16- Angústia e raiva

1648 Words
Como eu poderia estar com ciúmes de alguém que eu pouco conhecia? Essa era uma coisa que eu não conseguia entender. Ainda mais um cara que nem tinha sido muito simpático comigo, que nem tinha ido com a minha cara, que nem me queria ali. Fora que eu tinha namorado. Eu simplesmente não entendia porque tinha sentido aquilo. Mas era inegável. Eu sabia o que era. Não era a primeira vez que sentia, mas era sem dúvida a primeira vez que eu tinha ciúme de um desconhecido. Era normal ficar enciumado vez ou outra, já que o Paulo trabalhava em academia e vivia cheio de homem em cima dele. E ele tinha aquele corpão de quem malha todo dia. Poderia ser porque eu andava sensível, por estar longe de casa, longe das pessoas que eu gosto, dos meus amigos, da Vanessa especialmente. E do Paulo, que nem lembrar do nosso aniversário lembrou. Eu estava sozinho. Talvez isso fazia eu me agarrar a qualquer coisa naqueles dias. Não foi como se eu visse o Paulo beijando alguém, Deus me livre! Mas não era pra ser nada! Nada! Mas foi. Já o Aquiles era aquele homem grande, imponente. E charmoso. Eu achei ele lindo assim que olhei pra ele. Não era uma beleza óbvia, mas era uma beleza intensa, que eu não saberia explicar. Ele era incomum. Eu sabia que ele fazia exercícios de manhã, mas nunca tinha visto o corpo dele. Mas, independentemente dessa divagação, e do corpo dele, ele era atraente para mim, algo nele me atraía fortemente e eu senti ciúmes. Ele era atraente de uma forma muito estranha. Realmente assustadora, porque pra mim, assim como no trabalho, ele era impenetrável. Uma rocha, mas gentil e educado. Eu não sabia como ele fazia pra sair com tantos caras diferentes. Porque nem imaginava ele flertando. Acho que ninguém imaginava. Isso porque eu o conhecia há pouco tempo. Ele com certeza usava app de encontro. Mas ainda assim, ainda que fosse direto, ele devia ter que jogar alguma conversa em alguém, algum charme, porque eu via ele sair e demorar a voltar. Ele devia ir para algum lugar antes. Enfim, pensei que pudesse ser mais curiosidade minha que qualquer outra coisa. Eu queria ver ele com alguém porque sabia que ver ele paquerar eu não conseguiria mesmo. Então, vê-lo trocar beijos ou algum carinho poderia me dar pistas para desvendar aquele mistério. Era instigante.  Mas toda a emoção da minha aventura, do meu desbravamento de Aquiles  desmoronou naquele dia. Ele, na verdade, não deveria me atrair. Pelo contrário, eu devia repeli-lo, devido ao fato de ele se esforçar tanto para se manter longe de mim e de manter as nossas fronteiras tão claramente demarcadas. Aquiles era um total estranho pra mim e, talvez por isso, eu queria acreditar, talvez por isso eu tinha alguma curiosidade em relação a ele. Mas depois daquele dia que o vi beijando aquele homem, tentei ficar ainda mais invisível dentro daquela casa, para que não fosse mais pego de surpresa pelos meus próprios sentimentos que gostavam tanto de me armar ciladas, e ficar à espreita para ver como eu me saía, como testemunhas do meu fracasso. Mas por mais que eu tentasse, eu fechava os olhos e via suas bocas entrelaçadas numa dança indecente a crispar na escuridão dos meus olhos cerrados. Era o caos naquela cama. Tentei em vão chamar por Paulo em minha mente, na minha memória. Em vão. Paulo não vinha. Nunca vinha. Era Aquiles e seu par que pairavam no ar ali na minha frente no quarto, até que eu peguei no sono, antecedido por uma raiva sufocante, claustrofóbica, como se aquele quarto fosse uma caverna a me sufocar. Sem ter ninguém com quem compartilhar aquele sentimento louco, meus dias iam passando comigo tentando fingir que nada acontecia. Comigo tentando arrumar um jeito de fugir de Aquiles todo dia.  Não era difícil escapar de sua presença, pois ele mesmo não fazia questão da minha, então eu o evitava com a tranquilidade de um estrangeiro. Via-o às vezes na sede do jornal, quando ia me encontrar com Kauan antes de ir para a faculdade. Via-o de longe, distante. Ele m*l olhava para mim, mas sempre tinha tudo o que eu precisava em casa. Nunca me faltava nada.  Ele nunca se esquecia de nada. Era o perfeito anfitrião invisível. Que me antecedia e me precedia, mas quase nunca éramos simultâneos. Às vezes pela manhã. No geral, era uma sombra, uma silhueta a vagar nos espaços vazios onde eu não estava. Mas que sempre deixava alguma coisa pra mim. Nunca esquecia que eu também morava ali. Ao contrário do meu namorado, que nem lembrou do nosso aniversário. — Não acredito! — Kauan ficou chocado quando contei, pois era bobo como eu. E quem não ficaria? — Juro. Ele nem lembrou. — Ai, sinto muito, amigo.  — Eu também...  — E você não falou nada? Não fez um escândalo? Não brigou? Não jogou na cara dele? — ele me perguntava, no ônibus, enquanto íamos para a faculdade. — Não...nem soube o que dizer... — Foi quando? — Ontem. Fiquei esperando... achei que ele fosse fazer uma surpresa... mas nada. — Poxa... mas que merda! Termina com ele. — ele disse. E eu cogitei, mas tinha medo de me apaixonar por Aquiles e não ter para onde fugir.  — Sei lá... — Poxa... olha... vai ter uma festa de aniversário da BW, a gente arruma um boy gato pra você e você dá um pé na b***a desse seu namorado, porque ninguém merece... — ele falava, me fazendo rir. Como se aquilo fosse mesmo mudar o fato de que meu namorado de dois anos não se importava comigo.  Descemos e nos separamos. Combinamos de conversar mais na volta. Era bom ter com quem conversar. Ainda que eu não pudesse falar tudo com Kauan, ele era um bom amigo. Uma das melhores coisas que tinham me acontecido naquela cidade.  Eu estava adorando a faculdade, apesar de estar sendo bem puxado, já que eu tinha muita coisa pra estudar devido ao número de disciplinas que eu tinha escolhido no semestre. Mas como eu ainda tinha tempo livre, conseguia me virar. O que eu mais sentia falta era da minha mãe. Por mais confortável que fosse o lugar, era r**m estar na casa de um estranho, sem ninguém próximo que fizesse você se sentir em casa. Era complicado. Eu vivia com saudade da minha mãe, do meu namorado. Vivia querendo colo, embora não demonstrasse, claro. Projetava minha carência nos estudos e tentava esquecer. O Paulo tinha me prometido que iria me ver assim que pudesse e eu me agarrei àquela ideia. Mas quando ele esqueceu nosso aniversário de namoro, eu soube que talvez ele não fosse mesmo me ver. E aquilo me entristecia, porque além da faculdade eu já não tinha muita coisa  para me dar forças. A não ser a amizade com Kauan.  Quando cheguei em casa àquela noite, percebi um barulho no quarto. Eu estava na cozinha bebendo água quando ouvi o primeiro som.  Não tinha visto mais ninguém depois que presenciei aquele beijo. Vinha conseguindo evitar encontrar Aquiles com seus parceiros, mas naquele dia os escutei e fiquei paralisado. Era um barulho característico e em seguida veio outro, alto, sendo possível que eu ouvisse da cozinha. Parei com o copo na mão. Imóvel. Eu sabia o que eram aqueles sons. Eram tapas. Esquentei imaginando o que faziam dentro do quarto e por alguns segundos não consegui me mover. Tentei terminar de beber a água, mas não consegui, só queria correr para o meu quarto, colocar fones de ouvido com música bem alta até  dia seguinte. Então me apresse e tentei correr para o quarto, mas antes que alcançasse a porta, dei de cara com um cara de cabelos bem escuros e a pele muito clara, lindo, com rosto quase angelical, uma antítese minha,  apenas de cueca saindo do quarto de Aquiles. — Oii! — ele disse, com um sorriso simpático e surpreso ao me ver. — Oi. — respondi, olhando para ele. — Vou tomar água... — ele falou, com um sorriso satisfeito e o rosto todo vermelho que me permitiu saber onde foram dados aqueles tapas sonoros que eu ouvi. Sorri pra ele e entrei no quarto com os olhos queimando de angústia e raiva. Não sei se o garoto levou mais alguns tapas, porque eu coloquei os fones e não tirei mais até a bateria do celular acabar. Ela acabou no meio da noite e eu não percebi, porque já estava dormindo. Dormi rápido, porque aquela foi a primeira vez que eu chorei naquela casa. Não sei exatamente por que. Acho que foi a soma de tudo. De estar na casa de alguém que estava pouco se fodendo pra mim, que estava fodendo geral, na verdade, e fodendo gostoso. Por causa do Paulo que também estava pouco se fodendo pra mim, que nem lembrava do nosso aniversário de namoro. Por estar na casa de uma pessoa que não me queria lá, por estar longe da minha mãe, que aparentemente era a única pessoa que se importava comigo no mundo. Era um preço alto que eu estava pagando para estudar de graça. Mas eu aguentaria.  Coloquei o celular para carregar no meio da noite e pela manhã vi que tinha mensagens e ligações do Paulo. Eu tinha enviado uma mensagem bem m*l educada pra ele, lembrando o que ele tinha esquecido. Mas nem quis ver as mensagens dele de manhã. Também não quis falar com Aquiles. Pouco me importei de estar na casa dele. Falei bom dia e o ignorei depois, diferentemente do que costumava fazer. Não por pirraça ou algo do tipo. Não sei bem por que também. Eu estava muito irritado com todo mundo. Tomei café da manhã e fui pra faculdade cedo e fiquei lá estudando. Não queria falar com ninguém.
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