— Vamos juntos, mas você faz o que quiser lá, tá bom? Fica à vontade. Só na hora de ir embora, que você volta pra nossa mesa pra irmos juntos. — foi a orientação de Aquiles a Danilo, ainda no carro, antes de chegarem ao local da comemoração de aniversário da BW, para o seu desgosto. Tinha começado m*l. Danilo já sentia o prenúncio do desastre.
Não era um encontro, ele sabia. Mas não imaginou que o Editor achasse que precisaria deixar claro. Sentiu-se terrivelmente ofendido. Afinal, ele tinha namorado.
— Você não precisa me dizer, Aquiles. Eu sei que não é um encontro. — falou, um pouco atrasado.
— Eu não quis dizer isso, Danilo. — falou, olhando para ele, claramente incomodado. Mas já tinham chegado e não havia tempo para explicações.
Kauan tinha ido com Adriana, que era quem morava mais próximo e, não sabendo da relação entre ele e Eduardo, ofereceu-se em público para levá-lo. Ele não teve como recusar o favor. Foram os primeiros a chegar, porque Adriana era ansiosa e pontual. Detestava esperar e por isso não deixava ninguém esperando. Não se importava em ser a primeira a chegar nos lugares. Nunca se importou. Até em encontros já havia chegado antes. Eduardo chegou logo depois. Aquiles e Danilo foram os últimos. Havia mais gente aquela noite do que o esperado. Era uma noite especial, afinal, os artigos recentes haviam colocado o jornal em evidência e transformado alguns deles em rostos conhecidos, principalmente entre o público jovem e engajado, como o que frequentava aquele lugar.
Eduardo, Adriana e Rafael eram os mais atuantes nas redes. Todos administravam pelo menos uma conta profissional em alguma rede social, mesmo que não gostasse, mas os mais atuantes eram eles. Todos no Twitter. Aquiles vinha em seguida, mas ele tinha o rosto menos conhecido, e suas postagens eram mais sérias e raras. Eduardo tinha o rosto mais conhecido, pois havia dado entrevistas na TV, mas Adriana e Rafael eram os mais tuiteiros. Realizavam diversas postagens diárias e eventualmente postavam fotos da redação, e faziam pequenos vídeos, de forma que seus vários já estavam acostumados com suas feições.
Aquiles era mais conhecido pelo seu trabalho que pelos aspectos físicos, já que havia pouquíssimas fotos suas na rede. Era um jornalista premiado e articulista antigo de um importante jornal. Eduardo também já tinha seus prêmios, não os mesmo de Aquiles, mas ia bem, sendo ainda tão jovem. Era ousado, corajoso, e agora com esse caso na mão, já pensava em um livro. Foi reconhecido por algumas pessoas, levantou-se, tirou fotos, foi simpático. Adriana e Rafael também. Alguns reconheciam os três, alguns apenas um ou dois deles.
— Cara, que coisa estranha. — comentou Eduardo, sentando-se depois de uma foto, mas não em tom de lamento, a ponto de a pessoa que pediu a selfie, caso visse, pudesse se sentir constrangida.
— Muito estranha. — concordou Rafael. — Nunca imaginei.
— Até assusta, né? — indagou Adriana.
— Muito... mas deve passar e não deve ser em todo lugar. — apaziguou Eduardo, olhando para Kauan, pela primeira vez na noite.
— É... deve, afinal, afinal você nem são tão interessantes assim. —brincou Carla, uma das colunistas. Todos os que estavam próximos riram. Menos Kauan e Danilo, que estavam sentados por ali, mas conversavam entre si, sentindo-se como estrangeiros. Foram apresentados a alguns maridos e namorados e outras pessoas que chegaram para dar os parabéns pelos artigos. Não era tanta gente, mas algumas não vistas há tempos. Muitos ali estavam surpreso. Felizes. Outros nem tanto.
Sentindo-se intrusos, Kauan e Danilo saíram de lá sem serem notados e foram para o bar, beberam, conversaram, riram da própria situação e, por fim, talvez influenciado pelo álcool, Danilo confidenciou ao amigo suas desconfianças.
— Eu acho que eu tô a fim do Aquiles. — falou baixo.
— Mentiiira! — Kauan falou alto.
— Xiii... — colocou o dedo na boca, como se fosse possível alguém ouvir de onde eles estavam.
— Menina, cê tá louca?! Que delícia! f**a-se aquele seu namorado!
— Kauan!
— Você é uma fodida mesmo. Vem cá. — Kauan ria quando o abraçou.
Foi o primeiro abraço que Danilo ganhou desde que se mudara. Era um abraço morno, afetuoso.
— É uma merda, eu sei. — Kauan dizia, para fazê-lo rir e deixar o momento leve. Funcionou. Eduardo viu o abraço de longe. Sabia que eram amigos, mas sentiu no estômago. Foi longo, mais que o convencional, com afago na cabeça.
Ainda sentados no balcão do bar, eles bebiam e conversavam.
— Mas me conta... como é ter o Aquiles como crush? Eu tenho medo dele... Você não tem, não? — Kauan ria.
— Não... — Danilo achava graça. — Ah... sei lá... ele é menos assustador do que parece. Tem um lado meio... parece ter um lado doce... mas é ausente... é estranho... não sei explicar...
— Você deve gostar de cara ausente, né? Porque seu namorado... Ai, desculpa. — disse, sem graça.
— Não... não precisa se desculpar.am — disse, bebendo quase a metade da garrafa de cerveja de uma vez. — Devo mesmo... Deve ser porque meu pai me abandou... Freud explica, não é? — ele riu.
— Eu só falo merda...
— Para, Kauan... você acha que ligo? Mas então... vou tentar te responder... eu acho ele charmoso... misterioso. Acho que isso me atrai. Pronto. Uma resposta melhor.
— É. Bem melhor. — Kauan riu. — Ele é charmoso mesmo. Mas é tão sério que quando me pede alguma coisa eu até tremo. — Danilo gargalhou.
— Mentira que você é b***a mole assim?!
— É sério! Você já viu o tamanho dele?
— Já, né? Você não gosta de homem alto? — ele sorria, achando engraçado o jeito do amigo.
— Ah, eu não ligo... não tenho esse fetiche. Mas o Aquiles é mais que alto, né, more?
— É. Ele é bem alto mesmo. E olha que eu sou mais alto que você. E mesmo perto de mim ele parece enorme.
— Seu namorado é alto? — quis saber Kauan.
— Ele é só um pouco maior que eu. Mas ele é bem forte.
— Ah... tá explicado! Então você gosta de macho grande. — Kauan ria sarcasticamente, como se tivesse descoberto uma pequena e gostosa perversão.
— Ai, que b***a. — Danilo riu. — Eu não ligo. Aconteceu de eu conhecer ele na academia, que eu fiz bem pouco tempo, de tanto que eu ligo pra isso.
— Sei... — provocou, revirando os olhos.
— Eu acho que além de não ficar comigo aqui, o Eduardo não vai nem falar comigo. Não é uma merda? Eu não devia nem ter vindo. — lamentou Kauan.
— Eu também não.
— Vamos dançar então? — sugeriu o estagiário.
— Vamos. — aceitou Danilo, sorrindo e dando de ombros. E os dois rejeitados foram juntos para a pequena pista de dança, tentar fazer aquela noite ser menos decepcionante.
Era mais fácil ver a pista de dança da mesa onde estavam os jornalistas do que o bar que os estudantes estavam anteriormente. Muitos os tinham visto lá, mas eles não se preocuparam em olhar para a mesa. Estavam irritados demais com aquela animação toda deles e resolveram fazer a sua própria festa.
Eduardo observava atentamente Kauan, que dançava ora sozinho, ora entrelaçando-se ao amigo. Ora tocavam-se, ora apenas se olhavam e cantavam a música rindo. Era evidente que se divertiam, de forma natural, não era forçado, ou combinado como o namoro falso deles tinha sido. Abraçavam-se e riam. Depois deram um tempo e Eduardo não os viu mais.
Aquiles nem prestava atenção na pista, pois estava completamente atormentado com a pior presença que poderia ter ido cumprimentá-lo pelas matérias sobre os vazamentos das trocas de mensagens entre o político e o executivo da emissora. Claro que aquilo era um evento grandioso, mas Marcelo não precisava ir pessoalmente parabenizá-lo.
— Por que está aqui, Marcelo? — eles conversavam afastados.
— Você me atenderia no seu apartamento?
— Você sabe que não.
— Nem na BW. Eu descobri que você estava aqui em cima da hora, por acaso. Por um tuíte. E eu só vim te dar os parabéns mesmo. Falar que estou feliz pela BW, por você.
— Tá. Obrigado, Marcelo. Agora eu vou pra lá.
— Tá bom. A gente se vê por aí.
E Aquiles saiu, inconformado. Não explicou para ninguém quem ele era e ninguém espera que ele o fizesse. Era Aquiles, afinal. Sentou-se e tomou uma cerveja em silêncio. Alguns conversavam, outros foram dançar. Poucos. Eduardo voltou a ficar com os olhos vidrados na pista, porque aqueles dois, outrora negligenciados, voltaram a ser o centro de seu interesse, pois depois de irem ao banheiro, descansarem e beberem mais um pouco, retornaram. Ainda mais animados. Ignorando por completo os jornalistas, que tanto se preocupavam com os problemas do país, com a desigualdade, mas que negligenciaram, aquela noite, aqueles dois, que entendiam mais dos problemas sociais, pois os viviam, do que todos eles juntos.
Divertiam-se sozinhos.
E Eduardo, absorto, sentiu mais que um desconforto no estômago, quando os olhava dançar. Estimulado por um casal de garotas que dançava sensualmente ao seu lado apenas de top e pela selvageria típica das madrugadas, Danilo tirou a camiseta. Segurou-a na mão, e com um sorriso que transitava entre o lascivo e o propositalmente inocente ele olhava para Kauan, sem parar de dançar. Sorrindo como um menino levado, e passeando sem pudor os olhos por todo o dorso firme, levemente definido e bronzeado do amigo, Kauan envolveu os braços em seu pescoço e falou em seu ouvido:
— Que corpo, amigo! — entusiasmou-se.
— Seu bobo... — Danilo respondeu, timidamente. Logo se soltaram, mas continuaram encenando uma dancinha divertidamente sensual apenas para eles mesmos, como se ninguém, assim como antes, os tivesse olhando. Mas Eduardo os via com os olhos arregalados. Os olhos de Danilo, por outro lado, travesso, convidava Kauan a fazer o mesmo. Ele entendia, mas resistia.
— Tira. — falou em seu ouvido, sem parar de dançar.
— Eu não... Não sou assim como você. — Kauan apontou para a barriga do amigo, sorrindo.
— Para de ser bobo. — Danilo franziu a testa, fez cara de pidão. E por fim Kauan também tirou a camiseta e os dois pularam abraçados e dançaram sem camisa.
— Sua barriguinha é linda! — gritou Danilo quando se afastaram, fazendo Kauan sorrir. Era de fato uma barriga de pessoa normal. Dessas bonitas por serem comuns. A de Danilo tinha mais músculos devido às horas trabalhando na praia, andando na areia fofa, abaixando e levantando por horas a fio. Várias partes do seu corpo esguio ficaram levemente torneadas, de forma diferente das pessoas que fazem exercícios em academia, mas tinha vigor, curvas, ainda que tivessem perdendo a rigidez devido à falta de atividade física intensa, o que ele não se importava, pois gostava da sensação de dar descanso ao corpo, de exercitar a mente. Não se importaria em ter uma barriga comum como a do amigo, que achou verdadeiramente bonita.
Até mesmo Aquiles franziu o cenho, quando percebeu que a dança dos dois atraía olhares de outros homens, que se aproximavam. Eduardo não sabia o que fazer, fervendo em silêncio, quando viu um homem chegar por trás de Kauan, e olhando o entrosamento lúbrico deles, que como dois efebos, divertiam-se mutuamente, sem olhar ao redor, sentiu que perdia as forças lentamente. Mas os dois jovens só percebiam um ao outro no pequeno mundo que haviam criado. Perceberam apenas o casal de garotas, que vez ou outras, interagia com eles aos sorrisos, a depender da música. Fora isso, eram os dois apenas, a brincar naquela noite vazia, abandonados pelos salvadores da humanidade.
Mas o homem insistiu em invadir aquele espaço proibido e foi abruptamente impedido por Danilo, que puxou Kauan para perto do seu corpo, impedindo-o de se aproximar. Os dois que de longe acompanhavam de olhos atentos cada detalhe daquela dança, daquele pequeno e discreto espetáculo particular, não perdiam um pormenor sequer. Assustaram-se juntos com o puxão de Danilo. Eles esperavam pelo pior todo o tempo. Pensaram ambos, em segredo, aue os dois se beijariam. Mais Eduardo que Aquiles, que sabia bem porque ainda estava com os olhos tão fixos ali, e já nem lembrava de Marcelo.
Foi depois de ver Danilo sem camisa que ele simplesmente não pôde mais deixar de olhar para lá. Não apenas pelos detalhes de seu corpo, já que nem sequer achava músculos algo tão atraente, mas o jeito que ele dançava aquela dança solitária. A curva de seu pescoço, sua cabeça levemente pendida para trás, a forma como se movia... que abria e fechava os olhos, no momento exato das pausas da canção. Nunca tinha visto alguém fazer aquilo, de forma tão peculiar, de maneira tão singular, tênue e quase imperceptível, ele sentia a música com o corpo. Não dançava como os outros. Sequer se movia muito, nem sensualizava demais. Kauan era mais saltitante, mais moleque. Aquiles o olhou também. Eram dois rapazes bonitos dançando juntos. Muito jovens para o seu gosto e jovens eram extremamente problemáticos na sua opinião. Homens em geral eram.
Mas quando Danilo tirou a camiseta, ele pôde ver com clareza a sutileza de seus movimentos que o tecido antes encobria. Via que ele saboreava a música com outros sentidos, e aquilo era hipnotizante. Seus dedos, o movimento tão leve de seu quadril, a curva de seu pescoço. Tudo nele conversava com a música. Até seu sorriso impermanente falava com ela. E para alguém que sabia ouvir as pausas como Aquiles, aquela era uma experiência transcendental.
Aquiles estava preso. Preso no embalo único de Danilo. Vendo-o como em câmera lenta, admirando cada detalhe que via.
E Por alguns segundos ele se odiou por ter se deixado seduzir por aquele embalo, porque por alguns segundos ele desejou tão fortemente que Danilo estivesse ali, propositalmente, dançando só para ele.
Mas a dança dos dois foi interrompida pelo homem que se aproximou de Kauan, fazendo com que Danilo o puxasse para si com força, provocando uma pequena turbulência na sua pequena plateia, que assistia apreensiva. Foi como se os dois homens tivessem um pequeno choque, como se os dançarinos tivessem se agarrado para um beijo. Fora um puxão mais protetor que possessivo, ambos caíram na gargalhada logo em seguida.
Mas Eduardo, que via confuso e enciumado, aquele homem que ainda rondava Kauan que dançava feliz e sem camisa, fazendo movimentos com os braços no ar, tão perto de Danilo, não sabia o que fazer. Olhou para Aquiles, que estava com a cara péssima, pelo recente desejo que tivera e pelo susto compartilhado, também estava uma bagunça. E pela primeira vez, como se compartilhassem um segredo e um desejo proibido, Aquiles demonstrou algo íntimo.
— Vai lá, cara! — falou certeiro. Sério, apressado. Como se pedisse: "Vai lá, faz alguma coisa", porque ele sabia que Eduardo era o único deles que tinha ao menos um pretexto para interceder. Aquiles não tinha nada.
Eduardo foi prontamente. Sem falar nada. Danilo tinha acabado de deixar a pista, aproveitando a música menos dançante para buscar água. Kauan ficou dançando sozinho, de olhos fechados, não percebendo a reaproximação daquele homem. Não percebendo a aproximação de Eduardo. Que chegou por trás, segurou, sua cintura e aproximou seu rosto de sua orelha devagar. Sentindo um pequeno pulo de susto, ele disse simultaneamente à reação do jovem:
— Não se assuste, sou eu.. — falou, rouco, ao seu ouvido, levando seu corpo para mais perto. Kauan soltou o ar recém-inspirado e continuou mexendo o corpo devagar, como se embalado agora, pelo jornalista.
— Ainda somos namorados? — perguntou Eduardo no ouvido dele, ainda no mesmo tom. Um calor percorreu Kauan e ele não sabia o porquê daquela pergunta.
— Por quê? — quis saber, estranhando e virando para a frente de Eduardo.
— Me responde. — pediu, ameno. —puxando-o pela cintura.
— Eu tô suado...
— Eu não ligo... já te vi suado antes. —ele sorriu, de forma travessa.
— Você tá preocupado se alguém vai ver seu namorado de mentira com outro? É isso? — perguntou bravo.
— Não... — Eduardo estranhou.
— Porque não precisa se preocupar... não vou ficar com o Danilo, se é com isso que tá preocupado. Ele é meu amigo... e se quiser pode avisar todo mundo que a gente não namora mais, já que você finge que eu não existo em público mesmo... e eu achei que já tinha falado que terminamos nosso namoro falso... — falou e tentou se soltar dos braços de Eduardo, mas ele não deixou. Puxou-o ainda mais perto, colando seus rostos.
— Não... eu nunca falei... porque a gente não terminou, terminou? — sussurrou, com seus lábios quase colados. Kauan resistia menos, ofegava mais. Estava nervoso, sentindo um choro próximo.
— Eu não sei... — falou, desistindo de se soltar, mas desviando o rosto.
— Ei... — Eduardo segurou sua nuca com uma das mãos, sem soltar a outra, que ainda o mantinha firme junto ao seu corpo, para que não fugisse. Olharam-se de perto, enquanto o peito de Kauan se agitava, apesar de todo o esforço interno que fazia para controlar seus batimentos fortes e rápidos. Em vão. No meio da pista, nos braços de Eduardo, com raiva, ele arfava.
Colando sua boca no ouvido dele, num movimento lento que proporcionou a falsa expectativa de um beijo, Eduardo disse sussurradamente:
— Não faz assim... eu não tô te evitando... foi uma noite atípica... eu tô meio confuso com esse assédio todo... mas eu tô aqui... não desiste de mim, não. — pediu, e ao sentir Kauan enfraquecer, soube que era o momento.
Trocaram um olhar antes do beijo. Kauan ainda estava sério, mas deixou que o jornalista invadisse sua boca com a língua, naquela pista, na frente de todos, com ele sem camisa, mas menos suado do que supunha. Com o corpo colado no de Eduardo, sendo segurado com força e tendo sua boca conquistada e ocupada, numa nítida imagem de quem quer e deseja. Kauan se sentia leve e flutuava a cada pequena apertada mais forte que sentia. Cada choque entre seus lábios ou a fricção de suas línguas, deixavam claro que Eduardo queria estar em toda parte. Não era preciso dizer. E Kauan ia aos poucos perdoando. Porque, afinal, todo mundo podia ver, ainda que isso importasse mais para Kauan que para o mundo, os dois estavam juntos. Sem farsa, sem mentira, sem hacker. Sem rótulo. Ainda.
Quando seus lábios se afastaram, Kauan estava quase convencido. Mas ele sentia as coisas com forte ímpeto e as impressões não iam embora com facilidade.
— Desculpa fazer você se sentir mal... — Eduardo falou no seu ouvido, fazendo-o se arrepiar. Kauan nada disse, apenas vestiu a camiseta, sem descruzar os olhos dele.
— Quer sentar um pouco? — perguntou Eduardo. Foi respondido com um aceno afirmativo de cabeça. Foi então que, para a sua surpresa, Kauan, foi conduzido à mesa pela mão e assim, sem perceber, Eduardo coroava a noite e conseguia a total remissão de suas involuntárias pequenas transgressões.
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Danilo retornou do bar com duas garrafas com água. Viu Eduardo e Kauan abraçados de onge, sorriu e voltou para o bar, que estava praticamente vazio. Não voltaria para a mesa dos jornalistas, pois só tinha Aquiles e um rapaz bêbado. Resolveu esperar o amigo no bar. Enviou mensagem para ele, sentou-se lá, com a camiseta já vestida e bebeu uma das águas que havia comprado. "Pelo menos um de nós se deu bem!", dizia uma das mensagens que enviou ao amigo. Verificou se tinha mensagem de Paulo. Tinha um "boa noite". Deixou um "Queria tanto dar pra você hoje". Mas, claro, ele só veria quando acordasse. Em poucas horas. Nem mensagens de sexo dava pra trocar com aquele homem de madrugada, porque ele nunca estava acordado de madrugada.
Isso acontecia enquanto Eduardo e Kauan tentavam se entender na pista de dança. Aos poucos a alteração provocada pela bebida ia diminuindo, com a ajuda da ingestão de água, Danilo já estava na terceira, e ele já estava bem calmo, quando o único homem, além dele, sentado no bar, resolveu puxar assunto.
— Namorada? - o estranho, incrivelmente bonito, perguntou, olhando para o celular.
— Namorado.
— Hum... é... o meu me dá trabalho também. — falou, sorrindo simpaticamente. E se engajaram em uma conversa trivial sobre namorados, que não deve ter durado mais que cinco minutos até que o completo caos fosse instaurado na Terra.
Aquiles sorriu ao ver que Eduardo e Kauan estavam abraçados, seus olhos, entretanto, procuravam insistentemente por Danilo. Encontrou-o no bar e foi então que, sob uma grande fúria incontrolável, aquele homem sempre tão contido, perdia o controle e mergulhava no mais profundo abismo. Abruptamente ele se levantou e, irado, caminhou em direção ao bar. Quando percebeu, Danilo, que o via de frente, estranhou, franziu o rosto, olhou para os lados, para trás, tentando encontrar o motivo da ira do gigante. Continuou sem entender e voltou o olhos para ele, ainda confuso. Mas conforme ele ia se aproximando, a confusão se transformava e ele foi sentindo um certo pavor tomar conta de si.
Antes que ele conseguisse formular uma perguntar, Aquiles o pegou firme pelo braço, sem machucá-lo, mas impedindo-o de se soltar. Com olhar nada amigável e sem dizer nada, tirou-o dali, deixando-o, pela primeira vez, assustado. Aquiles saiu com ele pelo braço, como um pai levando um filho que fez coisa errada. Ele estava apavorado. Foi tudo muito rápido. Não sabia o que estava acontecendo. Não entendia o que tinha feito de errado.
Danilo estava vermelho, seus batimentos já não lhe respeitavam. Mas não impôs resistência e permitiu ser levado. Ele estava em choque.
— Onde está sua comanda? — Aquiles inquiriu, austero.
— Aqui. — entregou-a, assustado, meio trêmulo. Soltou seu pulso apenas quando chegou ao caixa, mas Danilo não conseguia se mover, pagou as duas comandas sem deixar que ele saísse do seu lado. E o levou para fora.
— Você vai me dizer o que está acontecendo? — murmurou Danilo, com a voz trôpega.
Aquiles ofegava e emitia um misto de sons indecifráveis e grossos. Quando chegaram no carro ele encostou Danilo na porta do veículo vigorosamente, sem feri-lo, e o fez entender o motivo de sua ira.
— Com tanta gente no mundo você tinha que flertar com aquele filho da p**a? — falou alto. Danilo arregalou os olhos e Aquiles abaixou, ficando com o rosto próximo do dele.
— Mas eu nem estava flertando.
— Claro que tava! Você acha que não vi? Justo com ele!
— Não estava! E eu nem sei quem é ele...
— Então qual o motivo daquela merda?
— Mas eu nem sei quem é aquele cara. Ele que veio falar comigo. Eu não entendo... eu que te pergunto qual o motivo disso!
Danilo sentia suas pernas tremerem. Seu estômago revirava. Não conseguia entender o motivo de tanta raiva. Ele simplesmente não entendia. Porque sua dança envolvente havia distraído tanto Aquiles que nem ele próprio tinha notado que Marcelo ainda rondava por ali. Não tinha ido embora. Restava-lhe um vestígio de esperança de falar com Aquiles. Queria ainda pedir desculpa pelo que havia feito. Não queria voltar. Só queria a chance de se desculpar apropriadamente. Mas, como m*l-entendido é obra demoníaca, lá estava ele armado para criar confusões.
— Ele é meu ex, Danilo. — sua voz era mais baixa.
— Eu não sabia. Me desculpa... como eu ia saber? — seus olhos se encheram de lágrimas. — Eu não queria te magoar.
— Você não me magoou. - sua voz tinha um tom sombrio. — Eu não quero te julgar... mesmo tendo namorado, você faz o que quiser da sua vida, entende? Só que... O Marcelo me fez muito mal...
— Quem disse que eu queria ficar com ele? — Danilo falou bravo, alto, ainda com o rosto próximo ao de Aquiles, mas não mais assustado.
— Então o que foi aquilo? - Aquiles ainda se sentia incomodado, mas não era de Marcelo que estava com ciúmes.
— Eu estava falando do meu namorado! Tá feliz? Eu não paquerei ninguém! Eu não ia ficar com ele... E eu não te devo satisfações! — Danilo gritava, furioso.
— Claro que tava... eu vi... Você tá com saudade do namorado e queria beijar alguém, é isso? Porque não me disse, eu te ajudava a resolver seu problema...
— Então ajuda, Aquiles! — falou olhando para ele, mesmo com a diferença de tamanho, com tom desafiador. Não obtendo respostas, voltou a falar:
— Foi o que pensei. Então abre essa porta e me leva pra casa, por favor. — disse nervoso e o empurrando de leve com as mãos.
Aquiles, naquele momento, irritado com a provocação e, de certo modo, ultrajado pela audácia do garoto que acreditou ter flertado com seu ex, puxou-o para junto de seu corpo pela cintura e pôde sentir imediatamente o calor que dele emanava. Sentiu o seu próprio corpo todo se aquecer de uma forma assustadoramente estranha. Teve vontade de puxá-lo mais, de repeli-lo, por não entender aquilo.
Mas levantou-o, abaixando-se ao mesmo tempo. Suas bocas quase se tocaram, podiam sentir a respiração um do outro. Se ficassem naquela posição por mais um segundo Danilo teria envolvido o pescoço daquele homem com seus braços, mas não deu tempo. E ele não fez porque não teve forças, devido ao impacto que sentiu ao ser colado ao corpo de Aquiles sem prévio aviso. Os efeitos daquele contato no seu corpo eram muito maiores do que ele havia previsto. Muito maiores.
Enquanto era segurado firme mas sem uso de força, num equilíbrio estranho que ele não entendia como alguém tão grande conseguia alcançar mesmo com raiva, seus braços pendiam do corpo. A outra mão de Aquiles chegou a segurar o seu pescoço. Posição clássica que precede um beijo. Danilo estava na ponta dos pés e, por um breve momento, sentiu-se levitar, com seu rosto quase colado ao de Aquiles, que notou como os olhos do rapaz brilhavam. Ele podia ver.
Não fora só abraçado, laçado, tinha seu corpo levemente suspenso. Ele voava. Naquele movimento repentino, mas não brusco, que o havia surpreendido e elevado ao ar. Mas logo sentiu seu corpo ser devolvido ao chão, à terra firme, delicadamente. Danilo sentiu que seu coração, que já estava acelerado de raiva, não aguentaria aquelas sensações fortes, foi quando sentiu sua cintura ser desenlaçada e ouviu o barulho da porta do carro sendo destravada.
Sem descruzar o olhar e como se tivesse se arrependido da bobagem que quase fez, Aquiles apenas disse um "Pode entrar" suave, baixinho. E deixando Danilo ali solto, sozinho, confuso, com os pés de volta no chão, deu a volta e entrou pela porta do motorista. Danilo achou que seria beijado. E como ele quis aquele beijo! Como a iminência do beijo que não aconteceu o deixara louco! E como aquele momento pareceu durar tanto, ainda que o tempo real nos braços daquele homem, não tivesse passado de uns poucos segundos.
O caminho para casa foi tomado pelo silêncio constrangedor. Apenas no elevador, sem jeito, que Aquiles conseguiu esboçar um pedido de desculpa.
— Me desculpa... Eu não devia... — falava olhando para frente, ora para baixo.
— Tudo bem. Foi um m*l-entendido. — interrompeu Danilo, sem saber direito a respeito pelo que ele se desculpava.
— Me desculpa mesmo... — repetiu, saindo do elevador, sem olhar para Danilo, que seguia atrás.
Cada um foi para seu quarto sem entender aquela noite, mas com uma terrível sensação de fracasso, aquelas advindas de constantes interrupções. E aquela tinha sido uma noite de completas interrupções.
Do outro lado, Eduardo tinha beijado Kauan na de frente Adriana e mais alguns colegas de trabalho, recebendo comentários que iam do "oun, que fofos", ao "eu sabia!", deixando Kauan mergulhado em satisfação e felicidade mundana. Convidou o estagiário para dormir em sua casa, porque, afinal, queria terminar aquela noite longa e truncada em grande estilo. Mas ele não pôde. Tinha um compromisso familiar no domingo à tarde.
— Posso te levar em casa pelo menos? — perguntou, gentil.
— Claro. — respondeu sorrindo, olhando para Adriana, sua primeira motorista, que presenciava a conversa, dando uma piscada muda para ele, concordando com a cabeça, como se permitisse. Como ele se deleitava por poder ter uma plateia. Não aquela plateia grande que ele teve do namoro falso. Mas uma pequena para aquilo que nem namoro era, mas era verdadeiro.
Então ele foi embora com Eduardo, mas cada um para sua própria casa. Não houve gran finale, nem para quem se entendeu, nem para quem brigou, porque aquela noite, era uma noite interrompida.