ficamos em silêncio encarando o grupo de longe. Peter e Justin ainda jogavam bola, Noah arranhava um violão e Lindsey recolhia pertences pela areia:
- Vamos voltar? - ela pergunta.
- Vamos - eu respondo com o coração apertado, eu teria mesmo que dizer aquele adeus.
Assim que nos aproximamos, Peter apressou-se em encerrar o jogo e despedir-se de nós: Ele sabia que a pequena Amélie estava esperando por eles em casa. Justin e Lindsey também prepararam-se para ir e Noah e eu estávamos novamente sozinhos, sentados á beira de uma fogueira no começo da noite:
- Acho que fizemos a coisa certa - ele disse de repente - vou sentir sua falta também.
- Eu também vou - suspiro para enganar minhas lágrimas - acho que eu vou sentir mais do que eu imaginava, inclusive.
- Vamos superar - ele aproxima-se de mim e me abraça, deixando o violão de lado.
Encaramos o fogo que aos poucos morria à nossa frente em silêncio. Minutos depois nos despedimos e seguimos nossos caminhos. Eu não sabia se em algum outro momento da minha vida eu encontraria com Noah novamente, mas eu sabia que eu tinha um bom amigo, que eu tinha alguém que me entendia e que cuidaria de mim, caso fosse necessário, e essa era uma segurança interessante de sentir.
Voltei para casa onde minha mãe já estava um pouco aflita: assim que passei pela porta, semi alcoolizada, ouvi um pequeno sermão sobre não ter atendido o telefone e dirigir depois de beber, para logo depois ela cair na risada e dizer que era o mínimo que ela esperava de mim. Ainda com mamãe, terminei de arrumar minha malas para o vôo da manhã seguinte, e aproveitei para despachar uma pequena carga de pertences meus para Boston, ao menos aqueles que minha mãe mais temia despachar: meus livros.
- Não sei para que - ela dizia irritada enquanto eu empilhava caixas sobre o balcão - poderia ter tudo em uma biblioteca virtual.
- Mas eu gosto de livros físicos - respondo.
- Mas pode vender e comprar...
- E o valor sentimental do exemplar? - questiona um simpático rapaz que pesa e etiqueta as caixas - compreendo seu apego - ele piscou para mim.
- Achei que eu era algum tipo de doida - eu ri.
- Mas com certeza é - ele riu - o problema é que do seu tipo, existem vários outros. Fica tranquila.
Minha mãe parecia mais contente depois de livrar-se dos meus livros. Embarcamos e viajamos em silêncio: minha cabeça doía um pouco devido ao álcool, e como o apartamento ainda não estaria pronto, minha mãe ainda tentava reservar um bom hotel perto da ponte. Desembarcamos e mamãe seguiu com a bagagem para o hotel, eu aguardei no aeroporto pelos meus livros e peguei um táxi diretamente para o meu apartamento, e sinceramente, mesmo não tendo absolutamente nada meu lá dentro, eu posso dizer que me senti feliz e em casa assim que eu entrei pela porta, apesar do cheiro forte de cola para papel de parede e tinta fresca.
- Falta pouco - mamãe disse assim que passei pela porta - o rapaz da manutenção dos climatizadores deve aparecer no fim do dia - ela diz andando de um lado para o outro - e o vidraceiro, tem aquele espelho trincado e esse vidro aqui...
- Vai ficar ótimo - eu respondo - mas ainda acho espaço demais.
- Seus livros com certeza ocuparão mais da metade do espaço disponível - ela disse rindo.
Spencer telefonou no fim do dia. Parecia menos irritado e logo soube que faltava apenas uma prova, na manhã seguinte. Ele disse que ainda ficaria até quinta em New York para resolver algumas questões do apartamento e então, voaria para Los Angeles. Eu só chegaria na manhã de sábado, minha mãe estava decidida a verificar cada detalhe da minha nova residência e chegar o funcionamento de todos os estabelecimentos de primeira necessidade das redondezas, o que eu acreditava não ser necessário e ela, essencial.
Quando voltei para Los Angeles eu tinha apenas um único plano: aproveitar as minhas férias perfeitas com o meu namorado, e como nenhum de nós dois havia feito um plano para as férias, nossos primeiros dias de paz e sossego foram inteiramente dedicados ao mais absoluto ócio. Dividimos um pouco do tempo com nossas famílias - não que Sarah gostasse de minha companhia, mas por uma questão de educação, e papai parecia satisfeito em ter alguém para conversar sobre football perto da churrasqueira.
O mês de maio terminou tão rápido que eu m*l percebi: logo o calor começou a ficar tão intenso que tudo o que pensávamos era em praia, sorvetes e caminhadas noturnas. Mamãe estava passando tanto tempo fora que era como se tivéssemos a casa de praia somente para nós o tempo todo. Nas raras aparições dela por Los Angeles, ela ocupava-se em transferir seus pertences da casa de praia para um flat no centro, há dois quarteirões do edifício onde Michael e Meredith viviam.
- Eu acho que eu gostei de não termos feito planos - Spencer disse para mim enquanto encarávamos mais um pôr do sol pela janela do meu quarto.
- Concordo - beijei-o - acho que é a primeira vez que conseguimos aproveitar o nosso tempo juntos sem correrias ou cobranças.
- Verdade - ele sorriu - acredito que em breve vamos ter mais tranquilidade ainda, porque vamos nos ver com mais frequência e sem tantas obrigações sociais - ele riu - sabe que temos uma longa agenda de aniversários...
- Sim - eu sorri - mas esse ano eu prometi a mim mesma que eu não faria parte da organização de nenhum evento.
- Está brincando comigo? - Spencer me encarava incrédulo - Cadê minha namorada? O que você fez com ela, estranha? - ele sacudiu-me um pouco - Você adora essas coisas...
- Sim - eu respondo - eu sei que eu adoro - aquilo fez eu sentir um nó na garganta - mas eu não preciso disso, não preciso me envolver em um monte de coisas para me estressar - eu sorri - esse ano serei apenas a convidada que chega com um lindo presente e vai embora no fim da festa.
- E ninguém achou estranho? - ele pergunta.
- Todos acharam - eu ri - mas quer saber? Não importa.
- Uhm - ele não pareceu convencido - o que foi?
- Spencer, eu não vou estar aqui no ano que vem, todos terão que se virar sem mim uma hora ou outra.
- Nisso você tem razão - ele beijou-me delicado - não posso dizer que estou triste - ele riu - eu sei que com isso vai sobrar tempo para nós.
- Acho que temos bastante tempo - eu respondo - tempo para qualquer coisa que quisermos fazer.
Naquela semana, antes de ser dada a largada da temporada insana de festas, Spencer e eu saímos para passear de barco, fomos à uma boate que havia inaugurado há pouco tempo, jogamos cartas com os ex colegas do ensino médio dele, levamos Amélie para passear no parque de diversões, fomos ao cinema e saímos para correr por pelo menos três vezes.
Estávamos concentrados em viver intensamente cada segundo de nossas férias perfeitas, com isso, acabei por relevar algumas coisas que me deixariam magoada ou triste, procurando logo alguma coisa para me animar e não estragar o meu momento. Lindsey e Justin saíram conosco para jogarmos boliche e nos divertimos muito, aproveitamos os meninos distraídos com alguns ex alunos mais velhos para colocarmos as fofocas em dia:
-Tudo certo com vocês?- pergunto.
- Acho que sim - ela responde - conversamos anteontem.
- E como foi? - pergunto.
- Ele disse que gostava de mim desde o sétimo ano - ela riu - mas que não tinha coragem, e que sentia-se i****a por isso, porque tínhamos perdido muito, muito tempo.
- Acho que eu preciso concordar com ele - eu respondo rindo.
- Sim - ela sorriu - mas e agora? Acho que eu estou fadada a viver longe dos meus amores...
- Não seja tão dramática - eu ri.
- Ele quer tentar à distância - ela diz de repente - acho que vamos tentar.
- Mesmo que tudo dê errado, você ao menos não vive com a culpa de não ter tentado - eu digo com sinceridade.
- Mas vocês estão dando certo - ela responde.
- Pensa bem - eu digo encarando minha amiga - tem certeza que estamos? Você gostaria que o Justin saísse por ai beijando garotas..?
- Não - ela riu - esqueço disso, mas de perto, ninguém é normal.
- Espero que o auto controle de vocês seja melhor do que o meu - respondo.
- Não pode ficar se culpando...
- O problema está ai - eu rio alto - eu não me culpo, não vejo nada de errado no que eu fiz, me culpo por não sentir culpa.
- E porque não sente? - ela pergunta surpresa.
- Porque acho que o meu inconsciente sabe exatamente o que deve fazer...
Mudamos de assunto assim que os meninos voltaram: eu estava feliz com Spencer, mas não conseguia deixar de pensar sobre nossos problemas com a distância, o ciúme e o temperamento descontrolado e destrutivo do meu namorado quando as coisas saiam diferente do que ele havia planejado, essas características eu vinha percebendo em Spencer há pouco tempo, mamãe disse que era o encanto que se perdia, mas eu pensava se não era eu crescendo e percebendo coisas que não me agradavam.
Deixei essas minhas reflexões salvas em um bloco de notas do telefone celular e na manhã de sábado, depois de falhar por algumas semanas, fui à minha sessão de terapia com Mark:
- Pensei que estava fugindo de mim - Mark disse sorrindo assim que entrei pela porta.
- Não - eu ri alto - eu estava fugindo de mim mesma - respondo.
- Boa resposta - ele faz um high five comigo antes que eu acomode-me na poltrona - e então? Como tem sido os últimos tempos?
- Intensos - respondo - e acredito que esclarecedores.
- Certo - ele responde - e o que você acredita ter esclarecido?
- Sabe quando eu falei que tinha coisas sobre o Spencer que eu não gostava? E que parecia que ele havia mudado...
- Sim, eu me lembro - ele revira algumas páginas de seu caderninho - sim, "parece não ser a mesma pessoa".
- Mas e - eu respondo séria - Mark, é possível que eu tenha bloqueado a parte r**m?
- É normal quando estamos apaixonados...
- Então, quando começo a enxergar os defeitos é que não estou mais apaixonada? - pergunto.
- Não, Mariah - ele riu - o encanto acabou, só amor não sustenta uma união, tem que ter companheirismo, parceria, respeito e várias outras coisas - ele sorri - e mesmo que as vezes um lado ou outro cometa deslizes, tem que haver a certeza de que querem estar juntos, os dois. Só amor, ou só s**o, não sustentam relações.
- Entendo - suspiro.
- Começou a perceber defeitos? - ele pergunta enquanto anota distraído.
- Não - respondo - comecei a perceber que eles estiveram sempre lá, que eu sempre evitei mexer naquela parte, entende?
- Isso é uma coisa perigosa - ele responde - enquanto você "n**a" para você mesma um erro, um defeito, uma reação que não gosta, você vai dando à ele liberdade de permanecer agindo dessa forma. Conversou sobre isso com alguém que o conheça?
- Na verdade, eu evitei uma conversa sobre isso com a minha cunhada.
- E porque fez isso? - ele questiona.
- Acho que nós dois sabemos a resposta - eu sorrio.
Não era como se eu estivesse infeliz ou insatisfeita, mas dentro da minha vida feliz e contente ao lado de Spencer, haviam pequenas mentiras, pequenas omissões que ele insistentemente continuava fazendo. Decidi que conversaria com Mia sobre aquilo quando fosse possível.
Aproveitamos nosso último fim de semana sem eventos sociais em uma viagem curta à Lake Tahoe, e nos divertimos tanto quanto na primeira vez. Voltamos aos nossos restaurantes favoritos, refizemos algumas das nossas fotos de viagem e eu sentia que aquele pedacinho de paraíso nos pertencia, de alguma forma. Spencer falou novamente sobre ser dono de algum negócio em um lugar pitoresco e paradisíaco como South Lake ou ainda em passar um ano sabático procurando o "paraíso perfeito" para por fim se estabelecer. Era engraçado como ele falava desses planos sempre na primeira pessoa do singular, e nunca no plural.
- Amo você - ele disse sorrindo enquanto caminhávamos pela areia na beira do lago.
- Eu também amo você - respondo - muito, muito.
- Tem certeza? - ele pergunta subitamente me encarando.
- Absoluta - eu o abraço - eu amo você, mesmo que às vezes não pareça.
- Acho que você está distante novamente - ele diz.
- Eu estou preocupada - respondo.
- Com o que? - ele me encara confuso.
- Com nós dois - digo sem pensar - será que vamos mesmo dar certo?
- Porque não daríamos? - ele pergunta.
- Teus planos em primeira pessoa? - questiono.
- Não sei se o seu objetivo de vida é esse...
- Quem sabe poderíamos conversar? Alinhar objetivos antes de perceber que estamos caminhando para lados totalmente opostos...
- Vou precisar concordar - ele me abraçou - mas não quero ter essa conversa agora.
- Tudo bem - eu respondo num suspiro - eu acho que eu também não quero ter essa conversa agora.
A verdade era que eu nem mesmo sabia o que eu queria, mas naquele momento, queria gritar com ele e dizer que a única pessoa cada vez mais distante da nossa relação era ele. Esse meu sentimento permaneceu pelo resto da nossa viagem: Spencer não abria mais as portas, não oferecia-se para fazer suas pequenas gentilezas como carregar minha mochila ou buscar um copo de água, de repente ele estava chateado com o que eu havia dito, ou de repente, eu apenas tinha razão em tudo o que eu havia dito.