Capítulo 3

2807 Words
3 semanas depois. ................................................................. *Lilly* -Se eu soubesse que você iria preferir comer suas unhas ao invés de Hambúrguer, eu nem teria saído da minha casa.-resmungou minha avó. -Quanta falta de consideração com sua única neta.-retruquei. Tirei os dedos da boca e segurei as mãos no colo. Estávamos na Lanchonete do Blue, meu lugar preferido da Terra desde quando eu era criança. Passara três semanas desde o dia das classificatórias. Eu havia voltado para os Estados Unidos dois dias depois, e pude aproveitar e conhecer alguns pontos turísticos de Moscou antes de voltar para casa. Era um lindo lugar e gelado também, devo acrescentar. Minha mãe e meu pai não conseguiram sair do trabalho para comer conosco, então só estava eu e minha vó. -Ora, não me venha com mais essa agora, menina! Sabia que a Suzanne Collins disse que uma criança roeu tanto as unhas que precisou ir ao dentista para retirá-las da gengiva. Sem contar que isso pode acabar perfurando seus órgãos. -Suzzane Collins sempre diz esse tipo de coisa no programa dela, vó. Na semana passada ela disse que o filho dela havia passado m*l só porque colocou uma folha na boca.-comentei. -Não diga bobagens sua tolinha- deu um pequeno tapinha na minha mão-, não era qualquer folha. Ela disse que o filho dela tinha comido aquela planta venenosa que nossos vizinhos tinham. Uma vez você quase comeu uma dessas plantas também, mas seu amiguinho a alertou antes. Ele era um rapazinho tão fofo, brincavam tanto quando eram crianças. Lembra-se dele?-perguntou. -Sim. -Não ouviu nada do que eu disse não é?! Sua mocinha sem educação. -Eu sempre ouço tudo o que você diz vó. Só estou um pouco distraída hoje.-respondi sem ânimo. Ela me dirigiu seu olhar de afeto, típico das avós. Como se soubesse exatamente o que se passava pela minha cabeça. -Sei que odeia tanto quanto eu, quando dizem que vai dar tudo certo, porque normalmente as coisas não dão 100% certo no final. Mas nessas circunstâncias eu tenho que te dizer, vai dar tudo certo!- comenta estendendo suas mãos para que eu as segure do outro lado da mesa. -Eu sei que mesmo se nada der certo eu sempre vou ser amada e… -Nao me venha com essa de ser amada e acolhida, isso você já é. Estou te dizendo que realmente vai dar certo na competição. Você vai ver, minha querida.-disse ela apertando forte meus dedos. -Obrigada vó. -Eu já até economizei para comprar minha passagem para assistir a última apresentação.- ela disse rindo e soltando minha mão. -Mas nem sabemos quando vai ser ou mesmo se serei selecionada.-respondi. -Pelo amor de minha santa e velha paciência, Lilly! Estamos sentadas aqui a duas horas esperando o resultado ser anunciado a qualquer momento por essa TV velha do Blue, e você tem a audácia de me dizer que não adiantará nada? Eu não sairia de casa com essa neve toda só para receber uma negativa. -Como pode ter tanta certeza? -Minha intuição nunca falhou em todos os meus 65 anos de pré história. Algum livro histórico deve ter feito menção a alguma velha que alertou sobre uma coisa que ninguém deu ouvidos na hora, mas depois aconteceu. Se pesquisarem bem, acabarão descobrindo que fui eu em outras eras. Mas ninguém nunca escuta o que os velhos dizem, não é mesmo? Certamente as paredes têm mais respeito do que nós, seres de pele enrugada e flácida.-comentou fazendo seu habitual melodrama. Antes mesmo de eu responder o Blue chegou com nosso pedido. - Desculpem a demora, senhoritas. A lanchonete está superlotada por causa do trânsito e da neve.-disse ele colocando os hambúrgueres na mesa. -Oh Blue, eu já te perdoei só por ter me chamado de senhorita. Se da próxima vez me chamar de minha flor, tenha certeza de que lhe darei um beijo-disse minha avó com seu típico bom humor. -Não seja por isso minha flor, -ele lhe deu uma piscadela e um sorriso maroto, que foram muito bem recebidos pela "Flor". E depois disso ele continuou- Como forma de desculpas iremos oferecer para vocês nossa poção da felicidade,- anunciou, chamando o outro garçom que segurava uma bandeja- Aqui está dois Milkshakes Blue e batatinhas fritas que a senhora sempre pede, Dona Eleonor.-comentou colocando sobre nossa mesa a "poção da felicidade" do Blue e minha avó aproveitou essa deixa para lhe dar um beijinho na bochecha. Cumprindo sua promessa. -É por isso que eu venho a tanto tempo aqui-disse, satisfeita. -Tenham um ótimo apetite!-disse o Blue com uma piscadela e se afastando para atender outra pessoa-Ah e antes que eu me esqueça. Lilly, sua avó nos contou que poderá ser classificada hoje, e não pode imaginar o quão felizes e orgulhosos estamos da senhorita. -Obrigada Blue, é o que eu espero também.-comentei rindo. -É sempre uma honra servi-las!- disse ele, me olhando com carinho e verdadeiro orgulho preenchendo seu sorriso. É por isso que eu amava ir ali, era meu restaurante favorito. Das cadeiras vermelhas ao piso quadriculado. Do Blue até o garçom mais novo. Tudo era lindo, familiar e aconchegante. Dou uma bela mordida naquela obra de arte deliciosa e sinto o gosto quentinho da carne recém passada em contraste com o queijo e os molhos do Blue. Tomo uma golada generosa do Milkshake e pego a cereja do bolo: A batatinha frita. -Humm a vida se torna melhor com uma batatinha frita.-comentou minha avó saboreando aquela dádiva divina. -Muito melhor.-disse em concordância. "Começa agora a quinta edição do Reality Bolshoi, onde os 20 melhores bailarinos disputarão não só o prêmio em dinheiro e o reconhecimento, mas também a oportunidade de se tornarem professores na Bolshoi Academy. Em alguns instantes divulgaremos os 20 selecionados, não saiam daí"-anuncia o apresentador na TV. -Ah como eu odeio esse suspense. Por que eles não dizem logo os participantes e parem de aumentar os meus cabelos brancos.-resmungou minha vó, batendo na mesa- estou quase perdendo a fome. "Ok! Nada de surtar agora, nada de surtar Lilly LeBlanc. Sua vida continuará sendo feliz e tranquila mesmo se nada der certo, mas se der certo mudará tudo. Não há nada a temer."-disse internamente na tentativa de me acalmar. Céus! Eu já estava surtando. Arrancando os cabelos e digerindo o estômago pelo esofago, mesmo que isso fosse impossível. -Tome um pouquinho, vai ajudar!-disse minha avó empurrando o copo de milshake em minha direção. Seus olhos eram azuis assim como os meus e nele resplandeciam a calmaria que eu precisava. Ah, como eu odiava surtar tanto, era horrível ter que lidar com o nervosismo e a ansiedade. Nunca conseguia lidar bem com isso nem mesmo nas apresentações do jardim de infância. Tomei um gole do seu Milkshake e agradeci aos céus por ter alguém que me conhecia tão bem quanto eu. Vi uma multidão que estava sentada a se aglomerar na frente da TV. Que já estava com o sinal horrível pela neve. -Vamos mais perto!-disse minha avó. Largamos nossas comidas em cima da mesa e fomos em direção a multidão. O bom de ser um pouco mais baixa é que eu poderia passar facilmente entre as pessoas, logo já estava com vista privilegiada para a TV. Exatamente como eu queria. "E voltamos agora com o maior programa de Ballet do mundo!- passou a vinheta animada- Tenho aqui em minha mão o envelope com o nome dos 20 participantes. Será que eu devo abrir, pessoal?-ele pergunta para a plateia e ela vai a loucura. A câmera voltou para o seu rosto novamente e ele continua- Muito bem então, aqui vai os classificados para a 5⁰ edição do Reality Bolshoi" Nessa hora a energia cai e minha pressão vai junto. -Era só o que me faltava!-disse eu para ninguém em específico. -Mas será possível isso?-disse minha avó ao meu lado, mais nervosa do que eu. Tudo estava em silêncio pela falta de energia, até o Blue sair de trás do balcão. -Sinto muito pessoal, a energia não voltará nem tão cedo. Um dos postes da rua caiu por causa da nevasca. Todos soltamos um som de desgosto síncrono. -Ah já sei! -anunciou minha vó, correndo de volta para a mesa e procurando algo em sua bolsa. -O que foi vó?-perguntei. Ela retira um monte de coisas da bolsa, inclusive uma sapatilha, até achar o que estava procurando: O celular de antena que ela possuía a anos. -Sempre soube que um dia iria precisar. -Genial!-gritei com palminhas no ar. -Até poucos dias atrás você me disse que isso era antigo de mais para o meu próprio bem. -Liga logo vó!-acelerei. Ela apertou alguns botões e retirou a infindável antena do canto do celular. Movimentou um pouco para pegar sinal e... funcionou! No entanto, o anúncio já estava acabando. "14⁰ Matteo Spinelli, 15⁰ Louis Roux, 16⁰ Kira Pavlova, 17⁰ Ken Matsuno..." A ligação para e meu coração para de novo. De repente, minha avó procurou de novo dentro da bolsa e milagrosamente colocou um pedaço de aço na ponta da antena. Mais uma vez funcionou. -É por isso que sempre temos que estar preparados. "19⁰ Caterina Giordiano e o último colocado é… 20⁰ Lilly Lebranc." Cai de joelhos sem acreditar no quanto minha vida iria mudar. E tudo que eu escutei são barulhos ocos e minha avó me abraçando. Senti as lágrimas molharem seu ombro e tudo o que eu penso é: "Nós conseguimos! Lilly Leblanc, você conseguiu" e não iria parar ali. ................................................................. *Harry* Coloco a barra de peso de volta no suporte, somente porque meu músculo estava gritando de câimbra pela quantidade de peso que coloquei daquela vez. Costumava não me exceder fisicamente na musculação, justamente para não ficar fadigado. Porém eu estava tentando lidar com algum tipo de nervosismo que eu nunca tive antes. De modo que eu precisei descontar minhas energias em alguma outra coisa que não fosse o ballet. Era perfeitamente compreensível que eu estivesse assim. Afinal, era uma reação humana a qualquer sinal de ameaça. E naquele caso, minha ameaça era a possibilidade de não ter superado minhas próprias expectativas. Dias antes das classificatórias, eu havia calculado todos os movimentos que eu faria e repassado milhares de vezes para não cometer nenhum erro durante a apresentação. No dia, foi tudo exatamente conforme havia planejado. Executara, com perfeição, todas as sequências. Entretanto sempre havia, sobre todas as equações, o fator "inesperado". Aquele x que poderia não mudar nada, como também mudar tudo e o resultado ser completamente diferente do esperado. Era com esse tal x que eu me preocupava. De qualquer forma, não mudaria nada me preocupar com aquilo, já que ansiedades nunca traziam nada de bom a não ser dores estomacais e problemas de saúde. Então, depois de ter extrapolado minha via de escape, fui em direção ao vestuário masculino da academia do Professor James para tomar uma ducha. Subi as escadas, bebi meio litro de água com uma mistura nova de whey que me ajudaria a ter mais energia para aguentar o restante do dia. Subi mais alguns lances e fui direto para o chuveiro. Para minha sorte não havia mais ninguém ali, então entrei no box e deixei o jato de água quente fazer seu belo trabalho. Aumentei a temperatura ainda mais e fiquei ali até meus músculos se relaxarem o suficiente para mais uma dose de esforço físico. Minha pele começou a ficar vermelha e minha pressão começou a despencar. Então desliguei o chuveiro, me enxuguei e terminei de me trocar. Coloquei as sapatilhas e a roupa de ginástica e fui para uma sala mais silenciosa para que eu pudesse treinar sozinho. Treinei em silêncio, sem melodia dessa vez. Tudo parecia estar em suspenso naquele dia, como se todos estivessem esperando também pelo resultado que mudaria suas vidas. Girei, girei e girei outra vez mais, fazendo 31 fouttés e fracassando justamente no último, quase torcendo meu pé. -Mais que Droga!-gritei batendo no chão. Sim, eu estava como uma criança mimada. Mas não havia nada que se pudesse ser feito para me controlar. Então decidi que faria aquilo que jamais, havia feito em todos aqueles anos no ballet. Desisti. Abri as portas da sala que eu estava e fui direto para o corredor. Nunca havia saído mais cedo para nada, mas naquele dia eu iria voltar para casa derrotado e dormir o dia inteiro até recuperar todo meu domínio mental. Se eu não fizesse isso, acabaria fraturando algum osso durante o treino. E isso seria muito pior do que tirar uma tarde de folga. Voltei para o vestiário masculino e tirei os collants e as leggings e coloquei minhas roupas comuns. Calça jeans e camiseta branca. Estava frio em Moscou então retirei meu casaco do cabide e juntei minhas coisas antes que eu desistisse de voltar para casa. Antes de ir, notei que a porta do escritório do professor James estava entreaberta. Não podia ir sem avisá-lo de meus planos, assim abri sua porta sem bater com antecedência. "1⁰ Mahina Abe, 2⁰ Oliver Howard, 3⁰ Thomas Peterson, 4⁰ Rory o'Connor.." -Entre logo seu i****a, estão dizendo os nomes dos selecionados agora.-disse o Professor apontando sua bengala para mim. Fiquei paralisado, não conseguia desviar a atenção da tela da TV. "8⁰ Cloè Pettit, 9⁰ Frans Barkov, 10⁰ Harry McTavish"-comunicou o apresentador. Exalei todo o ar dos meus pulmões, m*l sabendo que estava segurando. A partir daí o mundo pareceu finalmente voltar ao seu eixo. Tudo havia sido conforme o planejado e nada saído do controle. -Isso! -comemorou o professor James vindo me dar seu habitual abraço em forma de tapas nas costas- eu sabia que conseguiria, não tinha dúvidas, Harry. Nunca o havia visto tão feliz em toda minha vida, ele sempre foi presente em minha vida, mas a emoção que havia visto brilhar em seus olhos foi incomparável. -Sem sua mentoria meu nome nunca estaria ali e o senhor sabe bem disso.-retruquei dando tapas em suas costas também, agradecendo não só as felicitações, mas por tudo que ele havia sido para mim até ali. Se eu era alguma coisa, era por causa daquele homem. Ele tira seus óculos os óculos e enxuga disfarçadamente suas lágrimas. Volta mancando até sua mesa, tira seu chapéu e coloca sobre sua grande mesa, como sempre organizada. Seu escritório era cheio de prateleiras com livros, certificados e medalhas. -você vai ficar parado aí na entrada por quanto tempo? Ande logo, abra aquele armário ali, garoto.- mandou, apontando sua bengala para a prateleira dos fundos.- seu velho professor já está cansado de mais para se agachar. Eu vou até o armário que ficava em baixo da TV e o abro. -aproveite e desligue a TV, por favor.- ele disse. Peguei o controle e direcionei para a tela antiga. "19⁰ Caterina Giordiano e o último colocado é… 20⁰ Lilly LeBlanc!"-disse o apresentador. Algo no vigésimo lugar chamou minha atenção, não tinha como saber quem era, pois não sabia o nome de mais ninguém ali, exceto o de Kira que havia sido anunciado. Mas LeBlanc me pareceu familiar, como se tivessem anunciado alguém que eu já conhecia a muito tempo. Apertei o botão e a tela desligou. Não importava. O mais importante era que eu e Kira havíamos sido selecionados e nada sairia dos trilhos. Não havia nada para se preocupar. -Pegue o whisky de 1940-disse o professor. O professor nunca me dissera de quem ele ganhara aquela bebida cara, só sabia que era de alguém muito importante, pois era um um original que não se fabricava mais. Mesmo ali em Moscou, pouquíssimos colecionadores tinham aquela bebida. Havia pesquisado uma vez para saber o porquê ele não permitiu que o seu genro a abrisse e acabei descobrindo tudo sobre aquilo. Mesmo jamais o vendo beber, sua garrafa estava pela metade desde sempre. Quando eu era criança e vinha bisbilhotar seu escritório, a medida era a mesma, sem tirar e nem pôr. Nunca fui de me atentar com esse tipo de detalhe, porém aquela em especial sempre chamava minha atenção. -O de 1940? O senhor não tirou essa garafa dali nem para o casamento de sua filha, como isso pode ser mais importante do que aquilo? Ele bufou e fez um gesto de desdém. -Ainda bem que eu não desperdicei o meu melhor whisky com aquele marido que Claire escolheu. Haviam tantos e ela escolheu justamente o pior. Eu prometi a mim mesmo que só abriria em algo que fosse verdadeiramente especial, afinal foi me dado se alguém especial- ele pareceu viajar em suas lembranças por alguns segundos e antes que pudesse perguntar, ele prosseguiu- Mas isso não importa agora, abra logo essa bebida e sirva para nós uma dose generosa. Vamos comemorar a sua vitória, meu rapaz! Pego a bebida do armário, sirvo em dois copos e o entrego um deles. -À "nossa" vitória!- o corrigi. Ele acena com orgulho e selamos os frutos de nossos esforços. A vitória já era nossa.
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