Capítulo 4

2672 Words
O quarto decorado de rosa com várias flores na parede era exatamente do jeito que a criança de cabelos negros, sentada no chão brincando com seus brinquedos, desejou ter. Ela tinha colocado os seus ursos de pelúcia sentados à sua frente, enquanto desenhava em seu caderno o que deveria ser o retrato deles. Essa era a forma que a criança havia encontrado para não dormir até seus pais voltarem de viagem de campanha de Janet, já que eles tinham prometido que leriam para ela quando chegassem. Está terminando o desenho quando alguém abre a porta abruptamente, fazendo a menina olhar para a porta, assustada. Era seu avô materno, Phillip Douglas Edward Henry Campbell, que havia entrado e agora abraça a neta aos prantos. — Sinto muito, Ashley... Sinto muito – murmurou o senhor de setenta anos no ouvido da criança que estava com os olhos arregalados sem conseguir entender o que se passava. — Eles se foram... Ela olha para suas paredes rosa e percebe que estão rachando até o teto , a criança se afasta do abraço do avô e caminha para trás , assustada pela forma como seu quarto começou a ficar escuro . Seu avô tinha desaparecido e as paredes começaram a cair , mostrando uma floresta escura , com árvores mortas por todos os cantos. Seu vestido , antes era rosa , agora preto bem como seus sapatos. Ela sente medo por não saber onde está e muito mais por estar sozinha no meio daquele lugar assustador. A menina vê um corvo sentar em uma das árvores. Ele a encara de volta e grasna para Ashley que corre desesperadamente. A criança sente as árvores a segurarem , forçando a ficar naquela floresta. Ela começa a gritar, mas sua voz não sai alto o suficiente. Uma das árvores , a mais escura e assustadora, a segura pelos ombros e a balança. — Não fuja, Ashley. Uma Campbell tem de encarar a realidade – afirma a árvore carregando Ashley para o sentido oposto ao qual ela corria — Começando por agora. Ashley é empurrada para frente , ali estavam dois caixões grandes de madeira e no meio deles , a foto de seus pais. Ela olha para a árvore que agora lembra sua avó. Não consegue conter as lágrimas que caíam de seus olhos. — Seja forte – pede o vento , a fazendo olhar para trás. Percebe que não está mais no velório e sim na sala de estar de sua casa. Ali estão seus padrinhos: Flávio e Beatriz. — Seja forte –  repete sua madrinha segurando em sua mão — Eu sei que não irá compreender agora o motivo pelo qual não poderá ir conosco, mas não esqueça que isso não é da nossa vontade. — Isso é muito além do que nós podemos fazer por você – admite Flávio ajoelhado tocando nos cabelos da menina — Eu sinto muito... Não se esqueça de nós.             — Ashley – chama o menino de cabelos e olhos castanhos, parado ao seu lado. Ele segura em sua mão, o que lhe dá uma sensação de paz — Eu nunca esquecerei você... Ashley observa a imagem do menino desaparecer aos poucos, a deixando nervosa. Conforme a sua respiração fica ofegante , nota que de sua boca sai fumaça. Ela olha para suas mãos que agora estão com luvas azuis e seu rosto está gelado. Então percebe que a neve caía impiedosamente , quase a impedindo de enxergar para onde estava indo com a árvore. Então elas param em frente a um portão gigantesco , de onde surge uma enorme mulher com roupas que pareciam um uniforme . Ela segura no ombro da criança e a conduz para dentro. —Acha que toleramos rebeldes em nossa escola? – questiona a mulher irritada , encarando Ashley que nota a mudança repentina de ambiente novamente. Agora ela está em uma grande sala vazia com uma lareira ao fundo. Veste roupas com o emblema da escola , mas não consegue lembrar como tinha ido parar ali. A mulher segura a mão de Ashley que tenta se soltar. Com uma das mãos tira uma régua grossa e com espinhos na ponta. — Você vai ter o que merece por ser insolente. – alega a mulher levantando a régua no alto e então desce com a régua com toda a força em direção às mãos de Ashley. —Não! – grita Ashley. Ela  se levanta sobressaltada e então segura sua mão para ver se havia machucado com a palmatória. Então percebe que tinha sido apenas mais um de seus pesadelos. Ashley olha para o lado e percebe que está de volta em seu quarto . Ela se levanta da cama e vai ao banheiro , onde lava seu rosto. Encara o espelho e vê uma jovem loira pálida , assustada , com o rosto molhado. — Não sou mais uma criança , não sou mais uma criança , não sou mais uma criança – repete Ashley baixinho , enquanto olha para suas mãos tremendo — Foco Ashley , foco. Você é uma adulta agora. Ela fica mais alguns minutos no banheiro tentando se acalmar e então volta para o quarto , onde deita na cama e passa o resto da noite em claro pensando que tipo de proposta  Ludwig seria capaz de fazer. **** Darwin vai até a cozinha , onde Ashley está sentada mexendo em seu computador. Ajeita sua blusa social branca e a calça preta , ao notar a presença de seu noivo. Tinha ido cedo para casa de seu noivo,pois  assim teria tempo o suficiente para terminar a apresentação do plano de negócios que havia bolado para a primeira entrevista de emprego que não rolou. Ele se aproxima , lhe dá um beijo no topo da cabeça que está com um coque alto e senta na cadeira oposta a da noiva. Pega seu jornal e lê as notícias enquanto a empregada serve seu café. O silêncio se mantém durante alguns minutos até que Ashley encara o noivo e comenta: — Não consegui dormir essa noite. — A menos que tenha ficado acordada revisando seu plano , não consigo entender o motivo pelo qual você não conseguiria dormir – alega Darwin sem olhar para a noiva. — Não sei ... talvez tenha sido a pressão por conta dos preparativos para o casamento , o andamento da sua campanha ,  essa nova oportunidade de entrevista com Ludwig... o que importa é que eu tive aquele pesadelo novamente. Darwin ajeita o jornal meticulosamente sobre a mesa, encarando a noiva. Ele coloca suas mãos entrelaçadas sob seu queixo. — Não entendo o motivo pelo qual as mulheres ficam tão nervosas por qualquer coisa. Os preparativos para o casamento  estão bem encaminhados e a pleno vapor, graças a wedding planner e também a minha mãe. Quanto a minha campanha, eu e a May já estamos lidando muito bem com os empecilhos que surgiram. Quanto à entrevista com o Ludwig... está marcada para que horas? — Meio dia. Porém ... – responde Ashley , com receio. Logo em seguida conta tudo a respeito da ligação — E a minha cabeça fica martelando pensando qual será essa proposta que ele tem para me fazer. — Meu bem, não há o que pensar. Quando um homem igual ao Ludwig se dispõe a falar com uma pessoa , ela deve até m***r por ele. Eu o faria, se fosse comigo. — Porém, você não percebe o quão isso tudo parece muito estranho? – pergunta Ashley , nervosa — Ontem eu fui dispensada sem a menor cerimônia e hoje... Ele irá me entrevistar. Tem alguma coisa errada nisso, eu sinto... — Ashley , querida Ashley – Darwin segurando a mão da noiva. Ele a beija e continua esfregando — Não esqueça que me prometeu não me decepcionar. E isso o que está fazendo é me decepcionar. — De qualquer forma, dependendo da proposta, eu precisarei pensar antes de dar uma resposta para ele. – afirma Ashley, dando com os ombros. — Uma resposta afirmativa... eu espero – reforça Darwin. Ele solta a mão da noiva — Com certeza seu pesadelo é por conta de sua dúvida. Você está atraindo coisas negativas ao ficar pensando se faz isso ou não.Pense positivo, tenho certeza que aceitar a proposta a fará não ter mais pesadelos. Aceitar a proposta é algo positivo até para o nosso relacionamento. — Você está certo. – conclui Ashley, convencida. — Ele está me dando uma segunda chance, talvez tenha visto que eu tenho talento a oferecer. — Ótimo – exclama Darwin , satisfeito. Ele se ajeita na mesa e então —  A respeito da prova trajes, não poderei comparecer. — Por que você não poderá ir? – questiona Ashley, curiosa. Ela tinha revisto a agenda de compromissos e não havia nada marcado para aquele horário. —Tenho umas entrevistas especiais hoje que a May marcou com alguns membros da Câmara. Todavia, a minha mãe estará lá com você, inclusive ela me disse já tem os modelos que seriam ideais para o seu corpo. Sem contar que a Charlotte também estará lá e as duas são aptas a escolher o meu traje e o seu vestido. — Bom , acho que posso escolher os trajes que nos agrade –   argumenta Ashley sorrindo — Tenho certeza que hei de acertar na escolha. — Prefiro não arriscar, pois não quero minha esposa sendo retratada como m*l vestida um dia após o casamento. Além disso , acredito que a Rainha irá ao nosso casamento , então precisamos de algo simples , mas imponente. — A rainha irá ao nosso casamento? – pergunta Ashley, surpresa — Por que ela faria isso? — Porque é o casamento do próximo Lord Speaker e a minha mãe sabe ser bem persuasiva quando quer. –  responde Darwin com um ar egocêntrico. — Isso é incrível! – exclama Ashley feliz ao mesmo tempo em que erguia os braços em direção ao noivo. — Por conta disso não podemos vacilar. – comenta Darwin ignorando o gesto da noiva. — Você está certo. Não quero que a rainha acabe me vendo com maus olhos – comenta Ashley tomando o suco — Só terei um problema com a minha avó. Ela insiste que eu use o vestido de noiva da família Campbell no dia do casamento. — A minha mãe acredita que você deveria usar o vestido dos Beaufort, como prova de que está entrando para família de corpo e alma – contrapõe Darwin — Porém, quero mostrar aos meus súditos que buscamos sempre mudanças... controladas , mas ainda assim mudanças. Então, é muito importante que o vestido mostre isso a respeito de mim... De nós. Entendeu? — Entendi – afirma Ashley se aproximando do noivo. Ela toca nos fios acobreados de Darwin que se mantém sério terminando seu café da manhã — Você , como sempre, pensando em tudo e em todos. —Alguém precisa fazer isso, não é mesmo? Agora eu preciso ir para a Câmara. – alega Darwin se levantando. Ele pega seu paletó , o veste e então dá um beijo rápido na testa de Ashley que o encara surpresa enquanto seu noivo caminha em direção a saída. Ele se vira brevemente e então diz — Não nos decepcione. ****  Ludwig Hofstadter é um senhor de bigode branco que lembra aqueles apresentadores de circo de 1950, ainda mais com aquele terno quadriculado de azul e branco. Ele encara Ashley que durante trinta minutos fez de tudo para compensar a falha cometida no dia anterior, pois aquela é a única chance de mostrar para ele o seu real valor. — ...Então o que eu observo na L&D é que o potencial para novos projetos está baixo – continua a jovem. Ela arruma seus cabelos platinados e mostra mais um dos gráficos que levou para a reunião — Como pode ver, a produção de novos projetos está baixa se comparada aos demais concorrentes. Eu tenho um plano de negócios que acredito que fará uma grande diferença na empresa e a impulsiona para ficar pelo menos entre as três principais do Reino Unido. O dono da L&D toca em sua barba como se estivesse pensando em tudo o que Ashley lhe havia dito. Ela pega sua pasta e procura o plano de negócios. É o seu trunfo para entrar na empresa e finalmente daria a chance de agregar valor ao relacionamento. Ela começa a ficar nervosa , pois aparentemente o plano de negócios não está onde ela jura ter colocado. Ela olha para Ludwig e lhe oferece um sorriso amarelo , enquanto suas mãos varrem toda a pasta à procura do plano de negócios , desesperadamente. — Bom... eu achei interessante tudo o que tinha a dizer – comenta Ludwig encarando Ashley com seus olhos azuis gélidos — Porém , não é o que eu procuro em você. — Eu tenho certeza que mudará de ideia quando ler o plano de negócios –  argumenta Ashley , tentando convencê-lo. Sabe que a situação tinha se complicado e que não encontrar o plano seria pior ainda. — Ele é perfeito. — A questão é que eu não tenho interesse algum em ler. – confessa Ludwig secamente — Talvez quando estiver inserida na empresa , mas no momento , esse não é o objetivo desse almoço . — Desculpe-me –  pede Ashley, parando de mexer em sua pasta. Ela se ajeita na mesa e o encara, confusa. — Eu não estou entendendo, então qual seria o propósito desse encontro , se não é a entrevista que eu perdi ontem? —Apesar de eu considerar ser uma falta grave... Essa nunca foi a proposta para lhe dar uma segunda chance. –  responde Ludwig, enigmático — Preciso fazer algumas perguntas para saber se é a pessoa ideal que fará parte da minha equipe. Aceita? — Tudo bem. –  responde Ashley, confiante. Ela treinou a noite inteira com o espelho todas as perguntas que poderiam ser feitas para o cargo e sente que está preparada para tudo o que viesse da boca daquele senhor. — Quanto tempo de lua de mel você e o Darwin pretendem ter? — O menor tempo possível , já que o casamento coincidirá com a posse dele ao cargo de Lord Speaker. Porém, como isso influencia na vaga? – responde Ashley já disparando outra pergunta. — Eu preciso saber por quanto tempo ficarei sem um diretor Geral, já que você estará de lua de mel. — Diretora geral? – pergunta Ashley, perplexa. É muito mais do que o cargo ao qual estava concorrendo.             — Sim – afirma Ludwig tranquilamente. — Assim que regressar da sua lua de mel, esse cargo será seu. — Isso tudo é muito tentador, senhor Hofstadter – admite Ashley encostando na cadeira, estarrecida — Mas eu não sei... não sei como... — Agradecer? Bom, deixarei que agradeça quem realmente merece, no caso  a Duquesa Clementine de Beaufort.– revela o velho se levantando. Ele a encara mais uma vez — Sabe, minha jovem, poucas pessoas são capazes de me acordar de madrugada para falar de possíveis candidatos e fazer com que eu reveja minha posição diante deles. Então, a única coisa que espero é que a senhora retribua à altura. — Claro, o senhor não irá se decepcionar – responde Ashley arrumando suas coisas , nervosa. — Assim espero ,My Lady – finaliza o senhor inclinando levemente em direção a Ashley que retribui. Ludwig sai do restaurante acompanhado por seus seguranças , enquanto Ashley fica sentada tentando processar toda aquela conversa. Sabe que uma parte dela deseja recusar a proposta que ficou bem claro que não foi por mérito próprio. Porém, se aceitar a proposta da L&D terá tudo o que deseja, que seu noivo e  sua avó se orgulhem dela, mesmo que não seja conquista apenas sua. Só que o que mais a perturba é o fato da duquesa de Beaufort estar diretamente envolvida nisso e quem a conhece sabe que os seus favores possuem um preço alto a se pagar.
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