A entrevista já tinha iniciado e Kauan logo percebeu que o posicionamento dos entrevistadores não era convergente com o de Eduardo. Apesar de se tratar de uma emissora concorrente daquela mencionada no artigo, parecia haver uma espécie de cumplicidade velada, como se os entrevistadores tivessem certeza de que os e-mails eram mentirosos, ou como se tivessem sido orientados nesse sentido.
Eduardo se saiu bem, porém. Educado como sempre, calmo e preciso. Kauan estava nas nuvens, enfeitiçado por tudo o que aquele homem falava, era, representava. Porque paixão é, também, a construção de uma ideia. E a ideia que girava em torno de Eduardo era fascinante para aquele estagiário, que o assistia admirado.
— Então, tem mais material que ainda não foi publicado? — questionou o apresentador.
— Tem mais, sim. Mas não posso falar sobre isso ainda.
— Segundo você é possível provar a veracidade dessas informações. — quis saber a mulher.
— Sim. Podem fazer perícia no computador do executivo da emissora, inclusive. Eu não vou entregar prova alguma, porque mantenho acima de tudo o sigilo da minha fonte e do meu material.
— Mas e se descobrirem que esse material foi conseguido de forma ilegal? — perguntou o homem.
— Isso é com a polícia. Eu não sei quem me passou, porque é uma fonte anônima, e não sei como ele foi conseguido. A polícia que investigue. Eu, como jornalista, vocês são jornalistas também
E sabem bem disso, estou fazendo meu trabalho de tornar pública uma informação de interesse popular. — ele respondeu a mais algumas perguntas antes que a entrevista chegasse perto do fim.
— Mas então, Eduardo Ivankov, você escreve para três veículos de comunicação. Tem um de sua preferência?
— Não... gosto igualmente de todos. Tenho liberdade de escrever o que quero nos três, então pra mim é muito prazeroso. — ele mentiu.
— O Brazilian Watch aborda muitos temas, inclusive relacionados à Diversidade, mas você raramente escreve sobre isso. Não acha que, por ser gay, seus leitores esperam que você aborde o tema com mais frequência? — a pergunta foi feita pelo entrevistador.
— Acho que não. Eu sou especialista em política e, embora o tema Diversidade não esteja excluído do espectro político, acredito que outras pessoas escrevem melhor sobre isso do que eu. Existem pessoas na redação do Brazilian Watch especializadas no assunto. E nós costumamos escrever sobre nossa área de atuação. Não acho que por ser gay eu tenha que falar sempre sobre isso. Mas acho que abordo bastante o assunto. — ele respondeu, percebendo que provavelmente o entrevistador só tenha lido os títulos de seus artigos.
— Falando em Diversidade, você veio acompanhado de um rapaz bonito hoje. Ele é seu namorado, então? Depois das revelações do seu artigo, as pessoas passaram a ter mais curiosidade sobre sua vida pessoal.
— Eu preferia que as pessoas tivessem mais curiosidade sobre o que eu escrevo... — ele gracejou. — Mas acho isso normal. Eu vim com meu namorado, sim.
— E vocês estão juntos há muito tempo?
— Não. Há pouco tempo.
— Então estão no auge da paixão, a parte melhor. — o entrevistador brincou.
— Com certeza a melhor parte. – Eduardo sorriu.
— E ele faz o quê?
— Ele é jornalista também. Trabalha com a gente no Brazilian Watch... foi lá que nos conhecemos. Eu dei sorte que a política do jornal não impede relacionamento entre os jornalistas. — ele devolveu a brincadeira.
— Que bom... eu soube que vocês têm uma estrutura diferente lá, é verdade?
— É, sim. Começa que não temos chefe, o que torna as relações mais igualitárias. Temos horários flexíveis, e o ambiente é tranquilo, sem pressão. — ele explicava.
— Que maravilha! Tá vendo, chefe? Sem pressão! — o entrevistador brincou novamente, olhando para a câmera.
Em seguida, a entrevista chegou ao fim e Kauan viu os dois se despedirem e tirarem os microfones aos risos. O apresentador era animado, apesar de ter demonstrado que não acreditava muito nas informações divulgadas por Eduardo, que pouco se importava se o apresentador pensava como ele. O importante era transmitir o recado e, naquele caso, mostrar que ele estava namorando.
Passaram no hotel para pegar as coisas, fizeram o check-out e foram almoçar, em outro bom restaurante. Eduardo fazia questão.
— Eu gostei que você disse que eu era jornalista. — Kauan comentou, enquanto almoçavam.
— E você é. Não terminou a faculdade ainda, mas trabalha como jornalista, em um jornal. E tem um blog muito bom, que mostra uma atuação de repórter, entre outras coisas. — Eduardo disse, fazendo o estagiário se sentir importante.
— Você leu meu blog? — perguntou, surpreso.
— Claro. Todos nós lemos... você é nosso único estagiário... te escolhemos a dedo.
— Que legal... e que bom que gostou. — disse, orgulhoso de si.
— Gostei muito. Você faz um trabalho muito legal... tente não deixar de alimentá-lo.
— Tenho tentado, mas com a faculdade e o trabalho às vezes não dou conta. Mas eu gosto muito dele. — Kauan dizia.
Mesmo que não tivesse havido interrupções na entrevista, o processo todo tinha sido demorado. Por isso, também, Eduardo não gostava. Então quando eles almoçaram já passava das quinze horas. O jornalista acreditava que às sete horas eles já teriam chegado em casa, mas devido a uma acidente na estrada e a uma forte chuva que caía, o percurso levou quase o dobro do tempo e eles acabaram chegando perto das dez da noite de sexta-feira.
Eduardo estava exausto. Deixou Kauan em casa, foi para a sua e desmaiou. Sem tomar banho mesmo. Só trocou a água do Mujica, seu gato, que também era carinhosamente chamado de Pepe, encheu o pote de comida e foram os dois para o quarto dormir.
Kauan também dormiu cedo, ainda perdido naquele sonho. Os dois acordaram tarde no dia seguinte, e Eduardo foi checar se houve alguma repercussão sobre seu namorado. Havia alguns comentários no youtube, onde trechos da entrevista tinham sido publicados, alguns comentários no Twitter e nada mais. Ele sabia que não seria fácil, porque ele não era um rosto muito conhecido. No geral, jornalistas não são mesmo, não são celebridades. O artigo sobre a emissora tinha feito com que os veículos de comunicação ficassem enlouquecidos por uma entrevista sua e seus seguidores no Twitter, única rede social que usava, tinha quadruplicado em poucos dias.
E foi aproveitando essa onda crescente de seguidores que ele pôde mostrar o falso namorado pela primeira vez. Uma seguidora havia comentado se era verdade que ele tinha namorado, ele respondeu afirmativamente e choveram comentários pedindo para ver o rapaz. Naquele sábado à tarde mesmo Eduardo mostrou as mensagens para Kauan, que se deleitava.
— Você se importa de tirar uma foto comigo pra eu postar? Só uma...
— Claro que não!
— Então o que você acha de jantar comigo hoje, se não estiver enjoado da minha cara? Aí a gente tira.
— Pra mim está ótimo! Não estou enjoado, não. — ele estava empolgado.
Kauan não enjoaria de Eduardo. E às vinte horas do sábado, Eduardo parou o carro em frente à casa do estagiário para que eles fossem jantar. Eles não tinham i********e alguma, então Eduardo resolveu tomar bastante vinho pra ver se conseguia se soltar para pelo menos tirar uma foto convincente perto dele.
Escolheu um restaurante famoso por ser frequentado por jornalistas, já que ficava perto de uma das grandes emissoras do país. Viu algumas caras conhecidas e soube que poderia virar notícia, pelo menos no boca a boca. Kauan ficou tenso, percebendo que Eduardo estava desconfortável.
— A gente não precisa fazer isso... — o garoto falou.
— Isso o quê?
— Tirar a foto, se você não quiser.
— Eu quero... é que... sei lá como fazer isso. — ele riu, tomando uma grande quantidade de vinho de uma vez.
— A gente pode tirar no carro, se você preferir. — sugeriu Kauan.
— Não. O problema não são as pessoas... — Eduardo sabia que o problema era que ele não sabia como ir até o garoto para tirar a foto, mas preferiu não falar. Então, Kauan, que estava sentado à sua frente, moveu-se para a cadeira ao lado e a aproximou do jornalista devagar. Pegou seu celular, encostou seu corpo bem junto do dele, facilitado pela taça de vinho que também havia bebido, ele sorriu e tirou uma foto.
— Viu? Fácil. — disse olhando bem de perto para Eduardo, que sorriu aliviado.
— Vamos tirar outra? — Kauan perguntou sorrindo.
— Claro. — o jornalista falou e permitiu que o namorado de mentira se encostasse ainda mais e tirasse várias fotos com caras e bocas, fazendo-o rir.
— Se você rir demais a foto não vai ficar boa. — Kauan o repreendia aos risos. — Faz cara de namorado agora. — ele instruía Eduardo.
— Como é que faz cara de namorado? — o jornalista ria gostosamente.
— Eu não sei também. — ambos riam daquela brincadeira e quem os visse de longe certamente pensaria que eram namorados de verdade. Depois de várias fotos tiradas e muitas risadas compartilhadas, Kauan voltou ao lugar em que estava.
— Você quer escolher uma? — perguntou a Eduardo.
— Pode escolher você, a que preferir.
— Então vou escolher uma que eu estiver mais bonito. Pra falarem "nossa, que gatinho seu namorado!".
— Tá bom... Quero que vejam que meu namorado é um gatinho mesmo. — falou, fazendo Kauan suspirar quase imperceptivelmente.
— Estou entre essas duas, vou te mandar, aí você escolhe. — Kauan disse, já enviando as fotos.
— Ficaram ótimas! — exclamou Eduardo, estranhamente surpreso.
— Nós somos um casal e tanto. —disse Kauan, arrancando um sorrisinho simpático de concordância silenciosa de seu interlocutor que ainda estava impressionado com a beleza e a espontaneidade da foto que via.
Postou dali mesmo no restaurante e em poucos segundos já via vários comentários. Entregou o celular a Kauan para que ele visse as pessoas dizendo que ele era lindo, que eram um casal fofo, e alguns diziam que tinham perdido o crush.
Kauan se divertia e Eduardo, para a surpresa até dele mesmo, também. Logo em seguida eles foram embora e, aproveitando que o jornalista estava alegre, o estagiário aproveitou para fazer algumas perguntas.
— Eduardo... o cara que você gosta é a sua fonte? — perguntou de cara, fazendo Eduardo tremer.
— Como você sabe que eu gosto de alguém? — questionou, enquanto dirigia.
— Ah, eu acho que ouvi você comentar com a Dri uma vez. — ele explicou.
— Hum. É... ele é minha fonte, e ele tem namorado. E eu tenho que fingir que tenho namorado para que ele possa continuar sendo minha fonte. Uma merda, né? — ele confessou, já que o garoto era seu cúmplice naquela farsa.
— Nossa... que chato. — Kauan comentou, enciumado. — Como ele é? — quis saber, para torturar-se.
— Ele é lindo... — Eduardo suspirou. — Branquinho como você, mas ele tem o cabelo preto. Tem o rosto angelical e a fala mais firme e séria que eu já vi. — ele fez uma pausa. — Deve ser pouca coisa mais velho que você, e muito sério, misterioso.
— Nisso ele é bem diferente de mim. Não sou nada misterioso. — tentou rir.
— É. Nisso ele é mesmo... mas eu não sei muito sobre ele, queria saber, mas não sei... quem sabe se ele voltar a ser minha fonte e terminar com o namorado eu tenha uma chance? Mas não vai ser fácil. Ele é arredio, arisco, como um gatinho bravo. — sorria ao falar.
— Nossa. — Kauan queria chorar de raiva ao constatar que Eduardo era mais fofo do que ele imaginara. —Tomara que dê certo. — ele seguia mentindo.
— Tomara. Com a sua ajuda talvez dê... sempre vou te agradecer por isso e...
— Não vou contar pra ninguém. Não se preocupe. Obrigado pelo jantar. Eu me diverti muito. Espero que as fotos ajudem. — falou e saiu, sem que Eduardo conseguisse terminar a frase.
Já entrou em casa chorando. Um choro leve, é verdade, mas cheio de frustração. Foi correndo para o quarto, deitou na cama e desabou. Sabia que não devia ter perguntado, mas impelido por uma vontade incontrolável ele ousou entrar naquele terreno proibido. Arrependeu-se. Passou horas ali deitado, arrependendo-se e se sentindo o maior dos idiotas.