14- Andrei

2696 Words
Pontual como sempre, Eduardo pegou Kauan às dezenove horas e às dezenove e cinquenta e oito eles davam os nomes na recepção. Era realmente um evento para gente rica e o jornalista nunca imaginaria que uma fonte com pouco mais de vinte anos o faria ir a tantos lugares como aquele. Mesmo para ele, que tinha a informalidade como amiga. Embora soubesse se vestir formalmente dentro dos padrões esperados e ficasse muito bem com trajes elegantes. Kauan o achou ainda mais atraente aquele dia, com a roupa escolhida especialmente para a ocasião. Havia pessoas conhecidas da mídia, jornalistas cobriam o evento, Eduardo cumprimentou alguns do lado de fora, pois poucos escolhidos puderam entrar. Havia famosinhos engajados em causas ambientais e como nos outros eventos, havia mesas com decoração refinada, um palco e um belo serviço gastronômico vegetariano assinado por um chefe famoso. Afinal, quem ajuda animais não deve comê-los, no geral. E, o mais importante, Andrei era vegetariano e como Rodrigo era um dos idealizadores, essa foi uma de suas exigências. De Rodrigo, não de Andrei. Carne não fez falta, pois a comida era toda deliciosa. Andrei estava sentado num canto próximo ao palco, no qual os responsáveis pelo evento e pelo santuário de animais explicavam a importância das doações. Como de praxe, Eduardo e Kauan foram alocados numa mesa mais ao fundo, também de canto, do mesmo lado que a de Andrei, que estava sozinho, pois o namorado ainda estava nos bastidores. Andrei não estava nervoso. Sabia que era algo simples de se fazer. Eduardo estava, não pela situação apenas, mas porque o veria. Rodrigo e Kauan estavam apreensivos e enciumados. Resignados, cada um a seu modo.  Foi aquela falação, apresentação de fotos, de vídeos, de depoimentos. Rodrigo tinha programado para estar livre no momento marcado para que Andrei entregasse os papeis no banheiro, mas houve um atraso e ele estava no palco quando viu o namorado levantar, poucos minutos antes do horário combinado. Cinco minutos antes do combinado Eduardo avisou Kauan que iria, foi quando o estagiário deu uma notícia problemática, propositalmente em cima da hora. — Você viu que tem dois banheiros, né? — Kauan perguntou, internamente feliz. — Não! Sério? E agora? — questionou-se, invadido por uma preocupação repentina e urgente. — Se quiser eu vou pra um e você pra outro e eu aviso ele que você logo chega... — ofereceu-se. Queria ver Andrei de perto. Queria sofrer. Tinha algo de corajoso em encarar o sofrimento autoimposto e estupidamente romântico. Gritava na camada mais subterrânea  de sua mente, aquela que ele não acessava com pensamentos, mas com sensações e se refletia na superfície com toda sorte de atitudes imprudentes. — Tá bom, então. Eu vou nesse e você vai no outro. — Eduardo disse. E sem se despedir, eles foram, enquanto o evento ocorria sem que ninguém desconfiasse de nada. Afortunadamente, para o seu descontentamento, Kauan foi para o banheiro errado e em três minutos ele voltou para a mesa, na qual não encontrou Eduardo. Ele já estava no banheiro certo. Quando chegou lá, com o coração disparado e m*l conseguindo se manter em pé de nervosismo, Andrei já se encontrava. Lindo naquela roupa tão elegante, sem capuz, e sob uma luz tão clara, que o permitia vislumbrar nuances desconhecidas e detalhes distintivos de seu rosto sereno e educado, ele pôde ver como Andrei era realmente bonito, dono de uma beleza quase angelical. Parecia um pouco mais velho naquelas roupas. Estava impecável. Sério como sempre. Eduardo que achava que nunca o veria sorrir, sem prévio aviso, ao bater os olhos nele, Andrei sorriu. De leve, mas sorriu, e Eduardo viu o mundo todo se iluminar dentro daquele banheiro, como ele tivesse conquistado um planeta, um sistema solar. Ele fez sinal para Eduardo com a mão, chamando-o , e entrou na última cabine do banheiro. O sinal indicava que era para o jornalista entrar junto e repentinamente ele sentiu que talvez seus pés, dominados pela emoção, não conseguissem fazer com que ele chegasse até lá, pois, lentamente, ele perdia o controle de tudo. Então, com dificuldade, ele entrou na cabine em silêncio e Andrei trancou a porta. Colocou o dedo nos próprios lábios, indicando que era para Eduardo ficar em silêncio, como se ele conseguisse, naquele momento, falar alguma coisa. Tirou a camisa de dentro da calça, fazendo Eduardo, que o observava sem se mover, gelar. Depois tirou do cós da calça algumas folhas dobradas e as entregou a Eduardo, que pôde senti-las quentes e, olhando-o nos olhos, explicou: — Coloca no mesmo lugar que eu coloquei. — sussurrou. Eles estavam tão colados que era possível sentir o calor do corpo do outro. E enquanto Andrei ajeitava a própria roupa, Eduardo colocava os papéis presos junto à sua pele. — Imprimimos. Assim ninguém rastreia. — Andrei falou muito baixo, olhando pra ele. — Foi uma boa ideia... — Eduardo falou, com os olhos fixos nele. — Sua amiga está bem? — emendou, observando atentamente cada mínimo movimento dele, como se em câmera lenta. — Está, sim. Mas não podemos nos ver. Estamos apreensivos. — Eu sinto muito... e está tudo aqui? — perguntou parecendo calmo. — Sim. Não temos mais nada. —Andrei garantiu. — Você pode fazer o que quiser, só não fale sobre a gente. — Nunca falarei. Não se preocupe. E muito obrigado por confiarem em mim. — Obrigado por ajudar a gente.  — Se acontecer alguma coisa e eu puder ajudar... Sabe como me achar.  — Obrigado, Eduardo. — Andrei disse, com mais um sorriso, abrindo a porta e se preparando para sair. — Por nada... — sussurrou o jornalista, deixando um espaço vazio não só porque não sabia o nome daquele jovem enigmático, mas porque ele tinha acabado de falar o seu nome. E antes que Eduardo se recuperasse, antes de sair, ele virou para trás inesperadamente, ficou a poucos, bem poucos, centímetros do rosto do jornalista e disse baixo:  — Eu me chamo Andrei. — sorriu e saiu em seguida, deixando Eduardo paralisado, boquiaberto, em pé naquele banheiro.  Como alguém que acabara de obter uma grande revelação, ele voltou para a sua mesa. Já Andrei pensou que poderia ter se arriscado ao dizer seu nome, mas o jornalista estava se arriscando tanto que algo dentro dele o impulsionou a se virar e dizer seu nome. Não contaria a ninguém, nem a Rodrigo o episódio. Afinal, aquilo não era traição alguma e se fosse acarretar algum m*l seria a ele próprio e a mais ninguém. Andrei sabia que Eduardo queria saber seu nome, sabia que mesmo que ele tivesse namorado, talvez, algo no olhar dele ainda emanasse uma curiosidade latente a seu respeito, sentia que ainda intrigava aquele homem e de algum modo aquilo era excitante. Não sexualmente excitante, pois qualquer coisa sexualmente ele só sentia por Rodrigo. Mas talvez o caráter proibido e altamente sigiloso daquele encontro fosse estimulante de uma forma totalmente sutil e etérea. Fora como um presente, não só para Eduardo, pois Andrei também sentiu prazer naquela provocação, naquela confissão. Ele não tinha a intenção de ficar com Eduardo. E mesmo se tivesse, com tudo o que andava acontecendo, seria o mesmo que implorar para ir para a cadeia. Mas aquela situação, tal qual filmes de espionagem que ele vira aos montes, despertou nele sensações estranhas, instigantes. Ainda que estivesse acostumado à adrenalina das operações de hacks, aquilo tinha sido diferente. E num delicado rompante irrefreável, ele disse o seu nome. Não tinha se arrependido. Sorria charmoso quando chegou à sua cadeira, imaginando as sensações que poderia ter causado no jornalista aquele pequeno impulso seu. Era um segredo deles. Que ele tinha certeza, não sabia o porquê, mas tinha certeza de que Eduardo não revelaria a ninguém. E Eduardo não tinha a mínima intenção de revelar, pois aquele era como o único elo entre eles. A única coisa que tinham em segredo do resto do mundo. E Eduardo manteria aquilo secreto até o fim. Primeiro pela responsabilidade em manter o sigilo da fonte, segundo porque tinha sido incrível ouvi-lo dizer o seu nome. Inesperadamente maravilhoso. Mas ao contrário do que o próprio jornalista havia imaginado, não sentiu uma vontade irresistível de beijá-lo, ou de ter qualquer tipo de contato físico. Ficou nervoso, é evidente, pois Andrei ainda figurava aquela imagem etérea, distante e inatingível, mas de algum modo Eduardo compreendeu ali que era justamente assim que devia ser, como uma fantasia. E não quis que fosse diferente. Pois ele compreendia que algumas fantasias deviam permanecer sempre como fantasias, já que às vezes elas dão sentido às coisas. E essa busca obsessiva pela realização de desejos e fetiches não passava de uma invenção capitalista, que impelia as pessoas para o consumo, já que muitas vezes, a realização de fantasias e desejos envolve compra, consumo, aquisição de objetos, de bens, e, infelizmente, até de pessoas. E ele não precisava mais que Andrei, aquele quimera, se tornasse algo real em sua vida. Assim, Eduardo acordou e voltou à sua mesa sorrindo, com os documentos sob a camisa e leve por dentro. Agora tinha um nome para associar àquele rosto, que talvez nunca mais visse. E uma vida para levar adiante. Encontrou um Kauan emburrado e ansioso. — Mas que demora... — ele falou. — Fui rápido... — Eduardo disse, sorrindo para ele. — Quase quinze minutos! — ele reclamou. — Ele entregou impresso, deu orientações. Esperei ele sair primeiro. Foi por isso.  — A gente pode ir agora? — perguntou Kauan. — Você não quer ficar e ver como isso termina? — quis saber Eduardo, já tranquilo. — Não. Só quero ir ao banheiro. — falou nervoso e se levantaram. Para a infelicidade de Kauan ele encontrou Rodrigo e Andrei no banheiro. Tinham ido conversar sobre a entrega dos e-mails, pois Rodrigo também tinha ficado apreensivo com a demora. Assim que entrou, Kauan viu que só tinha os dois lá, que pararam de falar e olharam para ele. Reconheceram-no de cara e ficaram em silêncio. Kauan não se intimidou e com o rosto levantado e sem cumprimentar ninguém, pois não os conhecia, entrou no banheiro, fez o que precisava, saiu, lavou as mãos lentamente, pegou duas folhas de papel que estavam próximas de onde os dois estavam, secou as mãos e saiu. Não sem antes olhar bem no rosto de Andrei. Sério, indecifrável. Imponente. Aquele olhar deixou Rodrigo perturbado. Não sabia o que significava. Os dois ainda achavam que Kauan namorava Eduardo, e esse se aproveitou da situação para mandar um recado velado para o jovem hacker. Velado, sutil e educado. — Bonito o namorado do seu jornalista, né? — disse Rodrigo, baixo, para provocar Andrei, já que havia ficado enciumado tanto pela demora quanto pela olhada que ele havia ganhado do garoto. — É... ele é bonito. — falou Andrei. — Sabe com quem ele parece? — perguntou Rodrigo, com sarcasmo. — Quem? — Com você!  — Você tá doido! — Andrei gargalhou. Rodrigo continuou sério. — Ele não parece comigo, amor. —falou, abraçando-o e fazendo charme. — E eu sou muito mais bonito, né? — Claro que é. — falou Rodrigo, sorrindo para ele. Mas você ainda vai me contar tudo o que conversaram, não vai? — Claro, mas eu te conto em casa, pode ser? — Andrei falou com jeito. — Pode ser na minha casa?  — Uhum. — sorriu abraçado ao namorado, deram um beijo rápido e saíram de mãos dadas. Era verdade. Kauan era parecido com Andrei, mas não era por isso que Eduardo namorava com ele, principalmente porque Eduardo não namorava com Kauan. Haviam inventado aquela farsa para recuperar a fonte, mas Kauan gostava mesmo do jornalista, antes mesmo do falso namoro, de modo que a semelhança entre os dois rapazes nada tinha a ver com a relação que posteriormente se criou entre Kauan e Eduardo. Talvez Eduardo nem tenha percebido a semelhança, pois embora tivesse a imagem dele fixada na memória, ele não via Andrei com frequência e seus traços iam aos poucos se apagando, como areia fina que se movimenta no deserto. Já os de Kauan não. Ele o via quase todos os dias. Sempre o achou bonito, e embora nunca houvesse imaginado que fosse se sentir atraído por ele, a atração surgiu. Inesperadamente, como uma surpresa boa.  Antes de voltar à mesa, onde Eduardo ficou esperando, ignorando por completo seu encontro com o casal, Kauan interpelou três garçons pegando copos de bebidas desconhecidas e as entornando sem pestanejar. Assim, ele que já havia aceitado educadamente umas poucas bebidas antes que Eduardo voltasse, quis embebedar-se. Por raiva, ciúmes, vingança. Não sabia ao certo, mas chegou meio cambaleante à mesa e foi amparado pelo jornalista. — Pelo amor de Deus, Kauan, você tá bêbado? — perguntou, segurando-o. — Não. — disse rindo. — Como conseguiu ficar bêbado tão rápido?! — perguntou espantado, já o levando dali. — Vem... vamos embora. — Você tá com vergonha de mim? — ele perguntava meio mole, escorado em Eduardo. — Claro que não... só não quero que você se envergonhe amanhã. — falou, segurando-o de modo que quem os visse não percebesse que o garoto estava meio alterado. — Fala a verdade... você tá com vergonha de mim. — ele insistia, já do lado de fora, a caminho do estacionamento. —Claro que não. Vem cá. — Levou-o mais para perto de seu corpo e foi andando com ele, enquanto ele reclamava. Esperou o carro abraçado nele e o colocou para dentro quando chegou, saindo em seguida. — Não vou levar você pra sua casa assim... o que sua mãe vai pensar? — Eduardo avisou. — Vai pensar que você é péssimo... que me embebeda e me abandona... pra ficar com outro... — falou choroso. — Para de ser bobo. — Eduardo riu. — Eu não estou te embebedei, não estou te abandonando e não tem outro. — ele argumentava, mesmo sabendo que era meio inútil. — Claro que tem... aquele moleque idiota... que tem aquele namorado lindo. — mesmo um pouco alterado ele queria fazer ciúmes em Eduardo. Pensava que se o jornalista não sentia ciúmes dele, pelo menos deveria sentir do jovem pelo qual ele era apaixonado. Fazia isso mais por um despeito infantil, por ciúmes, do que por maldade. Eduardo nem se ofendia, muito menos ficava com ciúmes de Andrei. — Não tem ninguém, Kauan... e o moleque bobo tem um namorado lindo e não tem nada a ver comigo. Fim de conversa. — falou. — Fim nada... — reclamou choroso e virou para o lado, permanecendo em silêncio até chegarem à casa de Eduardo. O jornalista contornou o carro depois de estacionar, abriu a porta e estendeu a mão. — Vem, resmungão. — disse, sorrindo. Não estava bravo ou com raiva. Kauan segurou em sua mão e eles subiram abraçados. — Por que você foi beber tanto tão rápido? — Eduardo perguntou baixinho. — Porque vocês me irritaram... — Vocês quem?  — Vocês dois, droga! — ele falou alto, com lágrimas que ensaiavam descer. Eduardo entendeu do que se tratava. O elevador chegou e eles entraram no apartamento. Kauan se jogou no sofá, Eduardo foi até ele e ajoelhou-se à sua frente. — O que você acha que aconteceu lá? — perguntou baixinho. — Não aconteceu nada... — falou, segurando seu rosto. — E minha noite terminaria aqui com você mesmo se você não tivesse bebido... se você quisesse. — completou, olhando para ele, que respirava com dificuldade, tentando controlar um choro que tentava vencê-lo a todo custo. — Vem... vamos tomar banho... —Eduardo falou. — Você vai tomar comigo?  — Eu não ia, mas se você quiser eu tomo. — Eu quero. — disse manhoso. E os dois foram para o banheiro.  Eduardo tirou sua própria roupa rapidamente, depois tirou a de Kauan, que ainda estava mole e dando um certo trabalho. Entrou com ele embaixo do chuveiro e ele riu alto, abraçando-o, fazendo com o jornalista também achasse graça naquela cena espontânea e ingenuamente doce. — Fica abraçado em mim pra você não cair...— falou Eduardo. E eles ficaram daquele jeito apenas, abraçados, beijando-se, sentindo a água cair, esperando o efeito da bebida passar.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD