“Quero poder conhecer alguém com o poder de arrebatar minha alma com um olhar”
RBD
Point of View Anne Jones
Felizmente acabamos os estudos do dia. Foram três ou quatro (é difícil saber depois de passar tanto tempo com a cara enfiada nos livros) longas horas direto no interior da enorme da biblioteca da University of Miami Leonard M. Miller School of Medicine, a escola de medicina mais velha da Flórida. O comunicado a família foi feito com direito a toda aquela coisa pomposa e tradicional de uma reunião familiar como se eu fosse anunciar um noivado, embora tenha a sensação que nem um noivado com um príncipe os deixaria tão extasiados quanto a faculdade. Diploma é coisa séria por aqui.
As vezes eu até me pergunto como consegui passar em uma universidade tão boa, não a toa me tornei o que a maioria das pessoas chamam de “orgulho da família” e como a minha mãe adora ressaltar esse título em cada reunião de família no dia de Ação de Graças. Título esse que eu acho completamente exagerado quando um dos meus primos é o mais jovem candidato a senador do estado, trinta e cinco anos e já tem uma das mais promissoras carreiras políticas enquanto eu sou apenas mais uma entre os milhares de estudantes de medicina do país.
Enquanto o meu primo John passa o dia dando entrevistas e segurando bebês em fotos de campanha eu passo doze horas por dia estudando no meu primeiro ano de Medical School, isso depois de quatro longos anos na Pré-Med que me fizeram questionar seriamente o meu sonho de me tornar neurocirurgiã. Tenho certeza que seria a decepção de Dereck Sheperd se ele fosse uma pessoa real e não um personagem, que além de tudo está morto. A vida de estudante da área da saúde não é nada fácil e a tendência é piorar.
Antes de sair da biblioteca minha melhor amiga, Carolyn, e eu passamos no banheiro apenas para ver se ainda estou minimamente apresentável para acompanhar nossas colegas em um bar não muito longe do campus que inaugurou a pouco tempo. Paro em frente ao espelho e olhos verdes e cansados me encaram de volta, solto o cabelo que estava preso em um r**o de cavalo e ele cai em uma cascata loira pelas minhas costas me fazendo parecer um pouco menos derrotada.
Cropped azul, jeans claro e tênis branco da Nike são a minha grande escolha de roupas para a ocasião além de uma maquiagem leve que faço em dez minutos. Absolutamente nada pode me fazer sair mais elaborada que isso quando estou mais preocupada em decorar patologias, mas nada m*l para uma volta em um bar após uma sexta de estudos.
— Ouvir dizer que alguns caras do time de futebol vão estar no bar hoje a noite — murmura ela sugestivamente enquanto escora o quadril na pia ao lado. Os olhos castanhos dela me encaram com um brilho malicioso que conheço muito bem.
— Essa informação deveria me parecer relevante? — indago arqueando a sobrancelha sem me distrair ao passar um gloss com um tom rosado. Tentando parecer mais com uma aluna e menos com um cadáver da aula de anatomia.
— Levando em conta de que a única coisa que você fez nos últimos meses foi estudar deveria sim. Não pode passar todo o período da universidade, que deveria ser a melhor fase da nossa vida, com a cara enfiada nos livros — responde enquanto se olha no espelho analisando sua roupa que não é muito diferente da minha exceto pelo salto que deixa alguns centímetros mais alta que eu.
— São onze anos para me tornar neurocirurgiã, se as contas batem ainda tenho seis anos e meio pela frente. Não há motivo para pressa.
— Sinto informar, mas acho muito difícil que tenhamos tempo para encontros durante a residência. Infelizmente a vida não é Grey’s Anatomy e não é possível trocar amassos com um médico gostoso em um elevador de hospital.
— Não quebre os meus pequenos sonhos.
Realmente não foi nada fácil para nós, grandes expectadoras da série descobrir que a vida de um interno não era tão animada na vida real. A fatídica tragédia se deu depois que alguns veteranos que estavam na residência nos contaram como as coisas realmente funcionavam enquanto tinham caras cansadas e olheiras profundas depois de um longo plantão. Mais uma vez nesse dia eu repensei minha carreira.
— Então… o Jake vai estar lá e ele parece bem interessado em você.
— Seria ótimo se compartilhássemos algo em comum por mínimo que seja, mas acho uma completa ironia que com um futuro na neurocirurgia eu tenha que conversar com um humano que parece desprovido de cérebro.
Carolyn explode em uma gargalhada animada enquanto move a cabeça ruiva em afirmação. Somos amigas desde o jardim da infância e ela sabe o que conversar com alguém que só consegue falar de músculos e futebol me causaria. Eu provavelmente passaria a noite inteira entre “uhum” “é mesmo” e falsas exclamações de empolgação. Digamos que eu não sou muito boa em esconder minhas emoções embora não seja a pessoa mais explosiva do mundo.
— Tudo bem, mas não vamos desistir. Talvez encontre alguém interessante no bar.
— Vamos torcer para que isso aconteça.
Então ela sorri e cruza os dedos, enquanto fazemos o caminho para fora do banheiro encontrando alguns dos nossos colegas de classe e assim caminhamos juntos em direção ao bar que fica a cerca de dez minutos de uma caminhada tranquila.
Carolyn e eu caminhamos mais atrás do grupo, seu braço está entrelaçado ao meu enquanto ela me atualiza da última novidade do campus. Era um costume nosso nos reunir para fofocar desde o ensino médio, onde comentávamos sobre as patricinhas do nosso antigo colégio entre uma sessão de estudos e outra. Vadias fofoqueiras sim, burras jamais.
Estamos quase em frente ao bar quando ela encontra Luke, um dos seus pretendentes podemos assim dizer. Não me julgue, mas a palavra crush parece apenas estranha demais para sair da minha boca. Decidida a não ficar de vela eu aviso que a encontrarei no bar antes de seguir até a faixa de pedestres e começar a atravessar a rua, mas meu corpo praticamente congela quando vejo a moto surgir tão rápido que meu consigo raciocinar. Um som agudo e esganiçado sai da minha garganta sem que eu perceba quando a motocicleta para a milímetros da minha perna.
— Anne!
Ouço grito de Carolyn, mas não tenho reação. Sinto meu corpo inteiro tremer pela descarga de adrenalina e minha respiração descompassada. Logo as mãos da minha melhor amiga estão em mim, checando se estou machucada.
Quando o farol da maldita motocicleta se apaga seu dono desce da moto retirando o capacete e sacudindo a cabeça e fazendo uma cascata de cabelos castanhos surgirem caindo sobre seus ombros cobertos por uma jaqueta de couro. O homem então se aproximou parecendo me analisar com os olhos aflitos.
— Tudo bem? Você se machucou? Precisa de um hospital? — Despeja sua enxurrada de palavras enquanto seus olhos castanhos passam por mim.
Não sei exatamente como ou porque, mas apenas de olhar para ele uma onda de raiva toma o meu corpo que m*l posso me conter e as palavras praticamente saem da minha antes que eu perceba.
— Mas que… Você é maluco por acaso? Como poder andar por aí dirigindo essa merda igual a um louco? — grito irritada.
— Tecnicamente eu estava pilotando — responde fazendo uma pequena careta.
— Pouco me importa os termos técnicos. Não pode andar por aí nessa velocidade.
— Você se machucou? — perguntou de novo se aproximando levemente enquanto usava a mão para livrar o seu rosto do cabelo bagunçado.
Só então vi de fato seu rosto livre de barba e com mandíbula marcada, a minha vontade foi de acertar um belo soco naquele nariz bonito mesmo que corresse o risco de quebrar a mão ou alguns dedos no processo.
— Não, está tudo bem — responde Carolyn, provavelmente notando que estou a ponto de quebrar o nariz dele.
— Tem certeza? — indaga ele mais uma vez
— Seu filho da…
Antes que eu possa responder minha amiga responde um sim e começa a me arrastar em direção ao bar.