6- Metade

2807 Words
Mesmo tendo sido um encontro falso, Eduardo mandou mensagem para ele no dia seguinte. Não só para lembrá-lo de que eles teriam compromisso no sábado e no domingo. Ele mandaria de qualquer maneira. Buscou Kauan às dezoito horas para irem a mais um programa de rádio. Kauan não se cansava da maratona de afazeres, porque adorava estar perto do jornalista e porque aprendia muito sobre sua própria profissão. Era como um programa de estágio, no fim das contas. Além de ir a lugares legais, bons restaurantes, ele podia ficar perto de Eduardo. Estava bem longe de ser r**m. E Eduardo era muito gentil e atencioso, o que deixava tudo ainda melhor. A entrevista foi rápida e ao contrário do que eles esperavam, o entrevistador, muito bom profissional, não fez perguntas sobre a vida pessoal de Eduardo, frustrando os dois. Saíram de lá cedo e foram jantar em um restaurante perto da casa do jornalista. Um que ele ia com frequência. Kauan já nem ficava envergonhado de comer na frente dele, de tanto que eles faziam aquilo nos últimos dias. — Você não acha que aparecer com um namorado pode diminuir suas chances com o carinha lá que você gosta? — perguntou Kauan, enquanto tomava vinho e aguardava o pedido chegar. — Acho... mas eu não tenho escolha. — respondeu Eduardo. Resposta errada, evidentemente. — E pelo que você disse suas chances já não são muito boas. — provocou Kauan, já enciumado. Eles esperaram o garçom servir os pratos para continuar a conversa. — Não são mesmo. — Eduardo confirmou. — Eu jamais faria qualquer coisa para atrapalhar o relacionamento de alguém, mas se ele terminasse com o namorado eu ia fazer de tudo para conhecê-lo melhor. — falou, enquanto começava a comer. — Que bom, Eduardo. Tomara que consiga.  — Eu estava pensando... amanhã a gente tem que ir cedo à emissora de TV... o que você acha de dormir na minha casa? Assim a gente não precisa acordar super cedo. — sugeriu o jornalista. Kauan respirou fundo.  — Por mim tudo bem... mas eu não trouxe roupa. — ele falou, com sentimentos que se confundiam entre  o ciúme e a raiva que acabara de sentir e a empolgação de poder dormir na casa dele. —Você usa essa mesmo, ou a gente acha alguma minha que te sirva, se você não se importar... ou a gente passa na sua casa pra pegar. — Não precisa ir até minha casa. Eu me viro amanhã. — ele decidiu, concordando em dormir na casa de Eduardo. — Legal. Você é o melhor parceiro. E você é todo cheirosinho, ninguém nem vai notar que é roupa do dia anterior. — completou, fazendo com que o ciúmes de Kauan desse uma pequena trégua e ele sorrisse. Chegaram ao apartamento e Kauan foi direto brincar com o gato malhado do jornalista. — Ele é tão fofo. — dizia, enquanto fazia carinho e Pepe ronronava em retribuição. — Eu gosto tanto de gato... sinto falta de ter um.  — Adota um. — Minha mãe não quer, ela diz que ninguém cuida. E como eu fico o dia inteiro fora...  — Mas gato se cuida praticamente sozinho... eu tô pensando em adotar um amigo pro Pepe, ele tem ficado muito sozinho aqui, tadinho... né, Pepe? — esfregou os dedos e o gato foi até ele ganhar um afago. — Vou pegar uma roupa pra você dormir e poupar a sua... se quiser tomar banho fique à vontade e já vou avisando que você vai dormir no quarto e eu na sala. — Não, Eduardo... — Kauan retrucou. — Sim. E eu não vou aceitar uma recusa. — Eu preciso tomar um banho. — Kauan avisou e Eduardo pegou as coisas que ele precisava, ficando na sala vendo TV com o gato no colo, enquanto ele se lavava. — Agora você decide se quer ver um pouco de TV aqui comigo, ou se já quer ir deitar... tem TV no quarto também, se preferir ficar lá. — disse Eduardo ao vê-lo de volta à sala, já de banho tomado. — Eu prefiro ficar com você. — falou sem titubear e se sentou no sofá vazio. — Quer mais vinho? — ele perguntou. — Posso abrir um. — Não... senão não acordo amanhã... — Kauan respondeu, encolhendo-se de frio. — Vem cá pra baixo da coberta, tá quentinho. — Eduardo chamou, sem ter certeza se devia. — Obrigado. — Kauan recusou, por vergonha e por orgulho ferido. — Para de ser bobo... eu vou até aí, então... licença, Pepe. — disse, tirando o gato de cima de suas pernas. — Pronto. — falou, sentando-se ao lado dele e cobrindo os dois. — Agora a gente fica aqui nesse sofá apertado porque você é um chatinho. — brincou, olhando para Kauan, que ficou sério, pois estava tenso pela proximidade. Sim, Eduardo poderia ter pegado um cobertor para Kauan, mas ele não quis. Naquele momento, esquecendo tudo o que motivava a presença dele ali, o jornalista só queria estar perto dele. — Desculpa. — Kauan disse baixo, porque não sabia direito o que falar. — Ei, eu tô brincando. — segurou seu rosto ao dizer, fazendo-o virar para ele. E, mais uma vez sem aviso prévio, beijou seus lábios. Um selinho de leve, quase como de amigo, não fosse a sutil presença de uma umidade quente e aconchegante, o que deixou Kauan ainda mais confuso. — Desculpa. — falou, afastando-se.  — Eu não devia fazer isso... — Eu gostei. — Kauan falou, olhando para ele fixamente, com os lábios levemente úmidos. — Eu também gostei de te beijar. — Eduardo repetiu. Ele, enfim, falou! Apaziguando temporariamente o coração apaixonado daquele jovem que sorria aliviado, como se tivesse ouvido a maior das declarações de amor. Sem saber o que fazer, e percebendo a iminência de outro beijo, Eduardo levantou, alegando precisar ir ao banheiro. Quando voltou levou consigo outro cobertor e se sentou no outro sofá.  Compreendendo aquilo como um sinal de afastamento, mas não menos confuso, Kauan disse que ia deitar e sem discutir sobre quem dormiria no quarto, ele se foi, sem dar boa noite. Levou o cobertor e enrolado nele deitou encolhido naquela cama enorme. Eduardo, percebendo a indelicadeza que havia cometido e se lembrando que o garoto tinha uma paixonite por ele, coisa que ele quase nunca levava em conta, já que sua mente estava sempre voltada ao trabalho, ou para o hacker, ele foi até o quarto. Bateu na porta e entrou. Kauan não se mexeu, pois achou que ele iria ao banheiro ou pegar alguma coisa no quarto, mas Eduardo, vendo onde ele estava, deitou junto dele e abraçou aquela coisinha amontoada que era o Kauan naquele momento. — Posso dormir aqui com você? — perguntou. — Pode. — ele concordou, sorrindo, com o coração acelerado. Então, Kauan se desenrolou da posição que estava, compartilhando o cobertor com ele. Virado por vontade própria para Eduardo ele perguntou: — Por que você veio pra cá? — Porque eu quero ficar perto de você. — Eduardo respondeu, sabiamente dessa vez. — Hum... porque se for por pena... — Eu não tenho pena de você, não diga isso. — ele o interrompeu, ficando em silêncio em seguida. Viam-se, pois tinham seus olhos já se acostumado à escuridão iluminada pela meia lua que reinava no céu, permitindo que seu brilho penetrasse no quarto através da janela semi-aberta, que o jornalista esquecera de fechar pela manhã. Ficaram se olhando em silêncio, sem saber o que dizer. Os dois tinham vontade de se tocar, de se beijar, mas ambos tinham seus medos particulares. Medos diferentes, mas que faziam com que eles não quisessem reagir de acordo com seus desejos, de tamanhos e formas distintas, mas desejos. — Eu acho que... como você vai ainda aparecer em público comigo... a gente poderia... treinar mais um pouco... — Eduardo sorriu da narrativa que inventara para justificar sua vontade de estar com ele. — Você quer treinar? — perguntou Kauan, derretendo-se com a ideia. — Quero muito... se você quiser também. — eles conversavam baixinho, com uma sensualidade quase ingênua. — Eu quero... — Kauan sussurrou. E esperou o beijo, que ainda levou um tempo para chegar, tornando a espera tão contraditoriamente deliciosa quanto o o próprio beijo em si. — Seu beijo é tão bom... — sussurrava Kauan quando seus lábios se afastavam.  Eduardo não conseguia mais formular uma frase. Mas ele sabia que não se lembrava da última vez que alguém o tinha beijado com tanta vontade, com tanta intensidade. Era tão bom senti-lo com sua boca, que ele o levou para mais perto de seu corpo, fazendo com que ele soubesse que aqueles beijos o tinha aquecido por toda parte. — Você é muito lindinho... — disse Eduardo, sorrindo, ao olhar para o o rosto de Kauan após o beijo. Que reações bonitas o toque, o contato entre os corpos, podiam produzir. Era o que Eduardo via no rosto de Kauan. Seria impossível não sorrir. Precisou acariciar seu rosto e sentir na pele o resultado daquelas sensações que via ali estampadas.  Agradeceu a si mesmo por ter interrompido o beijo e ter podido vê-lo ainda de olhos fechados. Abriu-os em seguida, sorriu e assim que sentiu os dedos de Eduardo em seu rosto, tornou a fechá-los, soltando um barulhinho de prazer, como se aquele fosse o melhor dos elogios. Depois de saborear aquele toque e aquelas palavras com os olhos fechados, sendo admirado pelo jornalista, que o observava atento, Kauan passou a distribuir pequenos e doces beijos pelo rosto de Eduardo, que tinha, naquele instante, o seu momento de deleite. Era estranho como aqueles vários beijos tão leves e carinhosos conseguiam ser tão excitantes quanto os mais vigorosos, dados na boca. Ele não sabia que Kauan estava movido pela paixão, e aquela era uma forma pela qual ele conseguia extravasá-la. Ele nunca soube por quanto tempo ficou recebendo aqueles beijos, que se alternavam entre meigos e sensuais, entre seu rosto e sua boca, num vai e vem incessante. Numa alternância improvisada, mas que ele jurava ter um ritmo, uma cadência, e como uma sinfonia tocada por aquele garoto, de forma tão inesperada, ele sentia as cores daquele embalo no meio da escuridão. E por um breve momento ele se esquecera de tudo. Da fonte, do hacker, da farsa. De tudo. — Eduardo... — ele falou baixinho, depois da sessão de beijos. — Oi... — ele respondeu sorrindo, acordando daquele quase devaneio. — Já que as pessoas pensam que eu sou seu namorado... eu posso te pedir uma coisa? — ele falava de maneira ainda mais graciosa do que já fazia normalmente. — Claro... — Eu não queria que te fotografassem beijando outro... então, sei lá... se você puder não fazer isso em público, pelo menos enquanto namoramos de mentira...  — Claro. Combinado. Você também... se puder, tente ser fiel. — ele brincou. — Eu quero ser muito fiel. — disse com certeza escorrendo por cada letra, embora meigo. Sentia uma pontada forte no meio do peito. Como se fosse um pedido real. De um namorado real. — Então, a gente faz assim, enquanto namorarmos, se a gente quiser ficar com alguém, a gente fica escondido, nunca em local público... porque eu não quero que você tenha que se privar por minha causa também. — ele propôs aquilo com a naturalidade de quem não havia acabado de receber beijos apaixonados.  Os olhos de Kauan submergiram em raiva. "Ele não se importa se eu ficar com outro", ele pensou, inconformado, ultrajado em silêncio. — Sim. — foi só o que ele conseguiu dizer. Em seguida ele virou de costas e fingiu que dormia. Eduardo ainda fez carinho em seu cabelo, beijou seu pescoço, abraçou-o com carinho, afinal, eles estavam treinando para parecerem namorados de verdade. Kauan, totalmente confuso e indubitavelmente chateado recebeu as carícias em silêncio. Adorando, porém. Assim, ele ia recebendo alegrias pela metade. Tudo o que lhe era dado de um lado, era tirado por outro. Tudo o que recebia com uma mão, vinha a outra para tomar-lhe o regalo. Era como andar numa montanha russa todos os dias, sem saber onde o carrinho vai, por fim, parar. Dormiu até tarde e eles tinham um compromisso cedo. Quando viu a hora, Kauan pulou da cama e foi atrás de Eduardo, que tranquilamente preparava o café da manhã. — A gente perdeu a entrevista? —perguntou afobado e despenteado. — Sim. Eu avisei que não iria, porque meu namorado estava dormindo lindamente e eu não queria acordá-lo. — ele sorriu ao brincar. — Eduardo... — ele deu um sorriso corado. — Bobo... — Não se preocupe. Falei que não fui  por motivos pessoais. Era uma entrada rápida e gravada. Eles tinham mais gente pra pôr, eu não faria falta... — Que bom. — falou e Eduardo sorriu vendo-o descalço e com o cabelo bagunçado. — Eu achei melhor te dar um dia de folga. Você já tem deito muito por mim... senta aqui, vem comer comigo. -— Eduardo dizia, animado por ter alguém para quem cozinhar.  — Você é muito doido... Quase morri do coração, credo. — Desculpa. — Eduardo ria daquele drama, enquanto ele começava a comer. Tinha muita coisa na mesa e Kauan comeu quase de tudo. — Acho que nem vou conseguir almoçar assim. — ele ria, enquanto comia mais bolo. — Mas você não precisa ser visto com um namorado rápido? Não devia ter cancelado. — Preciso. Mas não vou te sacrificar por causa disso. É domingo, tá frio, você tá comigo desde sexta, achei que devia te dar um descanso... e você dormia tão gostoso... Kauan suspirou.  — Eu não canso de ficar com você. — Kauan disse, à luz do dia, sem bebida, sem o torpor da madrugada. —Poderia ter me acordado. — Não... aproveita o domingo. — falou Eduardo. — E depois vou tentar conseguir com o Aquiles umas folgas pra você. — Não precisa. Eu estou mesmo me divertindo. — ele fez uma pausa. — Você quer me levar agora pra casa?  — perguntou, com a boca meio cheia. — Não. — o jornalista sorriu. — Mas te levo a hora que você quiser. — Vou te atrapalhar se ficar aqui.  — Vai nada. Eu ia gostar se ficasse... — É sério? — ele perguntou lambendo o dedo de geleia. — Claro.  — Você tem alguma escova de dentes fechada que eu possa usar? — perguntou Kauan, vendo que Eduardo ainda sorria para ele. — Tenho, sim. Vou pegar pra você. —  Depois de um tempo curto, voltou do banheiro com ela e entregou a Kauan, que de pronto foi  escovar os dentes. Retornando à sala com a mesma roupa.  — O que você vai fazer hoje? — Kauan perguntou, que se sentia bastante à vontade. — Não tenho muita coisa pra fazer. Preciso terminar um texto e só. — Então podemos assistir um filme?  — Claro... vai escolhendo enquanto eu busco um cobertor no quarto.  Como o sofá era retrátil, Eduardo abriu um dos lugar e se sentou, acenando para que Kauan sentasse ao seu lado. — Quer abrir o seu?  — Não... tá bom assim... eu fechei as cortinas pra ficar mais escuro, porque escolhi um filme de terror. — Kauan avisou e se sentou ao lado dele. — Espero que não se importe. — De forma alguma. Quero que fique à vontade. Com aproximadamente dez minutos de filme, Kauan perguntou se poderia ficar perto de Eduardo. Ele realmente se sentia em casa. — Claro. Vem cá. — falou, levantando o cobertor para que ele entrasse. Kauan se encaixou em seu corpo, abraçando e deitando a cabeça perto de seu peito. — Eduardo. — ele chamou baixinho, alguns segundos depois. — Fala... — disse, olhando para ele bem de perto como estavam. — A gente pode fingir que é namorado por uns dias... assim... como namorados mesmo? Igual a gente fez ontem? — pediu, meigo. — Mesmo quando não tiver ninguém perto, você quer dizer? — É... só até sua fonte voltar. — ele propôs, dizendo a palavra "fonte" com dificuldade, com uma raiva provocadora, meio imatura. — Eu acho que a gente pode, sim. — Eduardo sorriu. — Acho que vai ser bem gostoso.  Assim que terminou de falar, ganhou um beijo apaixonado na boca. Beijaram-se durante quase o filme todo. Mas Kauan pediu para ir embora assim que ele acabou, porque não estava mais aguentando de excitação e estava prestes a explodir e passar vergonha. E sem saber o que pensar ou o que sentir, com aquelas situações interrompidas e inacabadas, ele se viu sozinho em seu quarto à noite, tentando montar a metade que tinha daquele quebra-cabeça cheio de peças faltando, perdidas em algum tempo ou espaço que, tateando no escuro, ele não conseguia alcançar.
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