3- PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI

2005 Words
O princípio da irretroatividade da lei tem regra matriz na Carta Republicana de 1988 (Art. 5º, XXXVI da CRFB/88), que garante as partes o direito de não serem surpreendidas com a mudança no estado do processo, em relação a causas já decididas. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. CRFB/88 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; No entanto, antes de falar-se em irretroatividade dos efeitos de lei vigente, é necessário definir quando entra em vigor, ou seja, quando as normas começam a produzir efeitos jurídicos no ordenamento. No caso do Código de Processo Civil de 2015, a norma jurídica não ficou silente e definiu que este que entraria em vigor 1 (um) ano da data de sua publicação oficial (Art. 1.045 do CPC). Esse prazo de 1 ano entre a publicação oficial e a efetiva produção de efeitos da norma jurídica é denominado de “vacatio legis”. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. CPC Art. 1.045. Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial. Nos casos omissos, onde não há definição da data de início de vigência, a lei começa a produzir efeitos após cumprir a “vacatio legis” de quarenta e cinco dias (Art. 1º da LINDB), ou seja, após a norma ser oficialmente publicada, conhecimento para todos “erga omines”, somente entrará em vigor, produzindo os efeitos normativos, após quarenta e cinco dias. DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942. LINDB Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. Entenda que a publicação serve para dar ciência, a todos os residentes no território brasileiro, sobre a existência de determinada norma, contudo, o fato de a norma passar a existir não representa que imediatamente produzirá efeitos jurídicos “para todos” (erga omines), pois passaria por uma quarentena, conhecida como “vacatio legis” para que “todos” se preparem e se adequem a ela. Havendo a publicidade da norma jurídica, ninguém poderá se justificar juridicamente, alegando “o desconhecimento da lei” (Art. 3º da LINDB), visto que ficou disponível para o conhecimento de todos, inclusive para aqueles que a ignoraram. DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942. LINDB Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Há hipóteses jurídicas criminais que o legislador, foi bem mais enfático na norma jurídica, eliminando totalmente o desconhecimento da norma jurídica como meio de justificativa, evitando que utilizem as funções públicas com o fim de perpetrar perseguições ou ser rigoroso. DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. CÓDIGO PENAL (CPB) Art. 316 omissis § 1º - Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) Observe que o texto jurídico “que sabe ou deveria saber” contido no Art. 316, § 1º do Código Penal é implícito em todas as normas vigentes, por força de norma geral (Art. 3º da LINDB), que se encontra devidamente positivada e vigente no ordenamento jurídico que exclui o “não saber” como justificativa para o não cumprimento de norma jurídica. Todavia é sempre bom trazer à baila que a referida norma (Art. 3º da LINDB) comporta exceções jurídicas, obedecendo a norma constitucional que impõe tratamento igual que respeite as desigualdades (Art. 5º da CRFB/88[1]), ou seja, a norma atinge igualmente os capazes e dar tratamento diferenciado aos incapazes (Art. 3º e Art. 4º, ambos do Código Civil) e a ele equiparado, como os silvícolas, conforme o grau de incapacidade. É evidente que o absolutamente incapaz (Art. 3º do Código Civil) não possui capacidade de “entendimento”, não conseguindo, por mais que tenham conhecimento de determinada norma, entender como funcionam na prática o ordenamento jurídico. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) Nesse estudo não adentraremos no campo de inimputabilidade (Art. 27 do Código Penal), visto que o assunto transcende a matéria processual civil proposta. Contudo deixando de lado, por enquanto esse tema, vamos focar apenas no viés processual civil. Nesse diapasão jurídico, como os absolutamente incapazes não possuem entendimento jurídico serão representados, via de regra, por seus genitores (Art. 71 do CPC). LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de Processo Civil. Art. 71. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei. Quanto aos relativamente incapazes (Art. 4º do Código Civil), que possuem certo entendimento jurídico, devem ser assistidos (Art. 71 do CPC) por genitores, tutores ou curadores, conforme o caso exigir. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) É sempre bom esclarecer que existe regramento próprio que define a situação dos indígenas/silvícolas (Art. 3º, I da Lei nº 6.001/1973), bem como o grau de incapacidade para efeitos legais, com base na “comunhão nacional” (Art. 4º da Lei nº 6.001/1973). Destarte, é sempre bom lembrar que estando em vigência a lei processual civil, suas normas, que são de natureza processual e não material, e por causa dessa natureza, devem ser aplicadas de imediato (Art. 1.046 do CPC) e, via de regra, sem o efeito retroativo (ex tunc), ou seja, devem ser aplicados de imediato aos atos processuais pendentes, vendando-se o efeito de retroativo, protegendo os atos processuais atingidos com a preclusão temporal e/ou lógica. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. CPC Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Essa garantia produz uma segurança jurídica e protege o direito adquirido (Art. 6º, § 2º da LINDB), o ato jurídico perfeito (Art. 6º, § 1º da LINDB) e a coisa julgada (Art. 6º, § 3º da LINDB c/c Art. 502 do CPC[2]). DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942. LINDB Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957) § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) Este princípio, que tem como base manter a ordem e segurança jurídica, se espraia no ordenamento por meio de normas processuais que, por exemplo, veda que matérias discutidas e revestidas com o manto da “coisa julgada” (Art. 507 do CPC), voltem a discussão pelo simples fato da revogação da norma jurídica, sob a luz das quais foram “discutidas”. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. CPC. Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão. Para poder dar estabilidades aos atos processuais praticados, as normas jurídicas, que conservam a natureza processual, veem desprovidas dos efeitos retroativos, cuja aplicação é imediata e abrange apenas os “atos processuais pendentes”. Fig. 03-a Uma dica fácil para aplicar os efeitos da retroatividade é verificar a natureza da norma, se material é aplicável, quando beneficia o titular do direito. Sendo norma de natureza processual, sua aplicação é imediata e não possui efeito retroativo, pois a garantia maior, que supera os interesses individuais das partes, é a preservação da ordem jurídica, co a proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Destarte, a norma processual, por causa de sua natureza “processual”, não volta no tempo, com o fim de atingir ato processual concluído e praticado sob a vigência de norma jurídica revogada, sendo que a revogadora “assume” o processo da data da sua vigência para frente (efeito ex nunc), produzindo efeitos normativos apenas nos atos processuais pendentes, independentemente dos benefícios que podem ocasionar as partes, salvo o ato não prejudicar “o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. O fato é que, quando um “ato processual é praticado” gera preclusão consumativa (Art. 507 do CPC), que extingue o direito das partes de praticar novamente o mesmo ato processual pretérito que lhe foi oportunizado, visto que ocasionaria uma grande insegurança jurídica. Imagine se a cada mudança da norma processual houvesse a possibilidade de desarquivar processos findos e reavaliar sob a luz da nova norma? Imagine você, ganhou uma causa, mas a parte novamente que discutir para que todo processo inicie do zero e tramite sobre a vigência da nova norma processual, que lembra, não altera o “direito material”, apenas estenderia no tempo e atacaria diretamente a garantia processual de duração razoável do processo (Art. 139, II do CPC). LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de Processo Civil. Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) II - velar pela duração razoável do processo; Não se enquadra como retroatividade da norma o fato de o juízo reconhece a nulidade de ato processual que fora praticado inadequadamente sob a vigência e luz da norma revogada. Os atos processuais eivados de nulidade serão anulados e praticados novamente, so as regras da norma que esteja vigente, ou seja, serão novamente realizados, sob a vigência de norma processual vigente, em virtude do vício material insanável, e não em decorrência de nova norma processual. Fig. 03-b No caso da retroatividade, o ato é reavaliado em virtude da norma, contudo no caso hipotético em questão, o ato seria praticado em virtude do vício insanável. [1] Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [2] Art. 502 da lei nº 13.105/2015. CPC - Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
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