Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar.
“Clarice Lispector”
Point of View Anne Jones
Carolyn segura minha mão direita com certa força enquanto me guia para o interior do bar, posso sentir a palma da sua mão suar tanto quanto a minha e posso sentir o meu corpo tremer em uma mistura de raiva e adrenalina que faz meu sangue correr mais rápido pelas minhas veias. Posso ouvir minha pulsação tão forte em meu ouvidos tanto quanto a música alta que invade meus sentidos tão assim que adentramos o bar.
Ignoro tudo ao meu redor e vou direto para um dos sofás vazios em um dos cantos mais escuros do local, felizmente não tem nenhum casal trocando uns amassos como seria de costume porque tenho certeza de que poderia expulsá-los a ponta pés tamanha a raiva que estou sentindo. Nada durante toda a minha curta e tediosa vida foi capaz de me deixar tão iritada quanto aquele motociclista maldito. A vontade que tenho de acertar um soco na cara daquele i****a continua igual desde o momento quando adentramos o maldito bar. Preciso respirar fundo pelo que parece a milésima vez desde que entrei no local.
— Motoqueiro filho da p**a — resmungo me ajeitando melhor no sofá que é um tanto quanto desconfortável. Esses bares estão cada vez mais duvidosos.
— Anne pelo amor de Deus, se acalma — pede Caroly se sentando ao meu lado enquanto continua a me analisar com atenção, não sei se procurando por possíveis machucados ou preocupada que eu tenha um surto de psicótico e vá atrás daquele maluco.
— Como eu vou me acalmar se eu quase fui atropelada por babaca pilotando uma moto?
— Certo, respira fundo e tenta se acalmar. Eu vou atrás de um bebida para você, álcool com certeza vai te deixar mais relaxada.
Ela se levanta tão rápido quanto me arrastou até aqui e segue em direção ao balcão, enquanto isso posso sentir alguns olhares sobre mim. Ótimo! Me tornei o assunto do campus por pelo menos uma semana ou até o quarterback ser pego atrás da arquibancada traindo aquela patricinha de novo.
Continuo ignorando tudo a minha volta e respiro fundo pela milésima primeira vez antes de pegar o meu celular e checar o Twitter. Sim, eu vou me distrair com uma rede social para pessoas depressivas, ansiosas e cheias de t***o reprimido enquanto estou em um bar quando poderia estar sendo uma pessoa normal e socializando. Até consigo me distrair por um tempo, vinte malditos segundos, o bastante para não achar nada de interessante. Quando finalmente vejo minha amiga retornar com duas garrafas de cerveja em mãos quase solto um suspiro de alivio.
— Aqui, bebe e relaxa — diz me estendendo uma das garrafas.
Aceito a bebida estendida em minha direção e não hesito antes de tomar um longo gole deixando que a cerveja de marca vagabunda e extremamente duvidosa desça pela minha garganta e diminuindo a sensação de boca seca que havia tomado conta de mim.
— Eu poderia matar aquele i****a com as minhas próprias mãos agora — digo enquanto lanço um olhar no local a nossa volta.
— Felizmente ele não está aqui — resmunga antes de tomar um rápido gole da sua bebida. — Mas sabe quem está?
Seu sorriso malicioso ao fim da frase me dá a exata ideia do que pode estar por vir na sua próxima fala.
— Juro que se mencionar o nome de qualquer i****a do time de futebol eu saio daqui e te deixo fala do sozinha.
— Por Deus! — Inicia séria, mas logo seu sorriso debochado toma conta do seu rosto bonito. — Como você foi de garota legal a completa v***a?
— Eu quase fui atropelada estou exercendo o meu direito de ser uma v***a — resmungo de volta tomando mais um longo gole da minha bebida.
Carolyn fica em silêncio por um instante e eu faço o mesmo. Ela com certeza está esperando que eu me acalme o suficiente para que possamos julgar todos os caras que virmos durante a noite e talvez, escolher um deles para nos pagar uma bebida. Me distraio olhando o bar a nossa volta, o ambiente não é dos piores preciso admitir. Tem seus móveis em estilo mais rústico enquanto modernas luzes de led são responsáveis pelo clima intimista até, apesar da leve sensação de estar em um motel barato em alguns pontos.
Uma música aleatória que não consigo identificar, mas que tenho certeza já ouvi no t****k toca no volume máximo enquanto pessoas suadas se espremem na pista de dança. Há casais espalhados em alguns cantos mais escuros e eu nem quero imaginar o que de fato estão fazendo e quais fluídos corporais isso envolve nessa pseudo privacidade.
— Tem dois caras muito gatos nos olhando no bar ás nove horas.
A voz de Carolyn me traz de volta vida real onde não posso fazer todos os comentários de gosto duvidoso que desejo. Levo a garrafa até a altura dos lábios, mas ainda não bebo. Olho em volta como se estivesse a procura de algo minimamente interessante e disfarçadamente olho para o local indicado pela minha amiga antes de tomar um breve gole da minha bebida. No bar os dois caras conversam e bebem suas cervejas enquanto lançam olhares e sorrisos para nos duas.
O da esquerda é loiro, seus cabelos estão bagunçados de forma charmosa e seus olhos azuis tem um brilho divertido. A camisa preta que usa é justa nos braços e no peito deixando evidente que ele possui músculos definidos (tenho certeza que gasta pelo menos duas horas por dia na academia e as coxas marcadas pelo jeans justo são prova disso). O da direita é moreno, seu cabelo tem corte estilo militar e pela forma como seu corpo é definido e ele se porta tenho certeza de que ele realmente é militar a forma como ele nos olhar tem um ar de malícia que é quase como um imã atraindo nossa atenção.
Minha amiga e eu trocamos um olhar cúmplice e ela arqueia a sobrancelha ruiva e bem feita em uma pergunta silenciosa para a qual apenas movo a cabeça em afirmação de modo quase imperceptível. É em momentos como esse que Carolyn e eu somos tomadas por uma espécie de segunda personalidade, ela ficar ainda mais charmosa (e não me perguntem como isso é possível, ela apenas brilha atraindo a todos que quer) e eu me solto deixando meu eu tímido trancado a sete chaves no fundo do meu cérebro.
Ignoro todo o meu lado nerd e boa garota e imito a forma como ela troca olhares com os rapazes, depois de tanto tempo de convivência eu havia aprendido como fazer isso sem parecer uma maníaca ou uma doida a ponto de um surto psicótico.
Não foi preciso mais do que cinco minutos para que os dois se aproximassem. Por essa noite nossa bebida está garantida.