18- Sozinho?

1328 Words
Danilo foi dormir e acordou com o humor renovado por causa daquele jantar no qual absolutamente nada aconteceu, mas de certa forma ele passou a se sentir menos invisível. Estava animado naquela manhã. Não estaria se soubesse que Aquiles já tinha se arrependido de tê-lo chamado para ir à casa de sua mãe no fim de semana. Iria de qualquer forma, pois era um homem de palavra, mas já estava desanimado para o compromisso que se impusera. Como o jantar da noite anterior tinha sido produtivo, Danilo resolveu responder o namorado, enfim. Permitiu que ele se desculpasse, que justificasse com o excesso de trabalho o esquecimento do aniversário de namoro. Prometeu que em breve iria visitá-lo. Danilo, que já não acreditava em Paulo, disse que tudo bem, estava mais preocupado com a visita que faria à casa da madrinha.   Na verdade teria dois eventos pela frente, o aniversário da Brazilian Watch, e a visita à casa da madrinha, que ele acreditava que seria a segunda coisa que faria. Desde sua fundação, há três anos, a Brazilian Watch, comemorava seu aniversário no mesmo local, uma casa noturna nos arredores do centro da cidade. Como não era uma empresa grande, com muitos funcionários e com assinantes que eram mais colaboradores e entusiastas que  assinantes comuns de fato, apesar de ser um número até que expressivo, a empresa era pequena e por isso não era um evento fechado como muitas empresas fazem.  Era uma casa noturna aberta ao público, numa noite comum. Eles apenas combinavam de comemorar lá, pois era um lugar do agrado da maioria, pelo caráter mais reservado, música alternativa e ambiente gay friendly. Seria no sábado daquela mesma semana, Danilo ficou sabendo por Kauan, que contou animado, no dia seguinte, na faculdade. O estagiário estava ansioso, pois, ingenuamente romântico, acreditava que seria uma oportunidade para Eduardo assumir uma relação de verdade com ele na frente dos colegas de trabalho. Afinal, depois do que ele disse, dos momentos que haviam passado juntos, tudo levava a crer que Eduardo queria ficar com ele, por isso, o estagiário tinha grandes esperanças para aquela noite. Danilo preferia não ir, achava que nem tinha roupa para frequentar lugares, mas o amigo garantiu que era um local tranquilo, que não precisava se preocupar, pois era um ambiente ir informal. Como tinha curiosidade em ver Aquiles em um ambiente mais descontraído, não foi tão difícil convencê-lo. E antes da metade do caminho do ônibus, naquela sexta-feira, Kauan já tinha convencido Danilo. Kauan pegava dois ônibus para voltar para a casa. Danilo descia antes que ele trocasse de ônibus, pois o apartamento de Aquiles ficava muito mais perto da Universidade em que eles estudavam. De qualquer modo, ainda tinham uns bons minutos de conversa antes que chegassem no ponto de Danilo. — Você fez as pazes com o seu namorado? — perguntou Kauan. — Ah, mais ou menos. Ele me pediu desculpa, mas... sei lá. Ainda tô chateado eu acho. — sua voz se tornava meio melancólica quando falava de Paulo. — Sinto muito... desculpa te fazer lembrar disso. — constrangeu-se Kauan. — Que isso... mas me fala de você... não tem ninguém em vista? —perguntou com um sorriso mais animado. — Ah... até tenho, mas... — Kauan hesitou por um momento. — Ah, quer saber? Vou te contar... é o Eduardo. — O jornalista? Aquele bonitinho?! — perguntou Danilo, boquiaberto. — É! — falou Kauan, com algo que se confundia de uma forma infantil e doce entre felicidade e vaidade. — Nossa! Que legal! Faz tempo? Vocês namoram? Ele é legal? Me conta tudo... — Vou te contar tudo... calma... —Kauan ria da euforia do amigo. Enquanto explicava os detalhes de como o namoro falso os tinha levado à festa na qual Eduardo e Andrei se encontraram. Contou poucas coisas sobre Andrei e a operação do hacker, mas mais do que deveria. Danilo ouvia atento, até que sua parada chegou e eles ficaram de terminar a conversa depois.  O estudante chegou animado em casa, não tinha visto Aquiles pela manhã, então havia uma grande expectativa em encontrar com ele depois do jantar da noite anterior, estava entusiasmado imaginando sua reação, apostava numa proximidade maior entre eles. Já podia se sentir mais à vontade naquele apartamento com decoração tão sóbria, tão cinza. Toda a expectativa, todo o entusiasmo e a animação ruíram em segundos. Não foi necessário que Danilo andasse em direção alguma por aquela sala. Só precisou colocar a chave na fechadura e girar, trancando a porta. Só isso foi necessário para que ele perdesse a esperança ali mesmo. Ele ouviu, no momento em que girava a chave, Aquiles conversar com alguém no seu quarto e tudo ficou turvo de repente. Ela já não conseguia pensar com clareza. E como se levemente entorpecido pela voz que ria e conversava distante, ele tentou correr para o quarto, mas seus pés tinham um ritmo próprio, divergiam de sua vontade e assim, com as pernas invertas ele se locomovia na velocidade que podia, rumo à sua caverna, se abrigar e fugir de mais uma noite de sofrimento ilógico. Mas antes que seus pés trôpegos e tardios alcançassem o quarto, Aquiles, percebendo que ele havia chegado da faculdade, abriu a porta do seu quarto, permitindo então que Danilo visse que ele conversava ao celular. Olhar para o seu sorriso foi como desabar. Sentiu o corpo mole, como se não fosse capaz de se sustentar ao perceber que ele estava sozinho, que pelo menos fisicamente, não tinha outro homem ali com ele.  Sorriu de volta, pois ele continuava com no celular, agora ouvindo, e continuou o percurso, com ainda mais dificuldade, mas aliviado.  Alcançando o recinto almejado, Jogou-se na cama até se recuperar do susto, sentia aquela fraqueza que se sente depois que uma dor forte acaba. Aquela moleza compensatória produzida provavelmente por algum hormônio, porque a natureza sabe equilibrar as coisas e não põe nada em movimento que não consiga parar. Está sempre encontrando uma maneira de equilibrar as coisas, e o que chamamos de magia, de milagre, nada mais é que suas forças postas em movimentos tentando achar seu ponto de equilíbrio, sua harmonia. E Danilo estava deitado, deixando a natureza agir, para ver se as coisas voltavam ao lugar. Antes de recobrar suas funções vitais normais, Aquiles bateu na porta e ele atendeu. — Oi. — seu coração, ainda nem recuperado, descompassou novamente. — Oi... tem pizza... deixei na cozinha... — Aquiles avisou, olhando em seus olhos. — Obrigado. — ele sorriu. — Tá tudo bem? — Tá, sim... — Então tá... se precisar de alguma coisa me chama... eu vou ficar no meu quarto. — falou. Mas Danilo, que tentava, mas não conseguia se controlar, não se conteve, e assim que Aquiles virou de costas para ir embora ele soltou: — Sozinho? -— fechou os olhos, respirou fundo e tornou a abrir. Aquiles sorriu, puxou o ar e se virou. — É... sozinho. — respondeu com um sorriso entre o sarcástico e o charmoso, mas logo se arrependeu de se virado com aquela expressão. O motivo do arrependimento foi a feição de Danilo. Aquiles, que lia rápido as pessoas, viu que aquela não era uma expressão de provocação. E por isso, rápido, ajeitou seu próprio rosto, não soube na hora bem o porquê, mas diminuiu o sorriso, tornando-o mais aprazível, mais gentil. E repetiu: — Sozinho... — sorrindo curto, afirmando muito sutilmente com a cabeça. Danilo retribuiu com um sorriso amplo e tão caloroso, tão aliviado, que Aquiles instintivamente compreendeu a necessidade de ajustar o seu próprio sorriso. Compreendeu inconscientemente aquela pergunta. Eles se comunicaram mais pelas expressões de seus rostos que pelas palavras ditas. Mais pelo que não foi diro, mais uma vez, do que pelo que foi dito. Porque naquela noite, Danilo jantou sozinho. Aquiles dormiu sozinho. Mas os dois sabiam o que, sozinhos, cada um pensava em sua cama, aquilo significava. Compreendiam a eloquência desesperadora daquele silêncio e daquelas solidões.
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