13- A porta errada

1898 Words
Na terça à noite, Aquiles chegou cedo em casa, depois de ter saído. Ele nunca voltava cedo depois que saía. Danilo, que não havia ido à faculdade, tinha acabado de comer vendo TV, sentado no sofá. Tinha comido pão. Estava com preguiça de cozinhar naquele dia, o que era raro. Além disso, não queria sujar um monte de louça para fazer comida só para si mesmo. O dono da casa não costumava fazer as refeições lá e ele teria que comer o que fizesse no dia seguinte e à noite novamente. Então achou melhor não cozinhar. Era respeitoso com a casa alheia, mas quando estava sozinho, às vezes, permitia-se ficar verdadeiramente à vontade. E naquele dia comeu folgado na sala, com os pés sobre a mesinha. Mal tinha terminado de comer o pão quando ouviu o elevador chegando. Correu para a cozinha, deixou o prato dentro da pia e foi com a mesma rapidez para o quarto, desesperado. Não queria ser visto. Passou antes na sala e desligou a TV com pressa. Imaginou que pudesse ser Aquiles acompanhado. Então correu para que ele não se sentisse m*l e para que o dono da casa não o achasse abusado. Não queria que ele chegasse com alguém e o visse todo folgado, comendo na sala. Essa era a razão do desespero. Aquiles abriu a porta nervoso. Estava sozinho. Percebeu que havia gente na sala há pouco tempo. Deixou as chaves no aparador que ficava próximo à porta de entrada, olhou para o chão e viu aqueles tênis enormes jogados no tapete. Sem pestanejar, foi até lá e pegou os dois com uma única mão. Sentiu-os ainda levemente quentes por dentro. Suas mãos eram grandes, então enfiou seus dedos na parte interna dos calçados e foi com eles até o quarto onde estava o seu dono. Bateu forte duas vezes na porta. — O que é isso? — questionou, mostrando os tênis para o garoto quando ele abriu a porta, olhando para ele do alto, nos olhos. — Desculpa. Eu ouvi o elevador e vim correndo. Achei que você estava acompanhado. Acabei esquecendo os tênis. Não vai acontecer de novo. Me desculpa mesmo. — ele falava rápido, sem desviar o olhar de Aquiles. Pegou os tênis da mão dele e eles se tocaram suavemente. O jornalista sentiu os dedos quentes do jovem encostar de leve nos seus. Aquilo soou como um gatilho e ele baixou a guarda. Percebeu que estava prestes a descontar no menino algo que ele não tinha culpa. Estava prestes a brigar por nada. Então respirou fundo, deixou que ele pegasse os sapatos de sua mão. E apenas disse: — Tudo bem.  Saiu sentindo o coração bater descompassado. Danilo fechou a porta, colocou os sapatos no chão e sentou na cama com o coração estranhamente acelerado. — Que vacilo. — pensou alto, respirou fundo. Em seu quarto, Aquiles se sentia o maior dos idiotas. Tinha dificuldade para recordar o motivo de sua raiva. Que tipo de opressor eu me tornei? Fico nervoso na rua e venho pra casa descontar num moleque? Por causa de um par tênis na sala? Pelo amor de Deus! Que tipo de pessoa faz isso? Que babaca de merda! Que horrível! Com esses pensamentos, entrou no chuveiro e ficou lá por um tempão antes de ir dormir. No dia seguinte, fez questão de se desculpar. — Me desculpa por ontem. Não tem problema você deixar os tênis na sala. Eu que não estava muito legal. — Tudo bem. — acalmou-o Danilo. — Eu fui um babaca. — insistiu Aquiles, num raro momento de auto-crítica pública. — Não foi, não. Eu fui relaxado mesmo. — sorriu. — Não foi, não. E você pode usar a sala, a cozinha. O que quiser. Gostaria que me desculpasse. — Tá tudo bem mesmo. — sua voz era tranquila, agradável. Danilo ficava confuso com algumas atitudes oscilantes do jornalista, já que uma hora ele era rude e distante e em outra ele era educado e gentil. Mas isso não importava. Ele tinha um bom lugar pra ficar e Aquiles não era um cara r**m. E ele estava estudando. O comportamento errático de seu anfitrião, portanto, era totalmente tolerável. Deitado naquele quarto confortável, ainda sob efeito do susto que levara, lembrou-se de sua casa. Tão diferente daquela. Na verdade, nem casa tinha, já que moravam de aluguel. Na mesma casa há anos, era verdade. O que dava a impressão de que a propriedade, pequena e humilde, era deles. Mas tanto ele quanto a mãe sabiam que não era. Só quem não tem casa compreende esse sentimento ímpar de não ter um lugar verdadeiramente seu no mundo. Compreende o medo constante de que, de uma hora para outra, pode não se ter para onde ir. Danilo não fazia questão de uma casa tão contrastante com que morava, no entanto. Às vezes, quando encontrava alguém no elevador, sentia-se até envergonhado. Sentia-se um estranho naquele lugar. Não pertencente àquele mundo. Mas ao mesmo tempo agradecia internamente. Era bom ter um lugar cômodo para dormir. E como era era confortável. Talvez o lugar mais fisicamente confortável que ele já havia dormido. Precisava de um lugar para ficar, mas não precisava ser aquele. Não fazia questão. Apesar do conforto quase assustador, ele sabia que não deveria se acostumar. Não queria se acostumar. Sabia que iria embora em breve e, como não era bem quisto, não via a hora de poder se mudar. Ainda que para um lugar menos confortável, com lençóis que não fossem incrivelmente macios e sem aquele cheiro cítrico tão penetrante, que nunca antes havia sentido, que parecia vindo de um país distante, um cheiro oriental, talvez. Aquele era o cheiro da casa toda. Talvez se sentisse até melhor em outro lugar. Era grato por poder ficar. Era grato a Aquiles. Via em seu rosto o sacrifício diário que fazia, mas não é bom ficar onde sua presença é incômoda. E a dele era. Ele sabia. E por isso iria embora assim que pudesse. Pensou no namorado, enviou mensagem, mas ele não respondeu. Devia estar dormindo aquela hora. Paulo acordava muito cedo para abrir a academia. Era um homem trabalhador, mas meio seco, simples. Danilo já tinha se acostumado, mas ele era carinhoso, sensível e muitas vezes sentia falta da contrapartida. Embora compreendesse que era o jeito do namorado. E como a vida gosta de armar ciladas, tinha-o colocado para passar uma temporada na casa de outro homem seco, quase rústico, mas que também parecia boa pessoa. Talvez a vida brincasse com Danilo. Ou talvez o colocasse diante de pessoas que somente ele saberia contornar, adocicar. Ele não sabia. O que sabia é que sentia falta de uma delicadeza às vezes, aquela que ele só encontrava em sua mãe, ou às vezes na água do mar, quando está quente leve, e que agora também estava distante.                                                                              -----//----- Na quarta-feira, Eduardo, que já tinha ido às compras no dia anterior, passou na sede da BW para conversar com Kauan e explicar a situação. Falou sobre a fonte que havia sido levada pela polícia, contou que teve que mudar o número e disse que por precaução ele tinha comprado um celular novo pra ele também, que ele aceitaria se quisesse. Comprou para Kauan um igual ao dele, o que deixou o estagiário confusamente feliz, já que o seu estava velho e com a tela quebrada. — Mas esse celular é caro, Eduardo. — ele falou, com dificuldade em aceitar o presente. — Para de ser bobo, Kauan... Aceita, meu presente, poxa. — falou carinhosamente. —Tá... mas... você é doido! — falava incrédulo, abrindo a caixa devagar. Depois de explicar a situação, ele falou sobre o evento e o convidou para ir com ele. Kauan aceitou, mesmo sabendo que Andrei estaria lá. Sabia que não seria uma noite agradável para ele, mas ele já havia tido muitas noites desagradáveis pelo mesmo motivo. Trocaram números dos novos celulares e combinaram o horário que Eduardo passaria para pegar Kauan.  — Mas você vai ficar muito tempo com ele? — Kauan quis saber. — Imagino que não... Mas eu nem sei como ele vai me entregar as coisas. Acredito que seja um pen drive, como da outra vez. Se for, é rapidinho. — explicou. — Hum... E eu preciso mesmo ir?  — Não precisa. Mas eu gostaria que fosse... — Eduardo queria mesmo que ele fosse, ainda que no bilhete dissesse que mais alguém precisa ir com ele. — Tá bom. — Kauan ficou menos enciumado. — Fica tranquilo. O namorado dele provavelmente estará lá. — ele disse, acreditando que era uma coisa que se deva dizer para acalmar o coração de alguém apaixonado e que está com ciúmes. Eduardo era desajeitado, às vezes. — Tá bom, Eduardo. Estarei pronto no horário combinado. — falou, seco e voltando a trabalhar, porque depois dessa bobagem proferida, nem o melhor presente do mundo melhoraria a situação. Vontade não faltou de jogar o celular no lixo, na parede. Mas Kauan apenas se virou para seu computador e, raivosa, porém educadamente, retornou ao trabalho que fazia. Depois o jornalista conversou com outros colegas sobre a matéria de Rafael e Adriana que já tinha sido publicada e também teve ótima repercussão, fazendo com que eles também fossem convidados a dar entrevistas. Mas só Adriana aceitava, Rafael era avesso à entrevistas. Nem parecia jornalista às vezes. À noite Kauan e Danilo se encontraram na faculdade, mas Danilo voltou mais cedo, pois a professora das últimas aulas havia faltado. Por isso, chegou bem mais cedo em casa, já que ela daria três aulas seguidas. Naquela noite, Danilo entrou no apartamento pela porta da sala de jantar, pois havia subido pelo elevador de serviço, que estava no térreo, e esse elevador ficava ao lado da porta que dá para a sala de jantar. O elevador social ficava mais próximo da porta da sala de estar.  No apartamento havia duas portas de entrada. Assim, devido à proximidade do elevador e só Deus sabe mais por que, ele resolveu entrar pela outra porta naquela noite, como não era de costume nem dele nem de Aquiles. Mas ambos tinham a chave das duas portas. Da sala de jantar, ele foi caminhando até a sala de estar e depois iria ao banheiro. Foi quando viu, no sofá, Aquiles, aos beijos com um homem. Sentiu-se estremecer. Não tinha sido visto. Foi rápida e silenciosamente para o quarto. Sentia o rosto arder, como se ele tivesse sido pego fazendo algo que não devia. Tinha enfim realizado seu desejo secreto. Tinha visto o jornalista beijando a boca de outro homem. E a sensação foi horrível. Muito diferente do que imaginou. Pensou que veria um Aquiles mais humano, mais afetuoso, quando o visse numa situação dessas. De fato o viu, mas odiou. Deitado na cama, sem conseguir se mexer, com os olhos fechados, ele via com clareza. A boca de Aquiles colada na boca daquele homem, seus olhos fechados, sua expressão de prazer. Pôde ver sua língua até. Era um beijo quente. O homem segurava o rosto de um Aquiles voraz, mas terno ao mesmo tempo. E era horrível. Seria um beijo bonito, ele tinha certeza disso, seria lindo, se não fosse no Aquiles. Seu estômago doía, sua cabeça dava voltas. Estava arrependido de ter desejado ver aquilo. Estava arrependido de ter entrado por aquela porta. Estava arrependido de estar ali. Estava com ciúmes.
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