Querida irmã
Faz cinco meses que nos separaram. Eu prometi que escreveria para você sempre que eu pudesse e fiz isso desde que cheguei aqui. Não queria ter te deixado sozinha com eles, mas eles me agarraram.
Antônio é muito maior do que eu, mas eu juro que lutei contra ele! Na primeira semana, não pude escrever, pois ainda sentia muita dor. Ele quebrou meu braço, mas eu não chorei como ele queria!
Já estou bem melhor, aqui no colégio interno tem médico para cuidar dos alunos. No fundo, é até bom, melhor do que estar aí com eles.
Queria que você estivesse aqui comigo, mas o diretor falou que só meninos podem ficar nesse lugar. Acho que vou ficar pançudo, eles servem três refeições por dia e um copo de leite morno antes de dormir.
Espero que esteja se alimentando direito, mamãe sempre reclamou que você não gostava de comer...
Quando o inspetor me entregou sua carta, fiquei muito feliz, pois temia que tivesse me esquecido. Se você me escreveu antes, como diz nesta carta, significa que a bruxa da Lúcia deve ter jogado as cartas fora, pois nunca recebi nenhuma!
Você foi muito esperta em mandar essa pelo correio você mesma. Espero que isso não tenha causado problemas. Tive uma ideia: vou mandar essa carta que estou escrevendo agora para a casa do Ti, aí você esconde em um lugar secreto para que eles não vejam, e quando quiser escrever para mim, faça isso bem longe deles.
Eles nunca vão conseguir me separar de você! Ninguém vai! Você é a única irmã que tenho e prometo que sempre vou cuidar de você!
Quando crescer, vou te buscar. Vou juntar dinheiro para gente poder ter nossa própria casa, sem que eles entrem nunca!
Vou ficar bem forte para que ninguém machuque você!
Espere por mim, querida irmã!
Bruno.
***************
Bruno dobrou a carta com cuidado e a colocou dentro do envelope. Passou cola em toda a a******a, para ter certeza de que ninguém a leria sem ser notado. Ele confiava em Tiago, e Dona Marilza sempre o tratou bem, mas não queria arriscar que seu plano para manter contato com a irmã fosse descoberto pela c***l tia Lúcia.
Um dos inspetores se aproximou com uma cesta na mão, para recolher as cartas escritas pelos internos, e saiu sem dizer nada. Bruno sabia que eles a despachariam pelo correio e naquela noite foi dormir aliviado e esperançoso. Sorriu ao lembrar de sua pequena irmã, de como ela, apesar de tão pequena, sempre se preocupou com ele, cuidando dele como se ele que fosse o caçula.
Bruno se lembrava dos pais saindo todos os dias bem cedo pela manhã para trabalhar na fábrica de sabão, do outro lado da cidade. Quando Bruno acordava, os pais já haviam saído, mas sua mãe deixava duas fatias de pão e dois copos de leite sobre a mesa. Bruno se arrumava para ir para a escola e, antes de sair, acordava a irmã, para que ela tomasse café da manhã antes de ele partir. Ele, então, lembrava Júlia de que não devia deixar a porta aberta e que não saísse sozinha para a rua.
Quando chegava a hora de sair da escola, diferente de seus colegas que brincavam pela rua, Bruno corria direto para casa para cuidar da irmã. Ele a alimentava com o que encontrava nas panelas, que algumas vezes estavam vazias... Depois fazia os deveres de casa ao lado dela e ensinava a ela um pouco de tudo que havia aprendido.
Ainda que bem mais nova, Júlia era esperta e aprendia rápido, Bruno inflava o peito de orgulho da irmã.
À noite, os pais chegavam e sua mãe corria para o fogão e preparava uma sopa rala de legumes, um pouco de pão e leite para o dia seguinte. Depois de jantarem, seus pais os levavam para o quarto e a mãe contava histórias fascinantes sobre mundos distantes e encantados, onde o final era sempre feliz...
*****************