Andrei estava transtornado. Não entendia como aquilo podia ter acontecido, mas estava aliviado por Rodrigo não ter visto o jornalista na entrega do prêmio a Antônio. Ele sentia que não deveria ter ido. E achou a sensação de encontrar Eduardo inesperadamente muito estranha. Achava difícil aquilo ter sido obra do acaso ou um encontro fortuito. Não acredita em destino ou coisa do tipo, então soava-lhe m*l. E ele não gostava de sentir coisas que não conseguia definir. Teve vontade de confrontá-lo. De perguntar: "o que você está fazendo aqui?!", mas sabia que ele era jornalista e jornalistas são convidados para aquelas porcarias, de modo que ele teria como justificar.
Nervoso, não quis esticar a noite com o namorado e foi direto para a sua casa, já que ainda não moravam juntos, por enrolação dele mesmo. E assim que chegou, enviou mensagem para a amiga, ainda dominado pela fúria de ver Eduardo com o namorado no mesmo ambiente que ele.
Andrei: Erica!!
Erica: Diz.
Andrei: Vc não sabe que merda aconteceu...
Erica: O quê??
Andrei: Encontrei o jornalista naquela droga de evento que fui com o Rodrigo.
Erica: Que jornalista?? O nosso jornalista?
Andrei: É, Erica! Ele tava lá, acredita?
Erica: Que merda... E ele te viu?
Andrei: Não. Tava com um namorado, sei lá... vi eles abraçados, se beijando o tempo todo.
Erica: Que bom, Andrei... isso quer dizer que ele não deve mais estar a fim de você... a fila andou... kkk
Andrei: É... isso é bom mesmo. Mas não gostei de encontrar com ele.
Erica: Não seja bobo... ele nem deve ter te visto.
Andrei: E se ele estiver me stalkeando?
Erica: Como, Andrei? Ele não sabe nem o seu nome! E jornalistas são convidados pra esses eventos... Às vezes tinha algum conhecido dele recebendo prêmio, sai lá... a gente não sabe da vida do cara. Então fica tranquilo, pq ele não tá te perseguindo, seu tonto... kkk
Andrei: É... você deve estar certa.
Erica: Se ele estivesse vc o veria em vários lugares.
Andrei: É... pode ser...
Erica: Mas se ele estava com um namorado... a gente pode continuar com ele, né? Ele não tá mais a fim de vc... O Rodrigo não vai ficar tão inseguro sabendo que o cara tem namorado.
Andrei: Não sei...
Erica: Poxa, Andrei... Se o cara tá namorando quer dizer que ele nem lembra que vc existe... e eu não achei ninguém que se encaixe no perfil que eu quero como ele.
Andrei: Isso pq vc é mto exigente nesse perfil.
Erica: Sou nada... vamos continuar com ele, vai... se ele der uma de engraçadinho de novo a gente demite ele de vez... já deixo ameaçado... kk
Andrei: Tá bom... mas eu não quero falar com ele. Vc e o sss que falem.
Erica: Eba!!! Pode deixar... te amo!! E fica tranquilo, ele nem lembra mais desse seu rostinho... kk
Andrei: Besta...
Erica comemorava aos gritos em seu apartamento o sucesso da pequena operação de ludibriar o amigo. Não queria fazer aquilo, mas Andrei, com aquelas frescuras, não lhe dava escolha. E não via a hora de contar a informação para Eduardo, que esperava apreensivo em sua casa, remontando os acontecimentos estranhos daquela noite.
Resolveu que só falaria com ele no dia seguinte, para se certificar de que o amigo, que costumava ser imprevisível, não mudaria de ideia. Mas já deixou os arquivos preparados para enviar e dançava e cantava pela sala, linda e realizada, como dona e deusa do destino dos mortais que ela era. Bebeu sozinha para comemorar aquela vitória secreta, mas acordou com sss na sua cama, já que tarde da noite, alterada pelo álcool, convidou-o à sua alcova, tendo ele atendido de pronto, e feliz, ao seu chamado.
Os dois chegaram atrasados nos respectivos trabalhos como resultado da noite anterior e Erica trabalhou o dia todo ansiosa, contando os segundos para chegar em casa e pôr seu verdadeiro trabalho em prática.
Foi na noite daquela sexta-feira que a operação voltou a funcionar. Eduardo revisava um texto quando recebeu a mensagem.
Erica: O plano deu certo. Sou sua fonte novamente. Parabéns!
Eduardo: Que maravilha!!!! Então ele me viu?
Erica: Viu você beijando seu namorado, inclusive kkk... Vc foi perfeito! Vou te enviar dois e-mails novos que eu descobri. E se quiser já pode escrever sobre eles.
Eduardo: Eu queria saber se vocês se importam de eu escrever pra BW também? Queria dividir o material, porque eles me ajudaram muito nessa tarefa do namorado.
Erica: Claro! Faça como preferir agora. Só o primeiro que eu queria que fosse divulgado na mídia tradicional. Agora que fizemos barulho pode fazer como quiser. Eu até prefiro o Brazilian Watch. Se quiser publicar só nele...
Eduardo: Não. Meu editor do outro jornal me mata se eu fizer isso... kk mas nos dois eu consigo fazer.
Erica: Faça como quiser. Só não esqueça que eu preciso de ajuda para descobrir esses nomes codificados que eles falam. Vou te enviar e você não conseguirá mais falar comigo. Eu entro em contato. Obrigada mais uma vez!
Eles se despediram e, ansioso, Eduardo abriu o arquivo assim que chegou. Mandou para o seu e-mail e abriu no computador pra ler com calma. Eram mais dois e-mails trocados entre o executivo e outra pessoa que foi identificava como filha, mas que não era filha, porque ele só tinha um filho homem, informação que Eduardo encontrou com facilidade em uma busca rápida na internet.
Nas mensagens eles negociavam claramente três coisas, a morte de uma personagem gay em uma novela, a caracterização de uma personagem feminista como sendo "depravada", essa foi a palavra usada, literalmente, e a propaganda escamoteada de uma reforma tributária, que era encabeçada pelo partido da pessoa em questão. A personagem feminista não poderia ser chamada de feminista na trama, mas teria que ter todas as características que fizessem as pessoas relacionarem com facilidade.
Tratava-se de três coisas quase distintas, mas que apontavam para uma mesma visão ideológica, que tinha a intenção de minar as minorias dos poucos espaços já conquistados e aumentar os impostos da população como o apoio do próprio povo por meio de propaganda velada, o que é proibido por lei.
Eduardo lia aquilo estarrecido. Ele sabia que havia lobby escondido, mas não fazia ideia que nos dias atuais ainda existia uma facção ideológica que queria pagar para exterminar gays de novelas. E os valores da compra de conteúdo eram altíssimos. Mas outra coisa que poderia ter passado batida por olhos desatentos chamou a atenção de Eduardo. A pessoa em questão, o político, mencionava por alto que havia um grupo que cuidava de comprar conteúdos pela internet também, mas esse era outro departamento.
Ou seja, a propaganda clandestina se estendia a outras mídias e sendo a internet terreno quase livre para a propagação de notícias falsas e propaganda de ódio, o crime era ainda maior, porque se tornava ainda mais difícil a detecção de ilegalidades. O partido tinha departamentos de controle de meios de comunicação. Era demoníaco. E por esse motivo, Eduardo sabia que não poderia se expor sozinho, pois se tornaria alvo fácil desse grupo criminoso. Então ele resolveu que iria convidar mais algum jornalista de outro veículo de comunicação para lançar as notícias com ele. Um veículo diferente dos que ele trabalhava, para ampliar a sensação de imparcialidade.
Ele decidiu que falaria com o pessoal da BW e junto com eles pensaria em alguém, já que estava liberado para fazer como preferisse. Era um grande risco e ele precisaria conversar pessoalmente com cada parte envolvida na divulgação do material. Mas antes ele precisava de algumas informações imprescindíveis. Precisava saber se aquelas coisas negociadas tinham realmente acontecido. Precisava ver todos os programas jornalísticos da emissora, a partir da data daquele e-mail e achar as cenas das novelas.
As novelas ele encontrou com facilidade e, para aumentar seu espanto, viu três cenas. A da morte da personagem gay, e duas que mostravam a caricatura de uma feminista grosseira, rude, suja, desbocada e má. Era simplesmente horrível. Procurou artigos sobre o assunto e viu que vários grupos feministas se opuseram àquela péssima caricatura que m*l beirava um ser humano, mas a emissora alegou que não se tratava de uma feminista e que precisavam respeitar a liberdade artística. Aquilo era simplesmente sujo, imoral, desonesto, abjeto. Repugnante.
Eram tantos crimes que ele vira serem negociados naquele e-mail que ele nem saberia de imediato por onde começar a escrever. Precisava ainda achar no programa jornalístico a propaganda irregular, mas levaria mais tempo. Por isso, ligou para Adriana e pediu que ela o ajudasse, caso tivesse tempo. Ela, por sua vez, não sabendo do que se tratava, passou a tarefa ao estagiário, que encontrou em poucos minutos duas menções referentes à tal reforma tributária que queriam impor à população. Uma que aumentaria os impostos, evidentemente.
Perdido em meio àquilo tudo que surgiu à sua frente como um carro desenfreado, ele ouviu o celular tocar.
— Alô.
— Oi, Eduardo. Achei o que você pediu.
— Kauan?
— É.
— Ah. O que eu pedi?
— Sobre a reforma tributária.
— Ah! Isso... mas eu pedia pra Adriana. Ela é fogo, viu?
— Mas não podia ser eu?
— Claro que podia. Mas é que eu ia falar com você sobre isso depois. Mas de qualquer forma, muito obrigado. Mais uma vez você me ajudando.
— Por nada. Vou te mandar os links.
Irritado e sem se despedir, Kauan desligou. Nem quis saber para o que era. Terminou seu trabalho nervoso e foi para a faculdade à noite, enquanto Eduardo terminava de revisar o texto e planejava o que faria com aquelas informações. Imprimiu-as para levar à BW no dia seguinte. Já tinha até combinado um horário com Aquiles para falar sobre o assunto. Sua mente fervilhava, mas ele sabia que precisava contar tudo primeiro para Kauan, que tinha ajudado tanto para que sua fonte retornasse.
Mandou mensagem dizendo que o buscaria na faculdade e mesmo que o estagiário recusasse, ele foi.
— Oi. — falou Kauan, seco, ao entrar no carro.
— Oi. Eu insisti porque queria contar uma coisa pra você antes de todo mundo. — ele dizia, animado, enquanto dirigia.
— Minha fonte voltou! — exclamou, sorridente.
— Eba. — disse Kauan, ironicamente, levantando as sobrancelhas.
— Que foi? Não ficou feliz? Deu certo nosso plano!
— Tô feliz, sim.
— Tô vendo... — falou Eduardo, com cinismo. — Eu já recebi parte do material, e você não tem ideia do que tem lá...
— O quê? — quis saber, com um pouco mais de interesse.
— Abre o porta-luvas e pega umas folhas que tem aí. — Kauan atendeu o que ele pediu.
— Agora lê. — falou, enquanto continuava dirigindo e o garoto lia, em silêncio.
— c*****o! Esses filhos da p**a estão fazendo isso mesmo que tá aqui? — inquiriu transtornado.
— Aparentemente, sim. Eu só preciso saber com quem eles estão negociando... Tá vendo por que eu não queria perder a fonte? Olha o conteúdo desse material! E você me ajudou a conseguir. Serei grato a você pra sempre.
— Você não queria perder o contato com seu namoradinho. — retrucou, enciumado.
— Ai, Kauan. Não é nada disso... E se você quiser, deixo você me ajudar no artigo, assinamos juntos na BW. O que acha?
— Não sei... vou pensar. — fingiu não se importar, pois ainda estava chateado.
Como se não bastasse a chateação por ter visto seu rival de perto no dia anterior e de ficar sabendo que eles não precisariam mais fingir que eram namorados, algo que não agradava Kauan, Eduardo, sem saber ler a cena, conseguiu piorar tudo.
— Se você quiser a gente já pode planejar nosso término... e você se livra de mim. — falou, sorrindo, assim que estacionou o carro na porta de Kauan, que olhou para ele nitidamente chocado.
— Não precisa planejar, Eduardo. Eu já termino com você agora. — disse, nervoso, saiu e bateu a porta. Já estava dentro de casa antes que Eduardo conseguisse entender o que tinha acontecido.
E ainda confuso ele voltou para casa, para dar início ao artigo que, orquestrado sábia e magistralmente por Erica, em poucos dias, abalaria o país.