Sobre perder quase todas as coisas

2417 Words
           Depois de deixar vovó na Prince's House, precisei encarar a minha amiga solidão, Spencer estava viajando com a mãe dele e minha mãe ainda deveria estar em Washington com Brandon. Meu peito apertava novamente, era h******l a sensação angustiante e sufocante de estar ficando sozinho, de estar sendo deixado de lado, de não ter mais companhia, nem mesmo para as coisas mais banais do dia a dia, e eu sabia que aquilo ficaria casa vez pior com o tempo, e que eu deveria me acostumar.              Pensar sobre a vovó e deixar ela em Los Angeles também não me agradava: não era como meu pai ou minha mãe, que ainda viveriam longos anos e me visitariam e estariam presentes em minha vida, a vovó era diferente, uma parte de mim sabia que eu a perderia, bem antes de perder meus pais, quem sabe antes até de conseguir terminar a faculdade... Eu perderia quase todas as coisas que eu estava acostumada a ter e isso fez com que eu chegasse em casa com os olhos marejados.                 Para minha surpresa, quando estacionei o carro em frente à nossa casa, vi que tinha movimento, minha mãe havia voltado de viagem mais cedo: janelas abertas, carro na garagem. Entrei pensando em aproveitar a companhia dela, poderíamos ir ao shopping ou assistir filmes, mas tudo o que eu encontrei quando abri a porta foi a desoladora imagem da minha mãe ainda com a roupa da viagem, sem os saltos, sentada no chão da sala com a maquiagem borrada, chorando compulsivamente. - Mãe - eu disse assim que a avistei, correndo para o lado dela - meu Deus, o que foi que aconteceu? - Brandon - ela respondeu num apelo desesperado - nós dois rompemos novamente. - Ah mãe - eu a abracei apertado - eu sinto muito, de coração.  - Eu sei que sente - ela fungou - eu não entendo, estávamos bem... - Essas coisas acontecem - eu tentei amenizar - pode ser uma fase r**m. - Não - ela gritou - ele disse à mim que foi um... engano - ela suspirou - não sei o que fazer.  - Mãe - eu tentava consola-la - respira, você sabe que tudo vai ficar bem.                Não ficaria bem, e eu sabia. Eu sabia como era aquela dor de ser deixada, de fazer planos que não se concretizam, de sonhar com um futuro que nunca chega... Aquele era um momento terrível. Eu não sabia nem mesmo como agir quando minha mãe se apresentava vulnerável daquela forma, para mim ela era sempre a pessoa mais segura de si e auto confiante do mundo todo, não era nem mesmo justo precisar ver ela passando por aquele momento.                 Ficamos juntas no chão da sala de estar por um longo tempo. Eu tentei fazer com que ela ao menos mudasse de lugar, pois o sofá parecia realmente mais confortável, mas no fundo eu respeitava a dor dela, nem mesmo sabia o que havia acontecido, porque Brandon tinha tomado aquela decisão, apenas sabia que minha mãe estivera disposta a deixar tudo para trás e segui-lo para Washington e que aquilo deveria ser o que mais a incomodava: a ideia de largar tudo por algo que terminava antes mesmo de começar realmente, conhecendo minha mãe e seu amor sincero por sua carreira e suas conquistas, abrir mão de tudo o que havia construído para seguir ele deveria ter sido uma difícil decisão, e o rompimento a fazia sentir-se tola apenas por ter pensado em deixar as cosas de lado por ele, ao menos eu me sentiria dessa forma.                  Conforme a noite chegou, eu também fui tomada por essa sensação de vazio e abandono, e perto das oito horas nós duas chorávamos enquanto decidíamos o que iriamos pedir para o jantar, nenhuma de nós tinha condições de preparar qualquer coisa que não fossem lágrimas. Depois de longas sessões de auto piedade e comida chinesa, mamãe finalmente foi dormir, e eu fui tentar falar com Spencer, que não respondera as minhas mensagens e nem mesmo retornara as minhas ligações perdidas.               Quando a manhã finalmente chegou e eu já estava um pouco mais calma, e aparentemente minha mãe também, percebi que tinha recebido mensagens de Spencer, pendido desculpas por não ter atendido ou retornado: ele estava em um vôo de volta para casa, ou seja, já estava de volta, e isso me animou bastante. - Bom dia – disse assim que percebi que mamãe estava na cozinha. - Bom dia – ela responde aparecendo vestindo um robe floral delicado – dormiu bem? - Apaguei – suspiro – e você? Tudo bem? - Sim – ela sorri – acho que eu estou um pouco mais conformada, pelo menos. - É um bom começo – eu respondo – quais são os planos? - Afogar-me em um mar de auto piedade durante o dia de hoje – ela sorriu – fiz chá, você quer? - Sim, obrigada – respondo – como seria exatamente isso? - Ficar em casa arrastando-me de pijamas pelo dia inteiro – ela ri – acho que preciso de um tempo, de verdade, um tempo de paz. - Vou concordar que precisa – eu a abracei pegando a caneca de chá – obrigada – agradeci sorrindo – e acho que ficar em casa de pijamas sempre é uma boa ideia. - Com certeza – ela riu – Spencer voltou? - Sim – respondo – chegou pela manhã. - Vão fazer algo juntos? – ela questionava parecendo saber a resposta. - Acho que não – respondi afundando-me no sofá ao lado dela – quem sabe eu fico aqui com você, de pijamas, fazendo vários nadas e tomando chá. - Acho ótimo.             Nossa sexta feira muito louca foi exatamente assim: enviei mensagens à Spencer dizendo que queria ficar com minha mãe, e ele respondeu dizendo saber que ela precisava do meu apoio, o que era bom, assim eu não precisaria explicar nada sobre o rompimento de Brandon com mamãe e ele não ficaria magoado por eu estar deixando-o de lado.             Passamos o dia de pijamas, entre chás e cafés, lanchinhos trazidos pelo delivery e doces. Assistimos incontáveis filmes, rimos e choramos... Acho que eu sentiria falta daquilo tudo também, de ter alguém com quem dividir as coisas, e apesar de ter passado anos afastada de minha mãe, os últimos anos, o meu highschool, tinha sido a melhor época de minha vida ao lado dela, acho que eu não conseguiria ser forte e deixar tudo atrás dos meus sonhos se não fosse esse período de convivência diária com minha mãe.             À noite, ela decidiu que sairia para beber com algumas amigas, até me convidou para acompanhar, mas eu tinha outros planos, que consegui concretizar com louvor: ficar junto com meu namorado. Assim que telefonei dizendo que poderíamos fazer algo juntos, ele disse que estaria chegando na minha casa em minutos, e acho que eu me apaixonaria por Spencer pelo resto da minha vida, todos os dias se eu o visse daquele jeito: a camiseta branca ajustada, shorts esportivos, tênis e a barba por fazer, ele parecia cada vez mais lindo naquela versão, a versão que eu havia conhecido correndo no East Garden anos antes: - Onde está a namorada mais linda do mundo? – ele pergunta assim que passa pela porta que eu havia deixado aberta. - Aqui – gritei da cozinha e logo sai para encontra-lo e ver a imagem mais linda do meu dia – você está tão gato, que eu acho que não quero que ninguém te veja assim. - Ciumenta – ele aproximou-se puxando-me para me beijar – mas faz sentido – ele disse sorrindo – eu também não deixaria ninguém ver você assim linda de pijamas – ele ria. - Engraçadinho – eu disse – você veio rápido demais, quero tomar um banho. - Quer ajuda? – ele brincou. - Acredito ser perfeitamente capaz... - Tudo bem – ele suspira derrotado – te espero aqui. Tá com fome? - Não – eu respondo com sinceridade – mas vou ficar. - Como assim? Fome programada? – ele riu. - Não, estou pretendendo gastar energia daqui a pouco.             Deixei-o na sala sorrindo bobo e tomei meu banho. Quando sai, ele já me esperava na cama, e conforme eu havia planejado o meu exercício físico me deixou com fome, e resolvemos sair e comer alguma coisa. Tudo parecia tão bem que eu m*l podia acreditar, era como se eu não estivesse prestes a deixar tudo aquilo para trás em busca do meu futuro. Passamos a noite juntos. Spencer falou pouco sobre a viagem com a mãe e eu sinceramente não me importava, estava feliz e satisfeita de estar com ele, de ter ele ao meu lado, era tudo o que eu realmente precisava.             Na manhã de sábado, acabei desmarcando a minha sessão com Mark para passar mais tempo com Spencer, sabia que era errado, mas eu queria aproveitar cada minuto da minha velha vida: visitamos Mia e Peter, almoçamos com nossas avós no píer, visitamos o papai na loja, e eu aproveitei para levar Guadalupe e Henry no parquinho, sentiria falta daquela parte da minha vida, de ter meus bebês, de andar pelo East Garden sorrindo e cumprimentando todos ao redor.             Spencer ficou comigo na noite de sábado também, e tentou convencer-me em vão a passar o domingo no country clube com a mãe dele e alguns parentes, mas eu disse que precisava ficar com a minha mãe, o que não deixava de ser verdade, mas soava como uma grande desculpa, não que eu estivesse incomodada com isso, porque Spencer sabia que eu ainda estava magoada com os acontecimento do dia de Ação de Graças e também com a maneira com que Sarah insistentemente me tratava: como se eu não existisse.             Procurei coisas para fazer no meu domingo e acabei encontrando mais coisas para organizar e classificar. Providenciei mais algumas caixas e chequei no meu planner: eu estaria partindo de Los Angeles em duas semanas, ainda não tinha decidido se achava aquilo incrível ou péssimo, apenas sabia que aconteceria.             Mamãe se juntou à mim durante a tarde, depois de dormir por horas para curar-se da ressaca de uma segunda noite de bebedeira. Ela disse que iria para Boston comigo, e que depois, voltaria para Los Angeles. - Vou entrar em contato com os clientes que estavam sabendo que eu estaria indo – ela disse – apenas para comunicar a mudança de planos. - Acho um bom começo – respondo. - Se eu mexer um dedo que seja da minha vida novamente para corresponder às expectativas de um homem, Mariah – ela suspira – me interne em um hospício. - Não seja tão dramática – eu ri. - Estou falando sério – ela me encara – não posso acreditar que depois de quarenta anos fui fazer isso com minha vida, quase larguei tudo para ir atrás de Brandon. - Essas coisas acontecem – eu disse tentando amenizar a revolta de mamãe – precisamos aceitar que nos enganamos às vezes – aquilo parecia um conselho que eu mesma deveria seguir – não se culpe tanto.             Preparei o jantar, salada de vegetais assados com frango, a especialidade do papai, minha mãe riu e disse que adorava, mas não sabia preparar. Dividimos a refeição e mais algumas horas juntas em frente à TV e quando decidi ir para o meu quarto, não consegui dormir, apenas encarei por um longo tempo as paredes...             Será que era normal sentir-se tão perdida? Com aquela sensação de que algo vai acontecer e que você vai acabar perdendo quase todas as coisas? Eu sentia que minha relação com mamãe nunca mais seria a mesma, assim como as coisas haviam mudado drasticamente entre o papai e eu com minha saída de East Garden, anos antes.             Esse sentimento de vazio, de perda, acompanhou-me por toda a semana. Todas as coisas que eu fazia me pareciam como uma triste despedida, no fim da semana eu estava tão esgotada que sabia que precisava ver Mark na manhã de sábado: - Não está levando a sério – ele disse assim que passei pela porta – sou obrigado a te dizer isso antes que sente aqui em minha frente. - Eu sei – suspirei – acho que eu estou decepcionada comigo também. - É bom te ver aqui – ele me abraçou, já éramos como velhos amigos, mas eu ainda precisava pagar pelas nossas conversas – confesso que comecei a sentir sua falta e questionar se eu tinha feito um bom trabalho ou um péssimo trabalho. - Um bom trabalho – respondo rapidamente – eu que tenho sido uma paciente muito relapsa com meu tratamento. - Bem, isso pode ser considerado um avanço – ele sorriu – como foi a sua semana? - Péssima – eu respondo – acho que eu não estou preparada para ir embora, não estou preparada para perder tudo isso... - E porque diz isso? – ele novamente começa a anotar coisas em seu caderninho. - Passei a semana toda me despedindo – eu disse já chorando – todas as coisas, tudo era triste e parecia ser uma despedida. - Então está pronta – ele sorriu – aproveitou cada minuto, tem consciência de que ficará fora muito tempo e quer guardar uma coisa boa, acho que esse é o caminho. - Mesmo que isso inclua sessões publicas de choro descontrolado? - Bem, pode ser uma reação exagerada, mas acredito que também faça parte – ele sorriu – está sensível, emotiva e ansiosa, e tudo isso é normal, é uma grande mudança na sua vida. - E se eu estiver arrependida da minha escolha? – pergunto – E se for absolutamente infeliz em Boston? - Não – ele riu – armadilha! Você tem um sonho e está indo atrás dele. Sua mente está te puxando, tentando te manter aqui na zona de conforto, onde você conhece... Sabe que não vai realizar nada aqui, que tem tudo perfeitamente encaminhado para seguir sua vida de forma brilhante, então, tudo o que precisa agora é se concentrar em driblar sua mente, provar para ela que sua decisão é a correta, que confia em si mesma e que sabe que será imensamente feliz em Boston.             Me despedi de Mark assim que terminamos nossa conversa e ele pediu alguns exercícios. Eu sabia que ele tinha razão, mas às vezes todas as coisas pareciam difíceis demais para mim. Tentei ver o lado bom: estaria mais perto de Spencer, ao menos uma coisa feliz eu teria além da oportunidade de seguir meus sonhos. 
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