As manhãs naquela parte do Pacífico eram invariavelmente resplandecentes. Nas primeiras horas do dia o sol se refletia nas águas e o horizonte era tão límpido que era possível ver a ilha vizinha.
Depois de se certificar de que os empregados que Chris mandara para limpar a clínica eram capazes de dar conta do serviço sozinhos, Samantha resolveu tirar o dia de folga. Planejava mudar-se para a nova casa e preparar o consultório no dia seguinte, com a ajuda daquele mesmo grupo de empregados.
Para sua surpresa, notou uma diferença no comportamento de Felicity durante o café da manhã. A moça parecia muito bem disposta, ajudou a mãe a tirar a mesa e sugeriu que fossem nadar numa praia isolada.
— Acho que seria ótimo, mas estava planejando conhecer a aldeia primeiro. — Samantha recusou da maneira mais polida que encontrou para não ofender a moça e acrescentou: — Podemos ir depois do almoço?
Depois de tudo combinado, Samantha saiu para dar o passeio pela aldeia. Enquanto caminhava, tentava imaginar a razão daquela mudança repentina de humor. Talvez tivesse sido precipitada em julgar a moça; poderia estar de mau humor ontem, embora parecesse improvável considerando o comentário da própria Sra. Tarai.
Ou teria sido a volta de Christopher Girard responsável por aquele bom humor? De qualquer forma, a causa não importava; estava satisfeita com o resultado e animada com a perspectiva de um relacionamento amigável com sua assistente.
Chegou ao centro da pequena aldeia, onde visitou as lojas para se apresentar e conhecer as pessoas. Todos, tanto lojistas quanto fregueses, sabiam de sua chegada, já que não era sempre que um avião pousava na ilha trazendo um passageiro.
Qualquer dúvida que Samantha pudesse ter sobre sua presença ser indesejada na ilha foi descartada pelo comportamento gentil das pessoas que paravam nas lojas e ruas para apertar a mão da esperada Dra. Hall.
O açougueiro foi chamar a esposa para conhecê-la, o dono da mercearia se colocou à disposição da médica para o que precisasse e o mecânico lhe entregou as chaves do carro prometido por contrato.
Samantha estava no sétimo céu. Nunca na vida tinha se sentido tão importante, tão especial. Embora soubesse que seria muito útil na ilha, não sonhava com uma aceitação tão unânime. A afeição sincera daquele povo apagou as más impressões de seu primeiro dia.
Quando chegou em casa, Felicity ficou entusiasmada com o carro e sugeriu que fossem nadar numa praia mais distante. Depois do almoço, as duas vestiram os biquínis e saíram para passar uma tarde ao sol.
Samantha não esqueceu o chapéu de palha e o bronzeador que comprara naquela manhã e colocou uma saída longa de praia. Percebeu o riso reprimido de Felicity e explicou:
— Preciso tomar cuidado para não torrar nesse sol forte. Não quero ficar com o corpo todo ardido.
Além de proteger a pele contra a exposição do sol, a saída de praia também servia como escudo contra eventuais olhares curiosos dos moradores da ilha. Samantha não ficaria à vontade em andar só de biquíni.
Felicity já não tinha esse tipo de inibição. Estava com um biquíni menor que o de Samantha e ficou pendurada na janela do carro enquanto atravessavam a aldeia, acenando para todos que passavam. Numa ilha daquele tamanho, todos se conheciam.
A enseada que Felicity escolheu ficava bem no fim da única estrada pavimentada da ilha e Samantha ficou aliviada por não ter que enfrentar uma rua poeirenta logo no primeiro dia com o carro novo, embora soubesse que isso fatalmente aconteceria.
Ter um carro era essencial para poder visitar os pacientes que não pudessem vir até a clínica, como as famílias que moravam no alto das colinas. Para as visitas de rotina na aldeia, poderia ir a pé.
Foi uma tarde muito divertida. Samantha nadou, deliciada com o calor daquela água tão cristalina que permitia ver os bancos de coral no fundo. Na primeira oportunidade, compraria uma máscara de mergulho. Entre um mergulho e outro, ficava deitada na sombra de uma palmeira, procurando não abusar do sol. Não queria ser sua primeira paciente.
De vez em quando, puxava conversa com Felicity, mas a moça se limitava a responder suas perguntas. Quando tentou saber mais sobre sua educação, para decidir que tipo de tarefa lhe dar, teve mais cooperação. Apesar da recomendação de Christopher, não confiava muito na capacidade dela.
Era tão relaxante ficar deitada naquela praia sem fazer nada, que Samantha não queria ir embora, mas já eram quase quatro horas e não lhe faria bem algum ficar mais. Sacudiram bem as toalhas e limparam os pés para não sujar de areia o carro novinho em folha.
— Na verdade, isso não vai adiantar muito — Felicity comentou. — Não ficará conservado por muito tempo.
Os poucos carros que viram pelas ruas estavam estragados pela ferrugem, em conseqüência da exposição constante à lama e à brisa salgada vinda do mar.
Quando chegaram em casa, a Sra. Tarai veio correndo até a porta com um bilhete para Samantha. Era um convite para jantar na Casa Grande naquela noite, às sete.
— Posso usar seu telefone, Sra. Tarai?
— Não é preciso. O Sr. Girard disse para telefonar apenas se não puder aceitar o convite. Você vai, não é? — A viúva parecia ansiosa, deixando claro que um convite da Casa Grande não era de se desprezar.
— O Sr. Girard veio entregar isto pessoalmente?
— Sim. Isto é, ele deixou o bilhete quando soube que você ia passar a tarde na praia. E então? Você vai, não?
— Sim, é claro.
— Ótimo! Então, vá se arrumar depressa. Levará quase meia hora para chegar lá e não deve se atrasar.
Samantha subiu correndo as escadas, contente e ao mesmo tempo nervosa com aquele convite inesperado. Talvez Christopher já tivesse conseguido desvendar o mistério da clínica.
Durante o banho, pensava no que vestir e lembrou de um conjunto verde, da cor do mar e também de seus olhos, muito apropriado para a ocasião. Saiu do banheiro com a toalha enrolada nos cabelos e abriu uma das malas. A blusa era do tipo frente-única, que deixava as costas e os ombros de fora; a saia era ligeiramente rodada.
Secou os cabelos que brilhavam com o banho de sol daquela tarde e passou uma loção na pele, que estava rosada, acentuando sua beleza. Apesar de nervosa por rever Christopher Girard depois daquele primeiro encontro, era grande a sua expectativa para conhecer a casa branca no topo da colina.
Não foi difícil encontrar o caminho, graças a um mapa esboçado nas costas do bilhete. Logo, estava diante da Casa Grande, que fazia jus ao nome, não só pelo tamanho, como pela imponência. Estacionou atrás de um jipe e um Jaguar conversível.
Um mordomo abriu a porta e, depois de fazer uma reverência distinta e desejar boas-vindas, levou a médica até a sala onde se encontrava o Sr. Girard.
Samantha seguiu o mordomo por um corredor, reparando que não existiam portas divisórias entre os cômodos, dando a impressão de maior amplidão. Christopher a recebeu com um largo sorriso.
— É um prazer revê-la, Samantha. — Seus olhos escuros brilhavam, revelando a sinceridade daquelas palavras e fazendo o coração dela disparar. — Venha conhecer os meus amigos. Este é Ed Bates, professor da escola local, e o reverendo Ilima. Senhores, esta é a Dra. Samantha Hall.
Depois das apresentações, Christopher serviu um aperitivo refrescante feito de rum, suco de abacaxi e soda. Começaram a conversar e Samantha ficou sabendo que Ed Bates era descendente de um dos primeiros colonizadores da ilha e, depois de terminar o colegial em Halekai, foi para os Estados Unidos continuar os estudos.
O reverendo Ilima também havia estudado nos Estados Unidos num seminário na Califórnia e, apesar da diferença de idade, — Ed devia ter uns trinta e o reverendo uns cinqüenta e cinco — eram bons amigos.
Ed lecionava para quase oitenta crianças entre a primeira e a oitava série, contando com a ajuda de dois assistentes, para manter a disciplina e orientar os alunos. O reverendo Ilima interveio para lembrar que até um ano atrás Ed trabalhava sozinho.
— E você devia ter visto a escola — o professor acrescentou. — Tinha goteiras no teto, as carteiras pareciam ser de cem anos atrás...
— Até Chris fazer um milagre.
— Ora vamos, reverendo... — Chris ria para disfarçar o embaraço. — Não foi tanto assim.
— Mas foi o mais próximo que já vi de um milagre. Não queira saber mais do que eu!
Todos riram e, nesse instante, o mordomo entrou para anunciar o jantar. O vinho foi servido em copos de cristal e Chris levantou para fazer um brinde.
— A nossa nova médica. Por seu currículo e ótimas referências, sei que honrará nossa ilha com sua sabedoria e dedicação. — E, com uma piscada marota, acrescentou: — Só não sabia que nos honraria também com sua beleza.
Samantha ficou vermelha e agradeceu o brinde, sentindo um alívio imenso quando a empregada entrou com o primeiro prato, desviando a atenção de todos para o delicioso suflê de peixe. Logo, o reverendo Ilima voltou ao assunto da escola.
— A escola nunca foi muito boa, mas nos últimos tempos estava totalmente negligenciada e quase em ruínas. O prédio nunca foi pintado e o material didático nunca foi renovado. Durante anos, a única professora era uma moça com nível colegial, que trabalhava de graça.
— Não é possível! — Samantha arregalou os olhos de espanto.
— Mas é a pura verdade. Então, há uns dois anos, Ed voltou dos Estados Unidos para rever os amigos da ilha.
O reverendo lançou um olhar significativo para Chris, e Samantha entendeu que aquele homem sentado na cabeceira da mesa tinha contribuído muito para o benefício da única escola em Boa Providência. O reverendo continuou a falar:
— E foi então que as mudanças começaram. Agora, a escola está melhor instalada, tem novo material didático e dois assistentes, que serão mandados no semestre que vem para Guam, onde serão preparados para o magistério. A situação promete melhorar para a educação de nossas crianças.
Samantha ficou comovida com o entusiasmo do reverendo e o brilho de satisfação no olhar de Ed. E mais ainda em saber da participação decisiva de Christopher Girard.
— Isso é maravilhoso, Ed. Mas, por enquanto, você ainda ficará sobrecarregado de serviço.
— É verdade. Poderíamos contratar um professor de outra ilha ou mesmo trazer alguém dos Estados Unidos, mas preferimos desenvolver nossos próprios talentos.
Nesse ponto, Chris participou da conversa pela primeira vez:
— Não é só isso, Samantha. As crianças de Boa Providência não são nem micronésias, guamanianas, j*******s ou espanholas, como a maioria dos colegas que encontram quando freqüentam a escola em Halekai. Embora exista um número considerável de descendentes americanos em Guam, são na maioria militares, que tendem a se fechar em seus grupos. Aqui as crianças vivem numa reprodução miniaturizada de New England.
— São criadas falando inglês — Ed informou —, mas precisam também aprender o dialeto local e o japonês para o caso de irem trabalhar ou morar em Halekai, por exemplo.
— E é muito comum o êxodo para Halekai ou outras ilhas vizinhas, como Guam ou Saipan — o reverendo Ilima comentou num tom que intrigou Samantha.
— E isso é um problema?
— Um grande problema. Principalmente em Halekai, onde o turismo é muito difundido e os que saem de nossa ilha ficam deslumbrados com o dinheiro que corre como água.
Chris completou a idéia:
— E o que resta para esse povo que fica em Boa Providência? Trabalhar nos canaviais, nas docas ou nas lojas. Não parece um tipo de vida muito interessante, não é?
— Em último caso, podem ficar v******o nas praias — Samantha comentou brincando, mas a resposta que recebeu foi muito séria.
— Não. — Chris sacudia a cabeça. — Desde os tempos dos primeiros colonizadores, foi criada uma lei que obriga todos a trabalhar, seja nas plantações ou em qualquer outro ramo de atividade, para contribuir para o desenvolvimento da ilha. Quem não estiver disposto a cooperar tem que ir embora!
— E isso não cria problemas?
— Alguns, mas não tantos quanto a falta dessa lei causaria. Temos um fundo de previdência para crianças, velhos e viúvas. E incentivamos as pessoas e abrir seu próprio negócio, por menor que seja, e ficar.
Nesse ponto, o reverendo Ilima retomou a história:
— Pode parecer rígido, Samantha, mas é preciso lembrar que, quando Mathias veio para cá, os moradores das ilhas vizinhas não viam os primeiros colonos com bons olhos. Mais tarde, quando os canaviais se desenvolveram tão bem e a ilha começou a prosperar, sofreu uma verdadeira invasão de imigrantes. As leis foram criadas para assegurar que os colonizadores trabalhassem e impedir que viesse mais gente do que a ilha podia acolher.
— Por que o senhor disse que os moradores das ilhas vizinhas não viam os primeiros colonos com bons olhos?
Chris riu.
— Quer dizer que você não ouviu a história ainda?
— Não, mas estou curiosa.
— É uma história muito interessante, Samantha. Mathias Girard era meu tataravô, um mercador que mantinha negócios nos principais portos de New England. Numa de suas viagens, conheceu esta ilha, um verdadeiro paraíso para quem vinha de um mundo frio e austero. Quis logo se estabelecer aqui, mas sabia que precisava de um negócio para se manter.
— E não existia nenhum tipo de atividade por aqui?
— O cultivo de coco, abacaxi e um pouco de pesca podiam ser adequados para os nativos, não para um velho lobo do mar.
— Não simplifique tanto assim, Chris — o reverendo interveio. — A ilha era desabitada, mas existiam algumas culturas, como a da cana, do café e do coco, que eram comercializadas desde o século XVII. A verdade é que Mathias Girard era um homem independente e queria fazer tudo sozinho.
— Era um homem meditativo também — Chris acrescentou —, que mantinha um diário com suas esperanças e idéias. Quando voltou para casa, estava com os planos traçados e pegou todas as economias para pagar a fiança de uns doze prisioneiros que seriam os primeiros colonos da ilha. Entende agora por que os moradores das ilhas vizinhas não receberam bem os novos colonos?
— Estou surpresa com a coragem de seu tataravô em conviver com ex-presidiários. A esposa dele veio junto?
— Veio sim. Pelo que sei, minha tataravó odiava o frio e tinha também um grande espírito de aventura, ficando muito animada com a idéia de vir para uma ilha tropical.
Samantha concluiu, então, que Ed devia ser descendente de um daqueles ex-presidiários e, como se tivesse adivinhado seus pensamentos, Chris explicou:
— É claro que Mathias Girard não era nenhum i****a e escolheu a dedo os homens que trouxe. Tinham que ter certas habilidades e teve o cuidado de não incluir nenhum assassino ou e********r. Entre os escolhidos estavam pessoas que podiam ajudar com sua experiência anterior, como fazendeiros presos por não pagar as dívidas.
— Era um homem esperto.
— O primeiro reformador prático de presidiários que já ouvi falar — o reverendo observou, rindo.
— E muito ativo — Chris acrescentou. — Para a viagem, usou fazendeiros como marinheiros e donas-de-casa como enfermeiras e cozinheiras.
— Vieram mulheres também?
— É claro que sim! Como você acha que a população da ilha foi aumentando? — Chris zombou do espanto de Samantha. — Assim que chegaram, Mathias Girard encarregou alguns homens das plantações e outros da construção de casas. O clima era ameno e as pessoas tiravam todo o sustento da própria terra. Na verdade, foi daí que veio o nome da ilha, era uma terra favorecida pela divina providência.
Samantha concordou. Era realmente o nome mais adequado para aquela terra farta e o novo lar de pessoas tentando reconstruir suas vidas. Chris continuou a falar.
— Mathias supervisionava os trabalhos nas plantações, cuidava da criação de porcos e vacas que tinha trazido. Aprendeu a pescar com os nativos das ilhas vizinhas e usou todos os contatos que conseguiu em anos como mercador para comercializar a cana. O início não foi nada fácil, é claro, mas depois de algum tempo os novos colonos ficaram muito satisfeitos.
— Eles não ficaram felizes por estarem livres da prisão? — Samantha não se sentia à vontade em falar de ex-presidiários na presença de um de seus descendentes, mas considerando que a maioria dos habitantes da ilha descendiam desses primeiros colonos, não devia existir nenhum constrangimento.
— É claro que ficaram. Ninguém foi trazido à força, mas temos que compreender que aquelas pessoas foram tiradas de um mundo que conheciam para uma vida totalmente diferente. E por mais bonita que a ilha fosse, a adaptação foi muito árdua.
Samantha ficou calada por um instante, tentando imaginar como foram aqueles primeiros anos. Na certa, ninguém passava fome, mas os temores e a solidão deviam ter sido constantes. Enquanto esses pensamentos sérios passavam por sua mente, um sorriso se esboçou em seus lábios. Chris notou.
— O que é tão engraçado, Samantha?
— Estava imaginando a cena do embarque da tripulação de Mathias Girard em algum porto de New England. Vacas e porcos, homens e mulheres... de dois em dois, como a arca de Noé...
Todos riram e aquela conversa sobre a história da ilha foi interrompida. Tomaram café na sala de estar e, ao contrário do que esperava, Samantha ficou à vontade na presença de Chris.
A conversa girou em torno de assuntos variados, como as colheitas do ano, e já eram dez horas quando Ed levantou para se despedir.
— Amanhã é um dia de trabalho para mim.
— Tenho que ir também — Samantha falou. — Preciso chegar cedo na clínica amanhã e deixar tudo pronto para receber os pacientes depois de amanhã. — Estava levantando quando sentiu a mão quente de Chris em seu ombro.
— Por que não fica mais um pouco para ver o diário de Mathias? Além disso, ainda não conheceu a casa.
Dividida entre a sensação de que seria mais conveniente sair com os outros convidados e o desejo de conhecer aquele casarão magnífico e o diário histórico, Samantha hesitou. Mas o reverendo Ilima a convenceu:
— Você deveria aceitar o convite, Samantha. Não é qualquer um que tem a honra de conhecer essa relíquia de Mathias Girard.
— Está bem.
Depois que as visitas foram embora, Samantha sentiu um arrepio de apreensão na espinha, Chris, porém, continuou a representar o papel do anfitrião perfeito. Foram para um pequeno gabinete, onde passaram quase uma hora lendo os diários com capas de couro. Chris mostrava as passagens mais interessantes e riam da minúcia de seu ancestral.
— Vamos ver a casa agora? — Chris sugeriu, depois de guardar os preciosos diários.
Samantha concordou e, embora estivesse fascinada pela história da colonização da ilha, estava mais interessada pelo presente... e pelo atual proprietário da Casa Grande.
— É óbvio que seu tataravô não construiu esta casa nos primeiros anos da colonização. Quando foi?
— Não muito depois — foi a resposta surpreendente de Chris. — O filho de Mathias começou a construção e seu neto terminou o trabalho. Embora os planos iniciais tenham passado por alguma modernização, a idéia original foi mantida.
Passaram pelo corredor principal, onde o piso era coberto por azulejos decorados.
— No andar de cima, o piso é de madeira, mas gosto muito desses azulejos. Foram trazidos da Espanha. — Chris a guiou até o pátio. — Aquela fonte e os bancos de pedra também. Existem mais dois pátios como este na propriedade.
— É lindo e a gente percebe realmente um clima de Espanha. Existem descendentes de espanhóis morando na ilha?
— Sim, mas todo esse material foi trazido por Nathaniel, filho de Mathias. Ele herdou o espírito aventureiro do pai e partiu num dos navios que vieram buscar a cana, viajando pelo México, América Central, Filipinas, Havaí e passando por Portugal e Espanha. Quando voltou, trouxe muitas idéias novas e caixas deste azulejo e outros materiais.
Passando pelas salas no andar de baixo, Samantha viu outros objetos trazidos nessa viagem. Eram quadros, tapeçarias e cortinas que formavam um ambiente exótico, onde um extremo bom gosto e principalmente muita praticidade predominavam.
Chris não fez menção de mostrar o andar de cima e, embora estivesse curiosa, Samantha não pediu para ver. Disse apenas que a casa era linda, deixando seu anfitrião visivelmente satisfeito.
Foram para um terraço cercado de palmeiras, de onde admiraram as luzes da aldeia ao longe.
— Às vezes, dá para ver um navio daqui, como uma estrela solitária no meio da escuridão.
— O céu está estrelado hoje — Samantha murmurou, olhando para cima. — As constelações parecem diferentes desta parte do mundo.
— Está com saudades de casa?
— Na verdade, não tenho muito do que sentir saudades. Minha mãe morreu quando eu era criança e perdi meu pai na época em que estava na faculdade. Tenho apenas alguns primos, com quem não tenho muito contato.
— E amigos?
— Tenho alguns, mas não muitos.
Ficaram perdidos em seus próprios pensamentos, até Chris interromper o silêncio.
— Seu pai era médico?
— Sim... é um caso muito comum. O pai é médico e espera que um filho assuma a profissão, e quando se vê às voltas com uma filha... Ele tinha até escolhido um nome: Samuel.
Chris passou o braço pelos ombros de Samantha, embora o olhar continuasse perdido no mar.
— Do jeito que você fala, parece que era um peso para o seu pai, o que não acredito que seja verdade.
— Oh, ele acabou se acostumando com a minha presença.
Chris a abraçou com mais força, transmitindo o calor de seu corpo para o dela.
— Pode apostar que me acostumarei com facilidade com a sua presença.
Samantha sentia um nó na garganta, que a impediu de falar. Chris fez com que ficassem frente a frente, colocando as mãos naquelas costas nuas, envolvendo-a num abraço.
— Samantha... — O nome saiu num sussurro dos lábios de Chris e os olhos tinham um ar interrogativo. Contudo, ele estava impaciente demais para esperar a resposta.
Lentamente, um dos braços de Christopher pousou no ombro de Samantha, acariciando sua pele antes de descer de novo pelas costas até a cintura. E com gentileza, mas determinação, apertou-a mais nos braços.
A exploração daquela mão quente deixou uma trilha de fogo nas costas de Samantha, tirando sua respiração. Queria fechar os olhos e quebrar aquela corrente magnetizante, pois já sentia a corpo se amoldando involuntariamente ao dele. Mas era impossível desviar daqueles olhos escuros e cativantes.
Christopher foi se aproximando aos poucos e fechou os olhos expressivos, convidando-a a fazer o mesmo. Um suspiro escapou de seu peito, como se não pudesse esperar mais para aprisionar os lábios rosados de Samantha.
O beijo começou suave, cheio de ternura, e os temores de Samantha desapareceram como num passe de mágica. Porém, os lábios de Christopher ficaram mais insistentes e ávidos, forçando passagem e exigindo uma resposta.
Samantha nunca tinha sido beijada daquela forma, assim como jamais tinha correspondido com tanto prazer e intensidade a um homem. O beijo foi ficando tão intenso que seus lábios pareciam estar pegando fogo e sentiu medo. Não estava preparada para aquilo, ainda não.
Como se percebesse essa mudança, Chris se afastou um pouco, embora as mãos continuassem a massagear as costas de Samantha, Sua respiração era irregular, mostrando que também tinha sido afetado pelo calor daquele beijo.
Samantha estava com as mãos apoiadas naquele peito largo e perdida nas profundezas dos olhos negros de Chris, onde ardia uma chama que não era difícil identificar. Ainda ofegante, compreendeu que era preciso quebrar o encanto, antes que perdesse o controle.
Com as pernas trêmulas, Samantha saiu do terraço, decidida a ir embora. Chris não se ofereceu para acompanhá-la até o carro e ficou encostado na grade do terraço, observando-a partir. Nenhum dos dois falou, nem mesmo para dizer uma palavra de despedida, que poderia ter estragado o clima de magia que os envolvia.