Quando fiz doze anos, decidi que deveria emagrecer. Tentei por dois anos, mas em vez de me sentir melhor, me sentia cada vez pior. Até minha saúde, que era perfeita, ficou h******l. Depois que melhorei minha saúde, percebi que mesmo sendo gorda eu poderia ser saudável, e feliz.
Foi aí que comecei a me cuidar do jeito certo, porque me amo. Levou um tempo para conseguir chegar ao ponto que estou hoje. Mas tive a ajuda do Arthur, por incrível que pareça.
Na época que viramos amigos eu estava um pouco melhor de saúde, e voltando aos poucos ao meu peso. Ele foi me ajudando de várias formas, e nos aproximamos de tal forma que, quando nos demos conta, já estávamos namorando.
Certamente ele gostava mais de mim, do que eu dele. Eu o tratava mais como amigo do que namorado, mas ele nunca ligou. Na verdade, nem sei porquê ele gostava tanto assim de mim. Mas acho que agora ele foi longe demais, me mandando mensagem logo depois de eu o pegar aos amassos com a Luna.
Passou do ridículo.
Arthur: Oi princesa.
Eu: Onde está sua namorada?
Arthur: Não tenho mais namorada, infelizmente. Ela me trocou para ficar com um cara que nem liga pra ela.
Arthur: Ah, é! Foi você mesma.
Eu: O que você quer, Arthur?
Arthur: Você de volta.
Eu: Nem em seus sonhos.
Arthur: E que tal como amigos? Éramos tão bons juntos! Você não pode negar.
Eu: Realmente. Mas é como você disse "Éramos". Não damos mais certo, Arthur.
Arthur: Não podemos nem tentar?
Eu: Não.
Eu: Agora está tudo diferente, Thu. Temos que seguir nossas vidas separados. Mas lembre sempre do tempo que estávamos juntos. Lembre com carinho, sabe, e quando quiser conte para alguém as nossas melhores histórias.
Arthur: Até da nossa primeira vez no zoológico? Quando você comeu tanto cachorro-quente que quase vomitou, quando viu dois macacos acasalando?
Eu: Não!
Eu: Na verdade, depende com quem e onde. Não me exponha muito, pode ser?
Arthur: Estou morrendo de saudades, Aura. Você é minha melhor amiga.
Eu: Melhores amigos também vão embora, Thu. É aí que fazemos novos amigos.
Arthur: Aqui na faculdade não tem ninguém que eu queira que seja meu amigo.
Eu: Uma hora você vai achar.
Eu: Eu também não fiz nenhuma amizade ainda.
Arthur: Que tal almoçarmos qualquer dia desses? Como nos velhos tempos.
Eu: Realmente não dá. Mas tenta ficar bem e seguir em frente.
Eu: Agora tenho que ir. Tchau, Thu.
Arthur: Beijos, Aura!
***
Talvez, durante as mensagens, minhas defesas tenham enfraquecido em relação a Arthur. Só um pouquinho, na verdade. Ele é um cara legal, pena que não o amava o bastante para continuar com a nossa história.
Agora eu sei, pensando em tudo o que aconteceu, que o que tínhamos terminou assim que o que tenho com o Lucas começou.
Ouço barulhos de chave vindo do outro lado da porta daqui de casa.
Olho para lá a tempo de ver Elizabeth entrar, ainda de uniforme e com os cabelos ruivos todo bagunçado. Ela não me nota de imediato, mas quando me vê fica branca, depois fica vermelha. Muito vermelha.
— A tarde foi boa em. — Sorrio de lado, irônica.
— A mamãe já chegou? — Ela se senta ao meu lado, no sofá. E volta a ficar branca.
— Não, sua boba! É cinco da tarde, e hoje tem ensaio, para o desfile de sábado.
— Aí, nossa! — Ela se encosta no sofá com a mão no peito. Parece muito aliviada. — Achei que já tinha chegado! A Abby me disse que... Ei! Você mentiu pra gente?!
— Para seu próprio bem. — Sorrio novamente, triunfante. — Pode me agradecer.
— Sua louca! Eu quase perdi o BV! E você atrapalhou tudo! — Eliza se levanta e bate o pé, bem brava. Agora voltou a ficar vermelha.
— Você é minha irmãzinha, Elizabeth. Você tem que ser pura. Pra sempre. E já que não temos pai, eu vou zelar pela sua pureza eterna.
— Eu te odeio!
Rio quando ela sai da sala e sobe para seu quarto, batendo pé. Desligo a tv e corro atrás dela, que fecha a porta do seu quarto, antes que eu consiga entrar. Bato na porta e falo um pouco manço.
— Lizzy... — Digo o apelido que criei, para recorrer à ela quando quero alguma coisa. — Me deixa entrar...?
— Não! — Ela grita lá de dentro.
— Vamos... Você sabe que eu não fiz por m*l.
— Nem por bem! Era para você ser minha amiga, não meu pai! Eu nem tenho pai!
— Nem eu, mas achei que estava te ajudando.
— Nunca mais faça isso!
— Só se você parar de gritar.
Ouço ela murmurar de dentro do quarto, mas nada que eu entenda.
Espero mais um tempinho, mas fica tudo quieto, e ela nem abre a porta. Dou um suspiro alto e dramático o suficiente para que ela ouça, mas a deixo em paz e vou para meu quarto.
Vou até o espelho de corpo inteiro, que está preso na parede, e me olho. Olho por dois minutos e penso: tenho que cortar o cabelo. Definitivamente tenho que cortar meu cabelo. Bem no ombro. Isso!
Pego minha bolsa num canto do quarto e dou uma olhada dentro. Minha mesada tá acabando, mas dá para pagar o corte e não passar fome na faculdade. Penduro a bolsa transversal em mim e vou até o quarto de Elizabeth.
Bato na porta.
— Elizabeth, vou no salão. — Ela não diz nada, então continuo. — Quer ir comigo?
Ouço ela bufar, logo depois ela abre a porta e me encara com sua melhor cara de tédio.
— O que você vai fazer no salão agora? Tem hora marcada, por acaso?
— Não, mas vou tentar a sorte. Quero cortar meu cabelo, por isso vou lá.
— Assim, do nada? Você por acaso pediu à mamãe?
— Não, e tô nem aí se ela não gostar. Cansei desse cabelo gigante.
— Nem é tão gigante assim, está no meio das costas.
Reviro os olhos e cruzo os braços, já cansada dessa conversa, que parece mais um interrogatório.
— Você vai ou não?
— Vou. Mas só porquê não tô afim de ficar em casa.
Ela fecha a porta de seu quarto e já vai seguindo para a escada. Vou com ela e descemos juntas para o primeiro andar. Passamos pela sala e então saímos do triplex. Elizabeth chama o elevador enquanto fecho a porta. Quando o elevador chega, entramos e descemos para o térreo.
Passamos pela portaria e vamos para a rua logo depois de cumprimentar o porteiro, seu Diogo. Andamos pela calçada em silêncio, o salão fica bem perto de nosso prédio, na esquina da rua, então chegamos rapidinho.
— Ei, Layla! — Cumprimento a jovem recepcionista n***a e magérrima. — Quero cortar meu cabelo, tem como me encaixar agora?
— E eu quero fazer hidratação. — Eliza se mete.
Olho para minha irmã, a repreendendo com o olhar, mas ela sinaliza que vai pagar.
Menos m*l!
— Vocês chegaram bem na hora. — Layla comenta, olhando na agenda dos cabelereiros. — O George pode fazer o seu corte, Aurora. E o Olegar pode fazer a Hidratação da pequena Elizabeth.
— Ótimo! — Sorrio triunfante, por ter conseguido uma vaga em cima da hora nesse salão super badalado.
Layla faz um gesto para que sigamos ela até a área do salão onde ficam os cabelereiros. Está cheio de gente, entre profissionais e clientes, e também tem o som h******l dos secadores.
Eu e minha irmã nos sentamos uma ao lado da outra, e em questão de um minuto dois homens aparecem, nem perdem tempo e já começam a mexer em nossos cabelos.
— Oi fofa, sou o George! — O homen que cuidará do meu cabelo diz, depois de mexer bastante nele. — O que você quer?
— Quero um corte reto, no ombro.
— Tipo podrinho? — Ele pergunta, distraído com os pentes e tesouras.
— Podrinho... Ah! Sim, podrinho! — Por um segundo me esqueço do nome do corte.
— Tudo bem! — Ele sorri para mim, me passando confiança. — Você vai ter uma grande transformação, e vai ficar mais linda do que já é.
Sorrio e balanço a cabeça, tentando acreditar fortemente em cada gota de suas palavras.
Peço para que vire a cadeira, e só vire de volta para o espelho quando terminar o trabalho, e assim o faz.
Quando me olho no espelho, com meus cabelos batendo nos ombros e uma franjinha que não pedi, mas que ficou incrível, eu choro. George acha que odiei, mas soluçando, o explico.
— Estou me sentindo tão linda... — Sorrio, ainda soluçando e fungando. — Eu sempre gostei de mudar meu estilo de roupa, mas mudar o cabelo só ficava na vontade. E agora...
Sinto outro soluço e continuo chorando.
Minha irmã aparece do nada, com uma toca na cabeça, e uma toalha preta nos ombros.
— O que foi, Aura?
— Tem tempo que não me sinto feliz assim, Eliza. Parece que a cada dia eu encontro uma nova forma de me amar, e agora... — Fungo. — Está sendo a melhor de todas.