lembranças

1431 Words
Matheus narrando Tenho poucas lembranças da minha primeira infância, a maioria são vagas. Uma das mais antigas lembranças que me vem à mente, é meus pais brincando com meu irmão enquanto eu começo a chorar. Minha mãe diz — Vai pegá-lo, ele é seu filho. Meu pai parece não gostar do que ouve e fala pra ela algo parecido com — Como vou ter certeza que ele é meu filho? Ela abaixa a cabeça enquanto coloca a mamadeira na boca de meu irmão. — Eu seguro ele, vai lá cuidar do Barone pra mim. Minha mãe me pega pelos braços e começa a cantar algo para eu dormir. Me lembro de escutar eles discutirem, dizendo algo parecido com “Como posso dar conta de tudo sem a sua ajuda?” ou “Como vou ter certeza de que essa criança é meu filho, me explica? Ele não é, e nunca será meu filho!”. São vagas e dolorosas as lembranças de não ser aceito na família de meu pai. As pessoas questionam se sou ou não filho dele. Sempre observei que os lobos eram carinhosos com seus filhos, exceto o meu pai. Eu fazia de tudo pra chamar a atenção dele. Tudo o que eu queria era um pouco de carinho, e ser lobo igual a ele. Na família dele não há hienas, e quanto a família de minha mãe não faço a menor ideia. Toda vez que questiono a respeito do paradeiro dela ou da família dela, meu pai se esquiva da pergunta e muda de assunto. Cheguei a desconfiar que eu era adotado ou algo do tipo, ou que minha mãe não se importasse comigo, ou a própria família dela não querer me conhecer. O que meu pai esconde naquele quarto? Onde ele consegue tanto dinheiro? Por que existem fotos que ele nunca havia me mostrado antes? Ele parece estar bem feliz agora, conseguiu o que ele tanto queria, um filho lobo como ele. Mas por que justo agora ele quer fazer as pazes comigo? Justo agora que comecei a questionar ele. Será que isso é só fachada para o que ele está escondendo? Havia três nomes anotados naquele caderno, e todos aqueles três nomes eram de pessoas que foram assassinadas e não conseguiram encontrar o culpado. Meu pai sempre fez questão de afirmar que era de uma família tradicional honesta e tinha orgulho de ser lobo. Será que algum outro animal na família ia desconstruir a imagem que ele tentava passar? Se a família é honesta, de onde brota tanto dinheiro? E por que ele não gosta de falar do pai dele? Ou do avô de minha mãe? Lembro vagamente das festas que ele ia, a maioria dos animais lá eram lobos. Quando eu aparecia com ele ficavam questionando se eu era um chacal ou uma raposa, todos ficavam me olhando estranho. Talvez seja por isso que não goste de sair tanto comigo ou tirar fotos, já com o Barone é diferente. Uma vez ele estava meio bêbado e afirmou que eu era filho dele, ele reconheceu pelos olhos e falou que parecia o pai dele quando criança. Isso meio que bugou minha mente já que eu era ou parecia com uma hiena, e ele afirmava que o pai dele era um lobo, o que me deixou mais bugado ainda. Outra vez, enquanto estávamos caminhando a noite, ele começou a uivar para a lua. Eu o imitei e ele ficou muito orgulhoso, até sorriu. Disse que não importa o que acontecesse eu sempre seria um lobo para ele. Um dia, eu e José estávamos caminhando de volta para casa, quando ele me questionou se Leonardo era mesmo o meu pai e eu respondi que sim. Ele me disse que era um gato, mas seus pais são um lobo e um gato. Ele disse que o pai lobo é um pouco indiferente com ele e a mãe vive brigando que o pai não dá muita bola pra ela. Respondi: — Acho que sua mãe confundiu lobo com cachorro na escolha. — aí ele até sorriu e disse meio triste — Os lobos são assim mesmo, a maioria é assim. Eles são mais carinhosos com os seus semelhantes. Eu até tento brincar com meu pai, mas às vezes ele é meio m*l humorado e outras vezes eu tenho um pouco de medo dele. Ele é alto, forte e bravo. — Teve uma vez que vi o que não devia ver — disse José — Eu tinha chegado da escola mais cedo e vejo meu pai saindo do quarto todo suado e meio ofegante, com um arranhão enorme dos dois lados do tórax até a barriga. Quando ele me vê, ele toma um susto. — Filho? O que você está fazendo aqui? — ele me perguntou. — Eu fui liberado mais cedo — digo. Minha mãe apareceu logo depois com a roupa toda bagunçada. Sem saber o que fazer, meu pai tirou 20 reais da carteira e disse pra eu dar uma volta, e eu saí na mesma hora. — Acho que eles estavam tentando fazer um lobinho desta vez — eu respondo a José, e ao escutar isso, ele fica todo envergonhado e depois caímos na gargalhada. Eu digo a ele que lobos não gostam muito de gatos porque vocês arranham eles. — E quanto a você? — ele pergunta — De qual espécie você é? — Sou uma hiena. Tá na cara, né? — Tem certeza? Se você realmente for uma hiena, você é uma bem diferente. Um exemplo disso é o Paulo e o Luís, que também são hienas, mas não parecem com você. Fora que você também gosta daquelas músicas chatas e se veste desse jeito. — Cara, nenhuma hiena é assim, não acho música clássica chata e gosto da maneira como eu me visto — eu digo. — Você puxou mais seu pai em gostos — diz José — Ele parece ser um cara um pouco sério e refinado. — Sim — digo a ele — Queria ser como ele, talvez assim ele me aceitasse. — E quanto aquelas fotos que você falou que ia procurar? — José perguntou. — Eu encontrei apenas algumas bem estranhas, não sei o que o pai de meu pai parecia. Vou tirar umas fotos com o celular e depois mostro pra você pra ver, e você me diz o que acha. — Ok — diz José. — Posso te fazer uma pergunta? — diz José. — Sim — digo a ele. — Você e Lucas eram amigos, por que vocês se afastaram de repente? Eu respondo: — Eu não sei, teve um dia que um cara que estudava na minha escola foi assassinado. Neste mesmo dia, meu pai estava demorando a chegar e Lucas estava comigo. Ele resolveu ficar em casa comigo até meu pai chegar e ficamos fazendo umas atividades, até que deu umas sete e meia e ele decidiu ir porque a mãe dele já devia estar preocupada com ele. Aí depois desse dia ele ficou estranho, ficava me evitando. Teve uma vez que ele tentou me dizer algo, mas ele parecia estar nervoso e olhava para os lados, como se alguém estivesse perseguindo ele. Depois de um tempo, a escola pegou fogo no meio de 2017 e as aulas ficaram suspensas durante um ano. E toda vez que ia até a casa dele, ninguém atendia. — É, realmente, isso é estranho mesmo — disse José. [Quebra de tempo] Lucas ter se afastado de mim doeu muito, foi uma lembrança dolorida. Uma das únicas pessoas que realmente gostava de mim, simplesmente me abandonou como se eu não fosse nada. Me recordo do meu pai nunca gostar muito de hienas. Toda vez que eu tinha um amigo hiena, ele me afastava deles, ele só aceitou Lucas e Ryan por não serem hienas. Eu comecei a vasculhar vários álbuns de família quando ninguém estava por perto e a tirar várias fotos de ancestrais que mais se aproximavam de hienas por parte de pai. (As fotos que tirei) No outro dia, eu mostro estas fotos para José e para as duas hienas e eles ficaram meio confusos. As duas hienas não conseguiam identificar hienas nas fotos e José também. Eles iam e voltavam na classificação, às vezes viam hienas, outras vezes viam outras espécies. Não sei como meu pai descobriu, mas ele mandou eu apagar todas estas fotos do celular e passou a esconder os álbuns a sete chaves. Toda vez que indago com a família do porquê de eu ser diferente, eles mudam de assunto ou preferem não falar.
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