27 de abril de 2019
Narrador narrando
Leonardo estava se recuperando de um resfriado, ele raramente ficava doente, mas quando ficava, geralmente ele fica muito abalado. Era um sábado e a família toda foi até sua casa almoçar com ele. Estavam presentes sua mãe, a Dona Bela, os seus três irmãos sendo dois lobos e uma loba, seus cinco sobrinhos e dois primos. A família se reuniu no quintal à sombra de uma árvore, só estava faltando alguém e esse alguém era Matheus, que se trancou em seu quarto.
Avó do Matheus narrando
Fomos todos visitar meu filho que estava se recuperando de uma gripe. Eu tomei um susto quando o Matheus abre a porta e nos atende — Parecia meu marido. — pensei — não pode ser, Matheus mudou tanto, parece outra pessoa. — Leonardo e Juliana aparecem logo depois e Matheus some, quando fomos para o quintal não havia nem sinal dele, Matheus havia sumido. Nós sentamos na mesa, eu sento perto do meu filho e a mudança de Matheus não saía da minha cabeça, aquilo estava me incomodando muito. Todo mundo também notou o que havia acontecido e todos estavam comentando.
Narrador narrando
Os irmãos e primos de Leonardo ficaram jogando conversa fora, eles conversavam sobre os negócios da família e até falavam m*l de outras espécies, como hienas, por exemplo.
Prima de Leonardo — Não sei o que faço com Anny, ela só se interessa por hienas e não gosta de lobos, essa garota tem mau gosto.
Anny vira a cara e diz — Deixa de ser chata, mãe.
Primo do Leonardo — Isso tem que parar, tá tudo muito misturado. Isso não tá normal, animais de espécies diferentes tendo filho, que coisa mais estranha. Não é preconceito não, mas isso é esquisito.
Theo — Um amigo meu que é lobo teve um filho com uma hiena, sorte que ele se parece com lobo porque essas hienas são feias.
Irmã do Leonardo — Ele deveria ter escolhido uma loba, isso sim.
Narrador narrando
Leonardo e sua mãe escutavam tudo aquilo sem dizer nada, até que a mãe decide quebrar o silêncio.
Dona Bela — Onde está o Matheus?
Leonardo narrando
Aquilo foi estranho, minha mãe nunca havia perguntado aquilo. Digo a ela que ele está no quarto dele e ela pede que eu traga ele para o jantar. Bem estranho isso, já que minha mãe nunca gostou do meu filho. Eu vou até lá chamar ele.
Matheus narrando
Eu estava jogando no celular quando escuto alguém bater na porta, é meu pai me chamando para almoçar junto com eles. Eu não queria ir de jeito nenhum, mas ele me obrigou a descer, disse que era só para almoçar e que minha vó queria me ver. Estranho, muito estranho. Eu, emburrado, decido descer as escadas, eu me sento perto do meu pai e da minha vó e de frente para Anny, minha prima. Ela não parava de olhar para mim, nem ela e nem os outros. Eu coloco um pouco de comida no prato e começo a comer rápido para voltar logo para o quarto.
— Calma, Matheus, come devagar — diz a prima de meu pai, mãe de Anny, com preocupação.
Digo com ironia — Como se vocês se importassem comigo.
Eu termino de comer e já estou voltando para o quarto quando meu pai me pega pelo braço e me faz sentar de novo.
— O quê e porque vocês tão me olhando, vocês nunca me viram não!? — digo a todos.
— É que você tá diferente. — diz meu tio Theo.
Enquanto ele dizia isso, Juliana apareceu colocando na mesa um enorme peru assado. Todos começaram a cortá-lo, Barone avançou em cima da mesa e tirou uma coxa enorme. Minha vó pega ele e o coloca no seu colo, ela estava achando engraçado ver o netinho dela lobinho rosnando e devorando um pedaço de carne, todos achavam engraçado ver aquilo.
Eu não coloquei nada no meu prato, eu só queria sair dali o mais rápido possível e meu pai corta um pedaço do peru e o coloca no meu prato, me obrigando a comer, mas eu não queria então ele me obriga. Eu me recuso, mas ele já estava ficando impaciente, então eu comecei a comer.
— Já posso ir? — pergunto para ele.
— Não, se senta, Matheus. — diz ele.
Eu continuo sentado, não queria vir até aqui e ainda ficava escutando as conversas chatas dos irmãos e primos do meu pai. Eles estavam muito felizes porque tiveram uma safra boa e fizeram algumas aplicações e os investimentos estavam rendendo muito, ou tal primo é um lobo ou loba muito bonito, tipo isso.
Eu estava ficando impaciente e Anny também não estava gostando da conversa.
— Você mudou tanto, nem parece que é hiena. — diz um primo meu chamando Júnior rindo com ironia.
— Você tá bonito pra caramba. — disse Luísa.
— Entendo muito bem seu conceito de beleza, agora me deixa em paz. — digo pra ela.
— Nossa, que grosso. — ela diz para mim.
— Mamãe acho que engordei mais um pouco, o que eu faço? — diz uma outra prima
— Só não comer muito, senão você vai continuar gorda e uma hora vai explodir. — digo eu
Anny sorriu e a prima virou a cara.
Eu coloquei um pouco de refrigerante no copo e comecei a beber enquanto Anny me observava e sorria e eu sorria também. Meu pai deu uma leve risada, a prima dele só olhava e os outros primos ficavam olhando com olhar de reprovação.
Júnior era apaixonado por ela, mas ela não dava bola pra ele. Eles eram primos de quarto grau, aí os pais aceitariam eles ficarem juntos.
Douglas, filho de Theo, começou a fazer uma série de comentários ofensivos, ele falou sobre um lobo que estava com uma hiena e ele achava ridículo aquilo, que animais tão nobres como os lobos se apaixonarem por animais carniceiros como hienas. Eu sabia que aquele comentário era direcionado para mim e comecei a ficar com muita raiva.
— Douglas, para! Não é o momento. — diz Theo.
— Parar por quê? — diz ele sorrindo — Por acaso tem alguma hiena aqui?
— Que eu saiba, meu tio já disse que o Matheus é um lobo. — disse Douglas com sarcasmo e apontando para Leonardo.
— Então quem tá sendo ofendido aqui? Somos todos lobos — disse apontando para todos — Olhe, o Matheus parece um lobo. Awwwn, ele tá rosnando, tá zangadinho tá?
Quando ele inclina o corpo dele sobre a mesa e aproxima o rosto para perto de mim, eu acerto o nariz dele e ele pega um impulso para trás e cai com a cadeira e tudo. Na mesma hora, todos se levantam para separar uma possível briga, o nariz dele começa a sangrar e minha prima Luzia começa a gritar e perguntar — O que você fez!?
Eu estava com muita raiva dele, na mesma hora o rosto dele mudou e ele ficou com aquele olhar assassino que os lobos têm quando estão zangados. Ele se levantou do chão com um pulo e partiu para o ataque. Meu pai, que estava sentado perto de mim, segura ele e todos estavam tentando acalmar a briga, enquanto ele praguejava contra mim com o nariz sangrando e eu ria. Eu me levantei da cadeira, enquanto caminhava para o quarto eu escutava vários insultos como “Você não é filho do meu tio!” ou “Você não faz parte desta família!” ou “Você não é um lobo de verdade!” ou “É só uma hiena imunda e sempre será!”. Eu virei, olhei para ele e sorri.
Douglas — Olha o que ele fez com meu nariz, Luzia.
— Calma, vai passar.
Anny estava com cara de preocupada.
Théo — Leonardo, faz alguma coisa.
Barone começou a chorar ao ver o sangue.
Dona Bela — Tenta acalmar ele.
Eu fiquei parado observando tudo, eu estava sentindo prazer em ver Douglas sangrando, e ele estava começando a ficar nervoso porque o sangramento não parava.
(Douglas)
Dona Bela pensamento: Meu deus, ele está agindo como o meu pai, o que aconteceu com o Matheus?
Anny pensamento: O que aconteceu com Matheus? Ele não era assim.
Douglas chorando diz — Você me paga, Matheus, isso não vai ficar assim!
Leonardo — Matheus, volta aqui!
Eu continuo a caminhar para o quarto e dou um dedo para trás, enquanto caminhava e sorria.
— Que garoto mais insensível — diz a prima de Leonardo, mãe de Anny.
Eu subo as escadas, vou para meu quarto, me tranco, coloco os fones de ouvido e coloco nas músicas que eu e Lucas gostávamos de escutar. Eu ficava pensando no que Douglas havia dito para mim e ficava chorando, deitado de barriga para cima. Eu escutei batidas na porta, era o meu pai batendo e ele parecia estar muito irritado, ele dizia que queria conversar comigo. Eu aumento o volume do celular para não escutar ele, não tinha mais um pingo de medo dele, eu estava até pensando que poderia vencer ele na p*****a se ele tentasse alguma coisa. Eu fico imaginando o que ele tanto esconde naquele quarto, fico unindo os pontos sobre a família dele e fico me lembrando do dia em que eu saí com José e tinha umas hienas falando m*l da família dele. Diziam que aquelas terras foram conquistadas à bala e estavam com medo de falar o nome de meu pai, diziam que a casa dele era bem sinistra e que tinham medo de passar perto, que ele era duro de morrer.
Bem estranho mesmo, mas mais estranho ainda foi terem citado que ele tinha um filho hiena e não sabiam como ele ainda estava vivo, ou que ele teve uma mulher que misteriosamente desapareceu.
Alguma coisa ele esconde e eu vou descobrir, me lembro dos dias em que ele estava doente e vasculhei a casa toda a procura da chave daquele quarto misterioso, é uma chave prateada. O que não me sai da cabeça é que ele está preocupado com alguma coisa, ele não desgrudava daquele celular e de mandar mensagem, ou talvez seja por ele não gostar que faça algumas perguntas para ele como sobre minha mãe ou sobre o pai dele. Seja lá o que ele estiver escondendo, eu vou descobrir.
Estranho, muito estranho, me recordo uma vez que eu estava brincando e chegou um outro lobo em casa. A gente raramente recebia visita e este lobo estava com uma arma na cintura. Meu pai tinha ido pegar o bule de café com as duas xícaras e enquanto ele estava na cozinha este policial apontou o revólver para mim e ficou sorrindo, fazendo gestos com a boca e dizendo a palavra “Morra”.
Eu não entendia o que significava aquele gestor subliminar e eu ria, eu corri e abracei ele no colo e ele fez cara de nojo enquanto meu pai chegava e se sentava na cadeira da frente servindo as duas xícaras.
Meu pai mandou ele entregar umas encomendas que eu não sabia o que eram e ele também disse que eles iam faturar muito com isso, o outro lobo aceitou as ordens e disse que iria fazer o serviço completo. O lobo olhou para mim e disse que poderia cuidar de mim, lembro dele dizer que ninguém ia perceber nada.
Meu pai ficou com o rosto sério e o lobo percebeu que era hora de mudar de assunto, mas meu pai não estava mais afim.
— Me desculpa, senhor, não quis ofendê-lo — diz o lobo, se retirando da nossa casa.
Meu pai estava com muito ódio, ele estava com os olhos vermelhos e fechava os punhos, mas foi se acalmando aos poucos.
Coincidências estranhas, sempre tive um pouco de medo do meu pai, mas ele sempre foi estranho. Por que eu não posso ir em alguns lugares daquela fazenda? O que ele esconde lá? Por que não posso ir a alguns lugares desta cidade sozinho?
Eu estava distraído em meus pensamentos enquanto escuto Barone bater na porta, eu me levanto da cama e a abro.
Barone estava bem triste, estava chorando e logo foi me abraçando.
Barone — O Douglas disse que você não é meu irmão.
Eu — Sou sim.
Barone — Eu não quero que você vá embora.
Eu — Eu não vou, eu tô aqui com você.
Barone — Ele disse que você não é um lobo, mas sim uma hiena carniceira.
Eu — Não é verdade.
Barone chorando — Ele disse que as hienas matam bebês lobos.
Eu — É tudo mentira dele, eu nunca faria algo assim com você.
Meu pai entra no quarto e manda eu descer, eu não queria ir, mas ele me pega pelos braços. Eu tento resistir a ele, mas ele era mais forte e me forçou a descer. Eu resolvi descer e acompanhar ele até o quintal, todos estavam lá reunidos e o nariz de Douglas tinha parado de sangrar. Meu pai pede para que eu peça desculpas, eu resolvo não contrariar e peço. Então meu tio Theo fala para nos abraçarmos, eu não queria fazer isso e Douglas disse que jamais abraçaria uma hiena e ele leva um cascudo de Theo ao dizer isso. Meu pai me empurra pra frente e meu tio, o filho dele, fomos forçados a nos abraçar.
Douglas disse bem baixinho — Você me paga, Matheus.
Eu disse bem baixinho — Se você falar o que disse de novo não vai ser só o nariz que vai sair quebrado, vai ser seu corpo todo.
O abraço é interrompido e ele se senta à mesa, perto de Luzia, minha prima bajuladora. Todos ficaram felizes quando nos abraçamos.
— Uma alcateia tem que ser unida. — diz meu tio.
— Como é que é? — digo eu rindo — Que tipo de alcateia é essa que exclui quem é diferente?
— Cala a boca, Matheus — diz meu pai — Você está ultrapassando dos limites.
Eu continuo rindo, com uma cara de deboche, olhando para meu pai. Era engraçado ver ele zangado e meu tio me olhava meio preocupado, minha vó também.
Théo pensamento: Se esse moleque soubesse quem é Leonardo de verdade, ele tá brincando com fogo.
Eu ia voltar de novo para meu quarto quando meu pai, pela quarta vez, pede que eu volte à mesa.
— Deixa de ser chato, pai, já é a quarta vez. Olha aqui, eu não tenho o menor interesse em fazer parte destes encontros chatos de família, eu nem faço parte desta família.
Ele só me pega pelos ombros e me senta num banco, apertando os meus ombros. Ele já estava impaciente e eu também, mas desta vez ele me senta perto de Anny, e ele ficou do outro lado da mesa me encarando. Juliana estava fazendo gestos com a boca para eu parar.
Barone estava desconfiado e se sentou no colo de minha vó, Anny falava baixinho para mim — Não encara ele. — mas eu ignorei ela e continuei encarando ele. Meu pai estava ficando com o rosto vermelho de raiva, mas eu não dou sequer um passo para trás. O clima estava ficando tenso e Anny me belisca para eu parar, até Douglas olhava para mim preocupado, com medo do que poderia acontecer.
Juliana traz mais carne e cochicha algo no ouvido dele, ela até dá um beijinho na bochecha dele e ele descontrai, e eu também. O almoço termina com todos se retirando e Anny sorrindo para mim, a mãe dela sorriu para ela e disse — Pelo menos não é uma hiena qualquer e tá tudo em família.
Meu pai resolve acompanhar todos até suas casas, ele ia dar carona para o pessoal, e assim que eles saíram eu fui repreendido por Juliana.
— Você tá maluco? — diz ela — Irritando seu pai desse jeito, tá querendo apanhar?
— Não tenho mais medo dele. — digo para ela.
Eu caminho para o quarto pra escutar minhas músicas, enquanto Barone me acompanha e pergunta — O que você tá ouvindo?
— Isso é rock. — eu coloco um dos fones no ouvido dele e ficamos ouvindo.
Barone — Douglas disse que você não é um lobo de verdade como a gente.
Eu digo — Sou sim, olha, eu sei uivar — eu dou alguns uivos e fico sorrindo, Barone também sorri — Eu sou mais forte, eu sou mais lobo que o Douglas.
Barone — E mais do que o papai?
Eu — Sim, o papai não iria me derrotar — digo enquanto olhava para ele.
Barone — Que legal.
Eu — Eu que mando aqui, sou até mais forte que o papai. — digo sorrindo.
Nós continuamos a escutar música no quarto, meu pai havia chegado e foi para o quarto dele descansar, ele pedia para a gente não fazer barulho.
Nós concordamos e ficamos rindo, nós retiramos os fones e ficamos com o celular tocando a música, era uma chamada “Kitty” de Peper Coyote, a gente aumentava e diminuía o volume e meu pai estava ficando irritado. Eu dizia — Uiva, Barone. — Barone uivava, e eu cantava sorrindo.
Enquanto isso Leonardo levantava da cama, abria o guarda roupa, pegava um cinto e ia até o quarto de Matheus.
Eu estava cantando e sorrindo, e Barone também. Aí do nada, eu vejo que ele ficou sério e eu estava cantando quando me espanto com uma cintada no meu ombro, eu olho para trás e meu pai estava vermelho de raiva. Barone tentou correr e levou uma cintada na poupança enquanto eu levei outras três, eu estava chorando e Barone também. Ele pega a gente pelas orelhas e leva a gente pro quarto dele, ele manda a gente sentar na cama e diz que quer ter uma conversa séria com a gente.
Barone chorava muito e se abraçava em mim.