Prólogo
O sol está radiante, o céu azul com poucas nuvens brancas, a grama em verde vivo assim como as enormes árvores, aquele dia parece que saiu de uma pintura. Embaixo da maior árvore, três mulheres conversam animadas, sentadas em uma mesa redonda, enquanto observam seus filhos brincando de caça ao tesouro elaborado por elas.
A menina de cabelos ruivos até a cintura de seis anos corre para debaixo da mesa fazendo as mulheres rirem, enquanto o menino de cabelos castanhos de onze anos vai em direção às grandiosas árvores do jardim da família Wilkinson.
A menina de cabelos negros soltos de sete anos fica parada no mesmo lugar, não consegue decidir onde procurar o tesouro. Falta pouco para terminar o tempo, então o menino de cabelos castanhos, segura sua mão e a leva junto em direção as árvores.
A ruiva não encontra nada, então corre em direção aos outros dois amigos que seguem suas buscas pelas árvores. Em poucos minutos, o menino encontra uma caixa embalada em papel dourado, o qual rasga mostrando ser uma caixa de bombons. Ele sorri erguendo a caixa em direção as meninas que se aproximam, a que tem seis anos está triste enquanto a de cabelos pretos sorri, comemorando com o menino:
— Parabéns, Murilo!
— Obrigado, Ashley – agradece Murilo à menina de cabelos pretos.
— Não vale – discorda a ruivinha, indignada — Você conhece esse lugar de olhos fechados.
— Você vem sempre aqui, Sofia – rebate Murilo — Mas eu concordo, foi injusto... Com a Ashley.
— Não se preocupe Murilo – responde Ashley sorrindo — Eu me diverti bastante, isso é o que importa.
— Mas o objetivo era encontrar a caixa de bombons – retruca Sofia, emburrada— coisa que só o Murilo iria encontrar.
— Mas não seja por isso – diz Murilo abrindo a caixa de bombons — Vamos repartir os bombons.
As meninas sorriem e pegam os bombons que mais gostam da caixa, deixando alguns para Murilo.
— Obrigada, Murilo – agradece Ashley. — Você é um bom amigo.
— De nada, Ashley. – responde Murilo, tímido.
— Você é um amor – elogia Sofia beijando a bochecha do menino, rapidamente.
— De nada, Sofia – responde Murilo, sem jeito. — O que importa é sermos todos amigos. Prometem que seremos amigos para sempre?
— Claro que sim – responde Sofia, rapidamente.
— Sim, nós seremos amigos para sempre – responde Ashley sorrindo para os dois amigos.
— Melhores amigos – corrige Sofia.
— Melhores amigos – confirma Ashley.
— Mas tem que ser promessa de dedinho – propõe Murilo erguendo seu dedo mindinho em direção às meninas.
Eles apertam os dedinhos entre si, selando o pacto de amizade.
— Sofia – chama Sônia, a mãe da menina de cabelos cor de fogo — Hora do lanche.
— Ashley! – chama Janet para sua filha de cabelos pretos, bem diferentes dos da mãe que são loiros.
— Murilo, a brincadeira acabou, venha! – chama Beatriz Gouvêa Wilkinson, mãe de Murilo e dona da casa, olhando para as árvores.
Não demora muito, e os três aparecem. Sofia corre na frente com seus bombons nas mãos, triunfante. Logo atrás, Murilo aparece com sua caixa de bombons quase vazia. Ashley vem logo atrás também com os seus bombons, mas acaba se desequilibrando e derrubando os seus. O menino para imediatamente e ajuda a menina com os bombons. Coloca todos em sua caixa e a entrega para Ashley que a segura. Eles caminham em direção à Beatriz, calmamente. Murilo encara Ashley, parece estar encantado com a menina dos cabelos negros.
"A história se repete"... pensa Beatriz sorrindo.
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Ashley encara “La tricoteuse” de Adolphe Bouguereau, que mais parecia um espelho que de fato uma pintura. A menina do quadro demonstra ter a mesma idade, os cabelos no mesmo tom e tamanho, bem como a meiguice e a delicadeza. As únicas coisas que as diferenciavam eram a roupa e o momento: A menina real usava um vestido preto, bem diferente dos tons claros da pintura. Com relação ao momento, a pintura retrata um dia de primavera, enquanto na realidade era inverno em Londres e também no coração de Ashley que acabara de perder seus pais. Ela continua observando o rosto na pintura enquanto se pergunta se aquela menina também era órfã, assim como é agora. Será que ela passou pela mesma espera em um tribunal de justiça, onde estão decidindo como será a partir de agora?
— Precisamos de um copo de vidro – comenta Murilo, chamando atenção de Ashley que o encarou curiosa.
— Por que nós precisamos de um copo de vidro, Murilo? – questiona Ashley.
— Eu li em algum lugar que se colocar um copo contra a parede, ajuda a escutar o que eles estão falando. Podemos testar isso. – responde o menino. Ele se levanta da cadeira de madeira maciça e começa a andar em direção a mesa da recepcionista que ficou responsável por cuidar deles e avisa — Estamos com sede.
A recepcionista respira fundo e caminha pelo longo corredor. Em poucos minutos ela volta com dois copos d’água para as crianças. Eles bebem rapidamente até deixar os copos vazios e então esperam a recepcionista se distrair para colocar a idéia de Murilo em prática.
— Então, conseguiu escutar sobre qual é o assunto? – questiona Murilo encostando sua orelha ao máximo com o copo.
— Não – responde Ashley concentrada, buscando qualquer ruído que venha do outro lado.
Os dois ficam em silêncio “escutando” a parede e torcendo para que dê certo. Porém, antes que pudessem comprovar tal teoria, a enorme porta de madeira se abre, permitindo que as pessoas envolvidas pelo destino de Ashley saírem juntas. A senhora de cabelos com mechas grisalhas presos em um modesto coque encara a menina, séria, enquanto ajeita suas luvas pretas, dizendo:
— Ashley, vamos embora – ordena a senhora em inglês.
—Duquesa, vossa graça deve ao menos levar em conta o desejo pessoal de sua filha a respeito de nós, seus padrinhos – comenta o homem de cabelos loiros chamando a atenção da duquesa que o encara com desprezo.
—Your Grace,nós vimos que o desejo pessoal de minha filha não foi transcrito em seu testamento. – explica a duquesa com um leve sorriso.
— Bem como não consta que a guarda ficaria com a senhora, Your Grace – rebate, sério.
— Your Grace sabe que não há necessidade de tal formalidade diante dos laços sanguíneos. A menina perdeu os pais e os avôs paternos se foram antes mesmo de seu filho. Restou somente a mim e ao meu marido que está com a saúde debilitada por conta dos últimos acontecimentos.
— Peço que reconsidere, Your Grace...
— Reconsiderar? – questiona a duquesa irritada — Flávio, se alguém deveria reconsiderar aqui, é você.
— Eu? – questiona Flávio, surpreso.
— Sim, você. – afirma a senhora ajeitando seu casaco — Se você não tivesse encorajado minha filha a romperem o noivado de vocês, não estaríamos passando por nada disso. Porém – encara Beatriz que está abraçada ao Murilo observando a cena — Você escolheu e deve arcar com as consequências. Bem como, eu terei de arcar com as minhas por ter permitido que minha filha tenha se envolvido com aquele... Aquele... Plebeu! – esbraveja a mulher que deixa algumas lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Ela limpa rapidamente, retornando a postura autoritária e continua — De qualquer forma, saiba que não cometerei esse erro novamente. Vamos, Ashley, ou perderemos o avião para Lausanne.
— Lausanne, Suíça? – questiona Flávio, surpreso — Você a está mandando para um colégio interno na Suíça?
— Sim – confirma a duquesa — Ela terá a mesma educação que todo Campbell recebeu, inclusive minha pobre filha que parece ter se esquecido ao criar essa menina tão selvagem. Porém, isso será consertado com rigor e disciplina que somente Brillantmont pode oferecer.
— Ela só tem oito anos! – exclama Beatriz, indignada. Ela tenta abraçar a menina, mas é impedida pela majestosa senhora. — Você não tem esse direito!
— Pelo visto, Your Grace tomou para si uma mulher com intelecto incomparável ao da minha filha – alfineta a duquesa encarando Flávio. Ela se vira para Beatriz — Duquesa de Wilkinson, EU posso fazer o que EU quiser com a minha neta.
—Duquesa de Argyll, pode ao menos nos conceder uma despedida? – pede Flávio, cauteloso.
— Para mostrar que sou benevolente para com sua família, com a qual ainda tenho grande respeito e admiração, permito. – concorda a senhora soltando os ombros de Ashley que corre em direção a Beatriz que a abraça, ajoelhada. A duquesa revira os olhos — Peço que sejam breves, Your Grace.
—Como quiser, Your Grace – afirma Flávio.
— Seja forte –pede Beatriz segurando na mão da Ashley — Eu sei que não irá compreender agora o motivo pelo qual não poderá ir conosco, mas não esqueça que isso é contra nossa vontade.
— Isso é muito além do que nós podemos fazer por você. – admite Flávio ajoelhado e tocando nos cabelos da menina — Eu sinto muito por não conseguir cumprir com a promessa que fiz aos seus pais... Por favor, não se esqueça de nós. Nós a amamos, Ashley e faremos de tudo para que voltemos a nos ver e ficarmos todos juntos.
—Vocês já se despediram o suficiente – alega a duquesa puxando Ashley pelo braço.
A menina olha para trás vendo seus padrinhos abraçados e chorando. Sabe que aquela será a última visão que terá dos dois, então fecha os olhos bem fortes para gravá-la em sua mente para sempre. Sua avó espera impaciente o motorista abrir a porta do carro, pois não vê à hora de encerrar de vez aquele assunto.
— Ashley – chama Murilo correndo em sua direção. Ele segura na mão da menina, o que lhe dá uma sensação de paz — Eu nunca esquecerei você, prometo.
— Promessa de dedinho? – questiona Ashley erguendo o dedo mindinho.
— Promessa de dedinho – confirma Murilo tocando o dedo dela com o seu. Eles apertam o mais firme que conseguem enquanto tentam segurar as lágrimas
— Vamos – ordena a duquesa empurrando Ashley em direção a porta do carro.
A menina se esforça ao máximo para não soltar das mãos de Murilo, até não aguentar mais e acabar vendo a porta se fechar.
— Eu não esquecerei, eu não esquecerei, eu não esquecerei... – murmura Ashley que sobe no banco do veículo, enquanto observa a imagem do menino desaparecer conforme o veículo avança pela rua.