Enquanto o arquivo era escrito, a amizade entre Kauan e Danilo se estreitava. Tinha encontrado no estagiário um amigo com o qual podia contar, em meio àquela gente estranha, naquela cidade grande e morando com a geleira que era Aquiles. De cara, Danilo viu em Kauan um amigo e logo viraram confidentes, pois tinham quase a mesma idade e compartilhavam os mesmo dilemas, podia-se dizer.
Ele fazia o possível para não incomodar Aquiles. Estudava à noite, então passava o dia em casa e saía antes do anfitrião chegar. Tinha um dinheiro que havia guardado e a mãe mandaria um pouco todo mês, para as despesas básicas. Seria uma quantia suficiente na cidade dele, mas aquela era uma cidade de custo de vida alto e Danilo sabia que logo teria que arrumar um emprego. O namorado ganhava pouco e trabalhava de domingo a domingo, então, além de não poder ajudar, também não podia visitá-lo, já que conseguia raras folgas, pois era instrutor e sócio de uma academia que não ia tão muito bem.
Enquanto não urgia a necessidade de arrumar emprego, ele se encontrava na Universidade quase todas as noites com o novo amigo, conversavam sobre a vida e iam para a aula, que ficavam em faculdades diferentes, portanto um pouco distantes uma da outra dentro do campus. Aquiles havia autorizado que Danilo passasse na BW em alguns dias para, de lá, ir com Danilo à Universidade, para ter companhia. Fazia isso, geralmente, três vezes por semana, já que o estagiário não tinha aula todas as noites, ao contrário de Danilo, que tinha todas as noites e algumas tardes, pois queria fazer o máximo de disciplinas naquele primeiro semestre que não precisava ainda trabalhar.
Kauan havia tido uma noite incrível com Eduardo, queria contar a Danilo, mas não contou. Falou apenas que gostava de um cara, que tinha saído com ele, que tinha sido maravilhoso, mas que ele sabia que o tal homem gostava mesmo de outro. Danilo não era muito bom em dar conselhos, pois se achava muito permissivo, um tonto. mas tentava. Servia mais como ouvinte do que como conselheiro de fato. E era mesmo o que Kauan precisava. Tinha sido um encontro providencial o daqueles dois. Danilo o achava engraçado, dramático, até fofinho no seu jeito. Paulo, o namorado de Danilo, era o seu primeiro e único namorado, então ele não tinha muita experiência para compartilhar. Ele nunca tinha feito sexo com outro homem, já tinha feito com duas garotas que namorou antes, mas Paulo tinha sido seu primeiro, então aquela era a sua única experiência. Achava que poderia aprender mais com Kauan que o contrário.
Mal sabia ele que Kauan também não tinha tido muitas experiências. Mas ao contrário de Danilo, Kauan sempre se soube gay, então nem chegou a ter relações sexuais com mulheres. Danilo era o tipo de rapaz que confundiria o olhar de alguém que acredita que gays são todos iguais, Kauan não. Quem o visse tinha certeza de que era gay e era essa sua intenção. Danilo era discreto por natureza, não por necessidade ou imposição. Era como sempre foi. Sua mão sabia do namoro com Paulo, embora não gostasse. Mas ela gostava menos de Paulo que da homossexualidade do filho.
Eduardo e Kauan conversaram pouco depois daquela noite, pois logo em seguida saiu o artigo e tanto a BW quanto o país viravam de cabeça para baixo. Kauan ia explicando aos poucos para Danilo o que estava acontecendo, como aquelas coisas eram importantes e contou por alto até de sua participação no processo.
O telefone de Eduardo não parava de tocar e o da BW também não, isso porque a matéria de Rafael e Adriana ainda nem tinha sido publicada. Seu Editor do outro jornal estava satisfeitíssimo e veículos de mídia de toda a parte queriam uma entrevista com Eduardo, que até pouco tempo tinha falado até em rádio pequena, mas agora, como já não precisava expor o falso namorado para ludibriar sua fonte, escolhia uns poucos lugares estratégicos para falar sobre o assunto. Não apenas canais com voz consonante com a sua, mas com vozes diversas, para ampliar o debate. Essa era a ideia.
Deu três entrevistas, sem Kauan. O que, de certo modo, deixou o estagiário chateado. Ele não sabia que Eduardo não o convidou para não o incomodar mais do que já havia feito. Mas na cabeça de alguém apaixonado, qualquer resquício de racionalidade custa a entrar. E Kauan se magoava à distância e ia aos poucos se afastando. Eduardo, por sua vez, ao provocar, com suas palavras escritas, as forças das trevas, passou a receber ameaças de morte. Avisou oficialmente a polícia, solicitou proteção policial, mas o máximo que conseguiu foi um segurança particular p**o pelo jornal para o qual trabalhava. Mas ele deixava isso claro em todas as entrevistas que dava, pois quanto mais ele evidenciava as ameaças mais comprometedor seria fazer algo contra ele. E assim ele ia se protegendo como era possível, por isso, também, não podia ver Kauan naqueles dias, pelo menos. Via-o apenas na BW, mas geralmente ele estava com o menino do Aquiles.
Faltava pouco para que a matéria dos outros jornalistas saísse e para que eles compartilhassem o material com a outra articulista, Flávia Weingarten, de um jornal de posicionamento mais conservador, mas que havia se entusiasmado quando foi convidada a participar das divulgações. Quando isso acontecesse, Eduardo deixaria de ser um alvo sozinho e sua vida poderia voltar a ter um pouco mais de normalidade. Não que ele quisesse que a mulher fosse ameaçada, mas ao ampliar a divulgação os alvos aumentariam e ele sabia que não seria possível ameaçarem todos os jornalistas e veículos de comunicação do país.
Ele poderia, então, e estava ansioso por isso, voltar a ver Kauan. Mas o estagiário acreditava ser desculpa esfarrapada do jornalista e tinha certeza que tinha a intenção de distraí-lo até que ele, por conta própria, desistisse. Porque se a paixão ofusca qualquer sinal de racionalidade, o ciúme, ah... esse é capaz de anular fatos e evidências por completo, criando uma narrativa paralela a fim de alimentar a si mesmo e o sofrimento que causa.
Enquanto isso, Danilo lidava com seus novos problemas em um apartamento de classe média alta daquela cidade desconhecida e inexplorada. Logo no primeiro fim de semana de sua estadia, ele já viu Aquiles levar um homem para casa, como havia prometido. Achou que demoraria mais tempo, porém. Era um homem mais novo que o jornalista, mas mais velho que Danilo, muito bonito. Não ouviu nada do que fizeram no quarto. Não presenciou i********e entre eles, viu apenas os dois bebendo na sala quando chegou. Cumprimentou-os e foi para o quarto rápido.
— Quem é essa gracinha? — perguntou o rapaz.
— É o filho de uma amiga da minha mãe. Longa história. Veio fazer faculdade e eu sou um cara legal. — resumiu.
— Então você você é um homem bom? — perguntou sarcasticamente o jovem.
— Você gosta de homens bons? — Aquiles perguntou, sensualmente.
— Na verdade, não.
— Então eu não sou nada bom. — Aquiles sorriu e levou o rapaz para o quarto.
Horas depois, Danilo ouviu um barulho na sala. Era Aquiles levando o visitante embora. E o que Danilo veria dos encontros seria basicamente aquilo. Ele não saberia o teor do que acontecia dentro do quarto. Embora soubesse o que eles faziam lá. Seria raro ele ver algum dos homens. E estranhava o fato de que nenhum deles nunca passava a noite. Por algum motivo desconhecido, talvez pelo mistério que envolvia a figura de Aquiles, Danilo tinha a curiosidade de vê-lo com alguém. Era uma curiosidade natural, todos na redação a tinham, na verdade. Em maior ou menor grau, mas tinham. Mas Danilo estava ali, próximo, quase desvendando aquele enigma, mas nada sabia. E como ele queria! Queria ver Aquiles beijando outro homem na boca. Queria muito.
Danilo não fazia ideia de que seu anfitrião havia se fechado após uma decepção amorosa, se é que se podia chamar assim. Depois de uma longa relação, que não tinha terminado muito bem, ele havia decidido que não se relacionaria afetivamente com mais ninguém. Era um caso clínico de clichê pós fim de namoro. Mas o mistério em torno dele fazia com que ninguém soubesse. E, sem querer, Aquiles conseguia tornar aquela experiência comum em algo charmoso. Porque todo mundo que ama, eventualmente sofre. É um ônus, um risco que se corre. E que geralmente vale a pena pelos bons momentos. Mas Aquiles pensava o contrário. Não queria mais sofrer. Mesmo que para isso precisasse abdicar das partes boas. O que sobrava era sexo. Isso ele podia fazer. E ele fazia. De forma segura, honesta e com respeito. Jogando limpo e tomando todas as precauções para que não houvesse nada além de sexo casual consentido.
Desenvolveu um desgosto profundo por envolvimento afetivo e tudo o que remetesse a relacionamento era por ele refutado. Envolver-se significava perder o controle e perder o controle levava ao sofrimento, por isso ele precisava sempre estar no controle. Era sob essa lógica insana que seu subconsciente passou a funcionar. Por contraditório que parecesse, ele não guardava mágoa do ex, tinha raiva de si. Era a si mesmo que culpava. Esse era Aquiles, forjado pela dor m*l curada da única e primeira decepção amorosa.
Por isso ele tentava se perder entre as pernas de homens doces, que davam a ele a falsa sensação de que o mundo estava sob controle. Mesmo que ele soubesse que era falsa, aquela sensação o agradava, pois era uma forma que fazia as coisas parecerem estar no lugar certo. Mas agora, seu divertimento e distração estavam comprometidos com a presença do jovem em sua casa. Aquela rotina que havia criado para si tinha sido perturbada. E o nome da perturbação era Danilo.
E ele logo percebeu que Aquiles não gostava de ficar com um homem só. E aquilo não era problema seu, pensava. Mas por algum motivo, Aquiles tinha vergonha. Era estranho ter, de repente, alguém tendo contato com parte tão íntima da sua vida, a sua vida s****l. Embora ele não visse o que faziam, ele sabia com quantos Aquiles fazia. E aquilo o incomodava. Aquela informação que antes era só dele, agora ele compartilhava com outra pessoa. E se sentia m*l. Sentia que estava sendo julgado, que parecia um desesperado em busca de sexo para compensar alguma falta. E ele achava que não faltava nada em sua vida. Não queria que ninguém pensasse isso. Não queria que ninguém soubesse. Não queria que ninguém o visse como desesperado. Porque ele não era. Poderia ser outras coisas, mas não era desesperado.
A presença de Danilo o incomodava mais do que ele poderia supor. Mesmo o garoto sendo muito discreto. Era verdade que qualquer presença o incomodaria, pois qualquer um que visse como ele usava sexo como fuga, o faria se sentir exposto, ainda que sua postura firme, seu tamanho e sua seriedade pudessem escamotear essa leve insegurança. Então ele começou a frequentar motéis com os parceiros de transa. Para fugir do suposto julgamento de Danilo e para continuar mergulhado no abismo que ele mesmo se jogou e no qual se sentia tão deliciosamente confortável.
São só seis meses. Vai passar rápido. E eu vou poder f***r quem eu quiser em paz. Mas quanto mais ele pensava nisso, mais ele sentia o tempo parar. Mais aquela ansiedade irritante tomava conta dos seus dias e só o trabalho conseguia fazer com que ele tivesse um pouco de tranquilidade, pois, contraditoriamente, as coisas estavam tumultuadas e excitantes na redação do jornal.