Tragédia

2996 Words
Lucas narrando 5 de maio de 2017 Eu estava na casa de Matheus com ele, esperando o pai dele chegar. Eu estava ensinando biologia para ele e depois ele ensinou história para mim. Sou péssimo nessa matéria, não decoro datas ou nomes, pra mim é difícil. Já ele tá se confundindo com as briófitas e pteridófitas. Matheus diz — Briófitas e pteridófitas. Parece nome de dinossauro, isso não tá entrando na minha cabeça. Eu digo — Se concentra, são dois tipos diferentes de plantas, não de répteis. Matheus ainda me olha com cara de dúvida e pra conseguir aprender penou muito. Acho que ele sabe explicar as coisas melhor que eu, tipo, ele se entusiasma quando vai explicar algum assunto de história ou de matemática. Estávamos falando sobre a pré-história e ele, entusiasmado, explicou tudo direitinho que dá gosto de aprender com ele. Matheus — Os primeiros assentamentos que se têm registro são datados de 10000 a.C. Foram os gatos e os cachorros os primeiros a deixar de serem nômades e também os primeiros a cultivar o trigo e domesticar outros animais como o gado. Na prática, eles são lobos ou felinos que evoluíram primeiro por cruzamentos e da mudança no modo de vida. Lucas — Interessante, então os cachorros são lobos e os gatos felinos. Matheus — Não exatamente, Lucas. Para essas duas espécies surgirem, houve cruzamentos entre certos grupos e alguma modificação genética e eles acabaram se afastando da árvore das duas espécies primárias, enquanto as outras espécies, nem tanto. Lucas — Interessante, tô começando a gostar de história. Matheus — Ah, e eu nem tanto de biologia, é muito nome e é tudo muito complexo. Fico me perguntando como o primeiro ser vivo surgiu ou como algumas espécies evoluíram e outras não. Lucas — Ah, você sabia que os felinos e caninos tinham um ancestral comum? Matheus — Não fazia ideia. Lucas — Os lobos foram mais para o norte e os felinos para as regiões mais quentes. Em algum momento, há milhões de anos, teve uma espécie que se dividiu em duas: uma deu origem aos felinos e a outra aos caninos. A propósito, você se considera qual dos dois? — Não faço ideia. Não quero falar sobre isso, meu pai não me aceita por causa disso — diz Matheus, triste. Eu disse que para mim, ele era um lobo. Eu pude perceber um brilho no olhar dele, acho que ser reconhecido como um lobo era tudo para ele. Mas alguém ia deduzir isso, o formato do rosto dele é diferente e até os olhos e cauda que parecem ser de lobo, tirando as manchas do corpo e os detalhes no pelo que é um pouco crespo e um pouco liso. Esse era um assunto frágil para ele, eu fiquei surpreso quando soube que o pai de Matheus era um lobo. Mas quanto a mãe dele ou algum outro parente distante, o Matheus não se parecia em nada com os pais, por mais que o pai dele diga que Matheus era seu filho. Eu até comentei o assunto com o Ryan e com meus pais e percebi que os lobos são mais afetivos com quem é parecido com eles. Será que essa regra se aplica aos meus pais ou a mim? Meus pais dizem brincando às vezes que seus netos serão lobos e que querem que eu me case com uma loba. Se eu fosse diferente deles, será que eles iam me aceitar do jeito que eu sou? Fico com pena do Matheus por isso e me sinto meio que culpado. Por isso me aproximei dele, também vejo ele como um irmão que nunca tive. Ele é quase isso, só noto que às vezes ele é fechado e não gosta de falar o que está sentindo. É meio possessivo e um pouco agressivo, mas fora isso ele é um ótimo amigo. Nunca tomou iniciativa e tipo, me abraçou, mas no fundo gosta de mim, eu percebo isso. Ele me disse, meio triste, que o pai namora uma loba e que ela está esperando uma criança. Ele ficou muito feliz por ter certeza que é um lobinho. Eu peço que mudemos de assunto porque isso só tá deixando ele triste. Matheus — Eu não consigo, eu tento parar de pensar nisso, mas os pensamentos voltam de novo. Matheus começa a chorar e falar — Eu tentava brincar com ele, mas ele não dava a mínima para mim. Mordia o rosto dele e ele rosnava, ele só rosnava. Lobos são carinhosos com seus filhos e ele nunca foi comigo, já a minha mãe me abandonou com ele e nunca mais voltou. Eu abraço Matheus e ele chorava que soluçava. Lucas — Vai ficar tudo bem, Matheus. — eu dizia para ele enquanto chorava. Matheus — Ele raramente saía comigo. Perguntavam para ele se era filho dele, e quando ele dizia que sim ninguém acreditava. Teve uma vez que ele disse que eu era um lobo e todos me olhavam estranho, até meus primos brincavam entre si e não me convidavam. Eu coloco uma almofada nas minhas pernas e aceno para que ele se deite nela, ele se deita e eu começo a acariciar o pelo dele, que era de uma textura diferente. Essa atitude seria reprovável, mas não tem ninguém vendo. Ele estava praguejando contra a família do pai dele e da mãe quando eu me aproximo dele e beijo ele na boca. Ele empurra meu focinho para o lado, acho que foi um reflexo dele, e me olha com aqueles olhos penetrantes dele. Eita, vou apanhar. — pensei, mas o que ele faz é morder de leve meu focinho. Eu começo a dar mordidas de leve no focinho dele e a fazer cócegas no pelo e bagunçá-lo todo. Ele gosta e começa a rir, e dizer: — haha, Lucas, para com isso, por favor. Tá fazendo cócegas. Enquanto eu fazia isso e ria, ele ria também. Eu comecei a chamar ele de lobão enquanto fazia as cócegas. Matheus estava com o r**o balançando e dizendo — Para Lucas. Tá me deixando com vergonha. Ele tentava se levantar do sofá enquanto eu puxava ele pela cauda, o trazendo de volta igual fiz com Ryan. Mas do nada ele fica meio agressivo e me morde, eu tomo um susto e ele pede desculpas. Nós continuamos a brincadeira, mas desta vez estávamos medindo forças no sofá. Ele consegue me pegar pelo pescoço e ficou deitado no sofá enquanto eu estava por cima dele, deitado de costas e tentando me libertar. Eu não conseguia, ele era muito forte. Matheus narrando Lucas e eu estávamos medindo força no sofá, mas eu era mais forte que ele. Eu consigo fazer uma chave de braço nele e deitar ele em cima de mim. Eu estava deitado no sofá, segurando com meus braços e com as duas pernas ao redor dele. Ele tentava sair, mas não conseguia. Lucas tem um pêlo quentinho, dava até pra sentir a respiração pesada dele e os batimentos cardíacos. Ele tentava se libertar de todas as maneiras, mas não conseguia. Ele até tentou morder meu rosto e eu dei uma leve mordida no dele. Ele pedia que eu soltasse ele, mas eu estava gostando e dizia: — Ainda não Luquinhas, você é meu, todo meu — eu dizia isso mostrando os dentes e forçando uma risada maléfica. Era engraçado ver Lucas tentando se libertar e não conseguindo, ele estava fazendo aquela carinha de coitadinho e estava lambendo meu rosto e balançando a cauda. Que fofo aquilo, eu liberto ele e ele tá com o pelo todo bagunçado e ainda diz: — Você é forte, hein? Eu olho o relógio e vejo que são três horas. Eu pergunto a ele se ele está com fome e ele diz que sim. Eu resolvo ir preparar algo para comermos e enquanto eu colocava o queijo e a mortadela no pão, Lucas aparece de repente atrás de mim e me dá um abraço bem apertado. Eu digo — Lucas, você tá me apertando, para com isso. — ele para de me apertar e fica olhando eu preparar os sanduíches para nós. Eu digo a ele para esquecer o Ryan porque eu sou o melhor amigo dele e ele meio que fica sem reação, pensativo. Enquanto eu colocava a sanduicheira na tomada e colocava os cafés nas xícaras, Lucas vem por trás de novo, me dá outro abraço e lambe meu rosto. Eu fico sem jeito, os lobos fazem isso quando gostam muito de alguém e eu nunca recebi isso de meu pai e ainda mais de outro homem. Eu abraço ele também e chamo ele de lobinho, e ele me chama de lobão diferenciado. Eu dou risada e tiro os dois pães da sanduicheira, fico com um e dou o outro para ele. Depois que comemos, ficamos a tarde toda abraçados assistindo TV. Meu pai estava demorando muito e já eram sete horas, Lucas poderia ficar comigo porque meu pai simpatizou com ele por ele ser lobo. Quando dá sete e meia, Lucas diz que tem que ir porque a mãe já deve tá preocupada com ele. Nos despedimos com mais um abraço e ele deixou a minha casa, enquanto ele a deixava fico na porta observando ele desaparecer no horizonte. Narra Lucas O pai de Matheus estava demorando muito naquele dia. Já ia dar oito horas e resolvi voltar para casa porque minha mãe devia estar preocupada. Eu recolho minhas coisas e me despeço de Matheus com mais um abraço. — Até, lobão — digo baixinho. — Até, Luquinhas — ele diz com um sorriso. A rua estava meio deserta neste horário e tinha dado algum pane no sistema que algumas ruas estavam escuras. Eu continuei caminhando em direção à minha casa. Narrador narrando Lucas caminhava tranquilamente, sem ter noção que uma tragédia estava para acontecer. Narra Lucas Eu continuo caminhando quando vejo um cachorro sentado na calçada, olhando para o meio fio e para cima, que estava rindo descontroladamente. Ele ria igual um doido dizendo que estava perdido e que iria morrer. Eu vejo um cigarro apagado que estava no chão, não tinha ninguém na rua e a rua estava meio escura. Eu diminuo o passo, olho para a cena e começo a rir também, quando para o meu espanto um carro todo preto aparece em alta velocidade quase me atropelando, e para na frente do cachorro. De dentro dele, saem uns lobos mascarados levando o cachorro para dentro do carro. Eu tento correr e sou logo alcançado por alguém que me pega pela camisa e aponta um revólver para minha cabeça, dizendo que se eu der um pio uma bala iria atravessar minha cabeça. Nesta hora, fico sem palavras e começo a chorar. — Leva ele pro carro. — um lobo diz e eu sou arrastado para dentro do mesmo pelo lobo. O cachorro é colocado no porta malas, enquanto eu sou arrastado pra dentro do carro e fico na parte de trás, no meio de dois lobos fortemente armados. Havia um lobo dirigindo e outro na frente que parecia ser o líder deles. Conheço aquele lobo de algum lugar — pensei. O carro partiu em alta velocidade para um lugar distante, eu chorava abafado, perguntando para onde estavam me levando e dizendo que só queria voltar para casa, que não tinha visto nada e que era inocente. Os três lobos começaram a sorrir pra mim. — Tarde demais, garoto, você viu demais. — dizia o lobo que estava dirigindo. — Por favor! — eu gritava — Eu não quero morrer, moço! — eu gritava e eles nem se importavam. Enquanto o cara na mala ficava rindo loucamente, eu chorava, esperneava e dizia que era um lobo igual a eles. Já eles nem se importavam, apenas riam, menos o lobo que parecia ser o líder. Estávamos nos afastando de meu bairro e indo na direção de uma favela e perto desta favela tinha uma estrada de areia. Imaginei o pior: iam me torturar, tirar meus órgãos e vender. Eu chorava sem parar, até que o carro parou no meio de uma clareira na mata. Havia outros lobos lá, fomos tirados do carro eu e o cachorro no porta-malas. Quando tentaram me tirar, eu me agarrei na porta do carro chorando e dizendo que não queria morrer. Os lobos estavam armados e um deles apontou o revólver na minha cabeça, ele fez eu largar a porta e caminhar para perto de uma cova que havia sido cavada. Eu olho para os lobos e reconheço que um deles é o pai de Matheus. Eu começo a chorar e pedir pra ele me ajudar, mas ele fica frio e sem dizer uma palavra. Eu fui posicionado perto de uns cinco outros animais, na qual duas eram hienas, o cachorro que havia visto, uma gata e uma raposa. Os lobos começaram a preparar seus revólveres para atirar, enquanto eu gritava, dizendo que não queria morrer. — Essa aqui tentou enganar a gente! — dizia um dos lobos sobre a raposa. Eu só escutei ela gritando “por favor, não!” e uma bala atravessou sua cabeça, ela caiu morta na cova e um dos lobos começou a jogar areia em cima. O cachorro foi logo jogado na cova e um lobo só atirou lá dentro. Um lobo atirou em uma hiena. Eu comecei a gritar que não queria morrer na mesma hora que a gata avança na cara de um lobo e uma hiena corre. No meio da confusão, eu corri para dentro do mato enquanto um lobo me perseguia. Enquanto eu corria feito um doido no meio da mata, eu escutei uma troca de tiros atrás de mim. Eu continuo correndo e chorando, quando percebo na minha frente uma estrada de terra. Entro nesta estrada e vejo que estou perdido, eu começo a ficar desesperado sem saber para onde ir quando vejo várias luzes de casas ao longe e eu resolvo correr naquela direção, quando vejo que uma hiena está correndo atrás de mim, aquela hiena que havia fugido. Eu vejo também um carro vindo e começar a atirar na nossa direção, a hiena levou um tiro na coxa e ainda tentou correr. Ela gritava muito de dor enquanto o carro se aproximava. Eu continuei correndo e vejo uma moita, eu entro dentro dela enquanto via a hiena de longe. Ela dizia — Pelo amor de deus, eu não quero morrer!! Eu p**o o que tô devendo, me dá mais uma chance!! — enquanto os lobos se aproximam, eu tomo um susto. Aquele lobo que se aproximava era o pai do Matheus, ele estava com um revólver na mão e estava usando uma luva. Ele falou sorrindo — Você já teve a sua chance. — e deu outro tiro na coxa enquanto a hiena gritava de dor. E então deu um tiro na cabeça e a hiena caiu morta, depois uns dois lobos colocaram ela em um saco e se prepararam para despachar o corpo. — Ele não deve ter ido muito longe — disse um dos lobos. — Deve estar por perto, espera, acho que tô sentindo o cheiro dele — diz o pai de Matheus. Antes que pudessem vir na minha direção, eu comecei a correr a mil e me aproximo das casas. Eu entro por um beco estreito que dá em uma rua, desesperado e pedindo por ajuda. E por algum motivo, todos me encaravam com ódio, ninguém parecia querer me ajudar. Dava para notar que a maioria dos animais ali tinha parentesco com hiena, era hiena ou pelo menos metade hiena. Eu continuo correndo quando entro em uma rua com uma gangue de hienas. Eles estavam com cordões enormes ao redor do pescoço, bonés e com um rádio no chão tocando umas músicas sem sentido. Eu nunca tinha visto hienas como aquelas. Matheus e as outras duas hienas do colégio não seriam páreos para elas. Eles me encaravam com muito ódio e um disse — Olha, um lobo, vamos meter p*****a nele! — disse a outra hiena. Eles estavam com paus na mão e começaram a correr na minha direção. Eu comecei a correr pelo caminho que havia feito — Eu vou morrer! — eu pensava, quando o carro preto aparece atrás de mim e os lobos saem de dentro dele. Eu estava encurralado entre as hienas e os lobos, e dava pra escutar os dois me perseguindo. Enquanto corria, eu entro pelo mesmo beco e corro na direção da floresta, quando escuto alguém gritando — Parado, Lucas! Era Leonardo, o pai do Matheus, apontando um revólver na minha direção. — Mãos para cima, Lucas e me acompanhe. Eu estava tremendo de medo e coloco as mãos para cima. — Por favor, não. — eu digo chorando. Ele abaixa a arma e quando ele faz isso, eu parto pra cima dele mordendo ele todo e chuto o revólver para longe. Enquanto eu e ele brigávamos no chão, ele me venceu à força, segurando meus dois braços e com os dentes à mostra, ele me olha com aquele olhar penetrante dele. Na mesma hora, minha coragem se foi e ele se levanta, enquanto eu ficava encolhido no chão. Ele pega o revólver e dá dois tiros pra cima, me pega pelo braço, comigo me tremendo e me leva para o carro dele. Ele não diz nada e apenas começa a dirigir em direção à minha casa. Eu não disse uma palavra, estava com muito medo. Ele disse que gostaria de ter um filho valente igual eu, que teve coragem de enfrentar ele. Enquanto passava por umas ruas naquele bairro, dizia — Hienas imundas. — ele ainda disse que era melhor não falar nada pra ninguém porque ele ficaria de olho. Nós voltamos para casa, ele me devolve as coisas e enquanto eu tocava a campainha e minha mãe vinha me atender, ele fazia “shh” com o dedo na boca e dizia baixinho — Nenhuma palavra.
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